«Não fora a demora de dois anos na definição do modelo de gestão e financiamento da rede rodoviária nacional (finalmente estabelecido com a concessão à Estradas de Portugal) e estes investimentos já estariam no terreno há mais tempo, criando emprego e dinamizando a economia. Trata-se dos primeiros projectos já da responsabilidade da nova empresa concessionária (cuja administração foi hoje mesmo empossada), a realizar em regime de parceria público-privada (PPP), com investimento privado e diluição do pagamento pela EP ao longo da duração do contrato». Vital Moreira. Pois é, desenhar contratos e opacos modelos de gestão dá uma trabalheira e só serve para atrasar investimentos necessários. Mas agora é só investir e o Estado cá está para garantir os lucros durante décadas sem fim. Um belo negócio.
Parabéns atrasados ao Causa Nossa pelos quatro anos de intervenção na luta das ideias. O «socialismo moderno» tem aqui o seu principal esteio intelectual.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Noir Désir
Talvez a mais bela canção do "engajado" grupo francês "Noir Désir", "Le Vent Nous Portera":
Modelo Social Europeu

O debate público à volta do futuro da Europa tem estado demasiado colado às agendas dos governos e instituições europeias. Contudo, têm sido publicadas excelentes análises, ancoradas à esquerda, sobre o significado presente e futuro do espaço europeu. Já aqui tínhamos feito referência a este brilhante artigo de Perry Anderson. Esta análise do «modelo social europeu», de Christoph Hermann e Ines Hofbauer, é uma excelente leitura complementar. Os autores realçam como a integração do conceito de «modelo social europeu» faz parte de um bloco hegemónico que legitima o aprofundamento neoliberal do projecto europeu. A recusa do modelo «anglo-saxónico», mais ou menos partilhada pelos europeus, permite criar um consenso necessário para políticas dirigidas à pretensa modernização. No entanto, as repetidas defesas do ~«modelo social europeu» nos diferentes acordos europeus (Maastricht, Agenda de Lisboa, Constituição Europeia) têm, sob o pretexto da sua modernização, aberto as portas a reformas (mercado de trabalho, segurança social) que, não só seguem o rumo dos EUA, como os ultrapassam. Veja-se o caso do Pacto de Estabilidade e das suas imposições orçamentais.
Ademais, quando lemos este artigo, de James Galbraith, e percebemos que a Europa, a 27, sofre crescentes níveis de desigualdade, bem superiores aos EUA, uma questão é clara: será que faz sentido falar de modelo social europeu? Estão bem estudadas as diferenças significativas da organização da protecção social e regulação do mercado de trabalho nos diferentes países europeus. No entanto, existem certas semelhanças. A universalidade no acesso e o papel do Estado na provisão permitiram um grau de desmercadorização ímpar nas economias capitalistas. Os cidadãos experimentam assim a protecção efectiva das dinâmicas e efeitos dos mercados. Contudo, assistimos hoje a uma mudança de paradigma de protecção social, onde esta é entendida como instrumento de apoio ao ajustamento dos cidadãos ao mercado, como a recente discussão sobre a flexisegurança o demonstra. É nestes diferentes entendimentos do papel da protecção que se joga o futuro do modelo social. Esta deve ser a luta ideológica prioritária da esquerda.
Modelo social europeu II
Bons exemplos da luta ideológica assinalada na posta anterior são as propostas de reforma da segurança social. Não vou discutir os cenários macroeconómicos e demográficos de longo prazo em que estas propostas se baseiam, que condenariam qualquer sistema, público ou privado, à falência. Essa é uma discussão que ficará para mais tarde. O que me interessa aqui é discutir as privatizações parciais ou a lenta corrosão dos sistemas públicos que, um pouco por toda a Europa, estão a ser aplicadas. O argumento por detrás deste movimento é o de que o Estado deve tão só garantir o mínimo de protecção aos mais desfavorecidos. Os que têm maiores rendimentos devem recorrer a sistemas privados de poupança, normalmente associados a fundos de investimento. Quebram-se os princípios da universalidade e da provisão pública e passamos a ter um sistema dual e assistencialista. O grosso do sistema é deixado ao mercado. Este parece assim ser o único caminho possível a seguir, mesmo para quem defende um modelo de protecção público.
Não é preciso recuar muito no tempo para encontrarmos uma alternativa universal, solidária que reforçaria a solidariedade nacional e retiraria poder ao mercado. No início dos oitenta, Rudolf Meidner, economista do principal sindicato sueco, LO (próximo dos sociais-democratas), propôs um plano cujo objectivo inicial era assegurar níveis de investimento que sustentariam uma economia de pleno emprego. A ideia é simples, parte dos lucros das grandes empresas suecas seriam investidos em acções das próprias empresas, mas em fundos controlados pelos trabalhadores em parceria com entidades públicas. Estas acções não poderiam ser transaccionadas. Se o objectivo inicial de Meidner foi o de obter uma nova fonte de investimento público, não é difícil imaginar como estes fundos poderiam ser uma fonte de financiamento da segurança social pública. Aparentemente, a lógica deste sistema não é muito distante da capitalização privada agora defendida por tantos. No entanto, esta é uma proposta que preserva o carácter universal e público do sistema. E é também uma proposta radical: os trabalhadores ganhariam lentamente um maior controlo das empresas, dada a acumulação crescente de capital «socializado». Como o historiador Donald Sasson, no seu excelente Cem anos de Socialismo, escreve, este foi: «o primeiro programa socialista do pós-guerra com o objectivo de eliminar o controlo privado dos principais meios de produção».

Trabalhadores pobres
"Portugal é dos poucos países da União Europeia onde estar empregado não significa deixar de ser pobre, indica um relatório segundo o qual cerca de 14 por cento das pessoas que trabalharam em 2004 tiveram rendimentos abaixo do nível da pobreza" (PÚBLICO). Dados como este apenas confirmam o fracasso de um modelo de desenvolvimento liberal imposto por elites convertidas à ideia do mercado sem fim.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Um bom debate
«As críticas nas áreas da Educação e da Saúde feitas pelos partidos da direita, pelos cronistas fazedores de opinião ideológica à direita e pela sua movida tão presente na comunicação social, e particularmente na televisão, têm um objectivo de fundo, expresso ou oculto - apresentar como alternativa os benefícios do sistema privado. Mas como as críticas se baseiam muitas vezes sobre problemas reais, misturam-se em amálgama com as críticas dos partidos mais à esquerda. E estes deixam-se cavalgar e cavalgam as críticas de direita, sem fazerem uma separação higiénica e pedagógica». Este importante ponto consta de um artigo de Isabel do Carmo intitulado «A quem serve o ‘bota-abaixo’ do Serviço Nacional de Saúde», publicado no último número do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa. Isto vai certamente dar um bom debate. Ainda por cima é num belo lugar da capital.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
O Estado «facilitador» dos negócios sem risco

A abertura destas áreas ao negócio privado reforça os incentivos para que os grandes grupos económicos se especializem no sector dos bens não-transaccionáveis, menos exposto à concorrência. As virtudes empreendedoras do sector privado não são para aqui chamadas. Trata-se apenas de ter poder e influência para negociar bons e complexos contratos, de difícil monitorização e com lucros politicamente garantidos porque o Estado acaba sempre por ter de assumir os riscos do negócio dada a importância dos equipamentos em causa. Depois é cortar ao máximo na manutenção e tentar bloquear todo o escrutínio. Além disso, cria-se uma perigosa promiscuidade entre o sector público e o sector privado, bem ilustrada pela circulação de pessoal político do bloco central dos ministérios para cargos bem remunerados nestas empresas. Não há nenhuma razão para defender que uma empresa pública não está em condições de gerir tão bem, ou até melhor, sectores deste tipo. Além disso, seria mais fácil de controlar, os lucros reverteriam para o Estado e seriam menores as oportunidades de corrosão da ética do serviço público. Quem perderia? Os políticos pouco escrupulosos, os juristas e economistas bem pagos para desenharem os contratos e os «modelos de negócio», os grandes escritórios de advogados com boas ligações e os grupos económicos rentistas. Quem ganharia? O resto do país.
Bem visto da economia
Helena Garrido publicou uma excelente posta sobre a «tempestade» que vem da América: «com este quadro temos ainda uma margem limitada dos instrumentos de política. A descida de taxas de juro por parte do BCE enfrenta riscos de impacto limitado pela correcção em alta dos 'spreads' para créditos de maior risco, podendo ainda ficar condicionada se a inflação subir. E as políticas orçamentais estão manietadas pelo Pacto de Estabilidade». Pois é. É no que dão mandatos e regras «estúpidas» que só têm servido para bloquear o crescimento concertado da procura agregada europeia, o que obrigou a um esforço exportador para os EUA que é agora posto em causa. O PEC é um colete de forças que só bloqueia uma política económica de relançamento para fazer face às dificuldades. Não é por acaso que a nossa longa estagnação coincide com esta aberração pré-keynesiana. Há duas alternativas: ou se reforça o orçamento europeu (como é que se avançou para a moeda única sem um orçamento europeu com peso macroeconómico é uma das questões que os historiadores económicos do futuro irão ter de explicar), o que é inexequível políticamente no actual contexto, ou se manda o PEC para o caixote do lixo da história, coisa que os grandes países já fizeram na prática. Isto implica aceitar que o défice é apenas um instrumento e não o objectivo da política económica.
La France
Ontem, mais de meio milhão de pessoas manifestaram-se em França contra as reformas propostas por Sarkozy, no que é o maior movimento social desde o famoso "Inverno do descontentamento" de
Socialismo para os ricos, capitalismo para os pobres
A discussão sobre a possível nacionalização do Northern Rock realça o papel vital das instituições públicas nas numerosas crises financeiras passadas. De facto, a história recente mostra como foram numerosas as intervenções públicas salvadoras do sistema financeiro global. Intervenções justificadas pela importância deste sector no resto da economia, mas que sempre foram acompanhadas por medidas que distribuíram assimetricamente os efeitos das crises, quer na relação entre capital e trabalho, quer nas relações entre diferentes nações. A expressão do João é certeira: «socialismo para os ricos, capitalismo para os pobres».
Doug Henwood faz esta breve história aqui (só para assinantes). A crise da dívida externa nos países em vias de desenvolvimento, aberta pela insolvência mexicana no início dos anos oitenta, resultou nos trágicos programas de ajustamento estrutural do FMI. O pagamento do pesado serviço da dívida destes seguintes foi, no entanto, assegurado. A crise bolsista de 1987 foi "resolvida" com um empréstimo de 200 mil milhões de dólares do Fed norte-americano ao sector financeiro. Em 1994, foi novamente o México o centro da instabilidade financeira, cedo circunscrita por um novo empréstimo norte-americano. Contudo, este país não foi poupado a uma dura recessão e a um novo programa de liberalização da sua economia. O mesmo se passou, grosso modo, no Sudoeste Asiático, em 1997-98. Finalmente, em 2001, a bolha especulativa bolsista em torno da "nova economia” foi lentamente "esvaziada" pela diminuição progressiva das taxas de juro, criando uma nova espiral especulativa, desta vez no sector imobiliário.
Este olhar sobre a história recente ajuda-nos a perceber que estamos longe das crises profundas e duradouras do século XIX. Ao contrário do que certa esquerda sempre espera quando uma crise se anuncia, o capitalismo não vai acabar amanhã. Mas será que estamos condenados a "socializar" as perdas dos investimentos especulativos do sector financeiro? A resposta é não. Através da regulação (taxação das transacções, regulamentação da actividade dos diferentes agentes, intervenção de um sector público robusto, etc) o sistema financeiro pode ser disciplinado e estabilizado. Se as suas irresponsáveis acções têm efeitos exacerbados nas vidas de todos nós, então porque não poderemos ter, todos nós, uma palavra a dizer no seu funcionamento?
Doug Henwood faz esta breve história aqui (só para assinantes). A crise da dívida externa nos países em vias de desenvolvimento, aberta pela insolvência mexicana no início dos anos oitenta, resultou nos trágicos programas de ajustamento estrutural do FMI. O pagamento do pesado serviço da dívida destes seguintes foi, no entanto, assegurado. A crise bolsista de 1987 foi "resolvida" com um empréstimo de 200 mil milhões de dólares do Fed norte-americano ao sector financeiro. Em 1994, foi novamente o México o centro da instabilidade financeira, cedo circunscrita por um novo empréstimo norte-americano. Contudo, este país não foi poupado a uma dura recessão e a um novo programa de liberalização da sua economia. O mesmo se passou, grosso modo, no Sudoeste Asiático, em 1997-98. Finalmente, em 2001, a bolha especulativa bolsista em torno da "nova economia” foi lentamente "esvaziada" pela diminuição progressiva das taxas de juro, criando uma nova espiral especulativa, desta vez no sector imobiliário.
Este olhar sobre a história recente ajuda-nos a perceber que estamos longe das crises profundas e duradouras do século XIX. Ao contrário do que certa esquerda sempre espera quando uma crise se anuncia, o capitalismo não vai acabar amanhã. Mas será que estamos condenados a "socializar" as perdas dos investimentos especulativos do sector financeiro? A resposta é não. Através da regulação (taxação das transacções, regulamentação da actividade dos diferentes agentes, intervenção de um sector público robusto, etc) o sistema financeiro pode ser disciplinado e estabilizado. Se as suas irresponsáveis acções têm efeitos exacerbados nas vidas de todos nós, então porque não poderemos ter, todos nós, uma palavra a dizer no seu funcionamento?
terça-feira, 20 de novembro de 2007
A hipótese da nacionalização
O «novo trabalhismo» britânico pôde prosperar sem bloqueios políticos dos grupos sociais mais privilegiados porque aceitou e nutriu a herança liberal de uma economia onde a finança especulativa de mercado ocupa, desde os anos oitenta, um lugar de inédita e insustentável proeminência. Já conhecíamos as abissais desigualdades que a aceitação deste padrão de mercado pode gerar. Desde Setembro que conhecemos a instabilidade financeira como resultado da combinação de dinâmicas concorrenciais coercivas em tempos de euforia financeira com uma gestão bancária gananciosa e míope. De facto, o já famoso caso do Northern Rock e do colossal empréstimo que o Banco de Inglaterra teve que garantir para gerir o risco sistémico que uma falência bancária, precedida de uma corrida aos depósitos, acarretaria, poderá ter pesadas consequências políticas para o governo de Brown. Existe a percepção fundada de que o empréstimo pode nunca vir a ser reembolsado, ou seja, o erário público corre o risco de acabar a financiar especuladores dispostos a adquirir o banco apenas sob condição de grandes apoios do governo (uma versão do «socialismo para os ricos, capitalismo para os pobres»). Daí que comece a surgir uma alternativa interessante e com uma repartição aparentemente mais balanceada dos fardos entre o erário público e os proprietários: a nacionalização do banco. Ouviram bem. A palavra mais «suja» do vocabulário económico está a reentrar na discussão pública na pátria de todas as contra-reformas liberais e pelas mãos mais insuspeitas.
O medo como instrumento de política

Jornalismo
Sabemos que algo vai mal no jornalismo quando temos de destacar um trabalho por ouvir várias vozes e assim oferecer uma perspectiva mais equilibrada sobre um assunto. No entanto, em relação à Venezuela, a imprensa dita de referência costuma estar algures entre a Atlântico e o Insurgente, ou seja, ao nível da pura propaganda da direita intransigente. Francisca Gorjão Henriques, pelo contrário, procura compreender o que está por detrás do sucesso político de Chávez, ouve pessoas de vários quadrantes e apresenta alguns elementos para uma discussão informada: «Dados da Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas das Nações Unidas (ECLAC, na sigla inglesa) mostram que a pobreza venezuelana caiu dos 48,6 por cento para 37,1 por cento entre 2002 e 2005. A indigência passou de 22,2 por cento para 15,9 por cento». A verdade só pode emergir do pluralismo. E o jornalismo digno desse nome também.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Reversão de política?

«O petróleo é nosso»

domingo, 18 de novembro de 2007
É o frio que os faz trabalhar mais?

Pérolas destas repetem-se na comunicação social portuguesa. Vai-se incutindo na cabeça das pessoas a ideia de que «os portugueses lá fora trabalham tão bem ou melhor que os outros». Não deveria ser difícil a um jornalista que escreve num caderno de economia perceber que a «produtividade do trabalho» (e não «produtividade dos trabalhadores», como escreve a jornalista) é um indicador que consiste em não mais do que a simples divisão do valor da produção pelo número de trabalhadores. Logo, se o valor deste indicador é baixo, a única coisa que se pode concluir é que o valor (de mercado) do que se produz em Portugal é baixo tendo em conta a dimensão da economia nacional.
E porque é que o valor do produto nacional é tão baixo? Por diferentes motivos, nomeadamente: porque se produz muito em sectores de baixo valor acrescentado; porque a qualidade e sofisticação do que se produz não permite cobrar preços elevados pelos bens e serviços produzidos; porque mesmo quando se produzem bens e serviços de elevada qualidade não se consegue convencer os consumidores que esses produtos valem o preço que é pedido; ou porque, muitas vezes, quando os produtos são bons e até são reconhecidos no exterior há distribuidores que controlam o acesso aos mercados externos e que ficam com as margens de lucro realizadas.
As razões que conduziram a economia portuguesa a esta situação são várias e nem sempre simples de descortinar. Entre as principias candidatas estão: uma industrialização que se deu demasiado tarde para que a indústria portuguesa conseguisse afirmar-se naqueles sectores de elevado valor acrescentado onde só há lugar para um número reduzido de empresas a nível internacional; o facto de as poucas empresas nacionais com escala para competir a nível internacional sempre se terem interessado mais por explorar as rendas garantidas no mercado nacional (com o apoio generoso dos poderes públicos); o facto de o investimento em factores de inovação e qualidade (que permitiriam criar marcas próprias em bens e serviços sofisticados, mas que levam alguns anos até garantirem retorno) sempre terem sido preteridos em favor de investimentos com retorno imediato; um nível de qualificação dos portugueses (tanto trabalhadores como gestores) que dificultou o 'upgrading' das capacidades de produção; entre outras.
Será que a jornalista do Público não percebe coisas tão básicas? Será que está mesmo convencida que os portugueses que vivem no Luxemburgo trabalham mais do que em Portugal (talvez por causa do frio, ou por que se aborrecem de morte no Grão-Ducado) e que isso expica a diferença na «produtividade do trabalho»?
Um aviso aos desatentos: esta notícia do Público serviu para anunciar um novo programa da :2, «Economia do Mês», apresentado por uma das maiores fraudes das questões de Economia em Portugal, Vasconcelos e Sá. Para comentar os dados referidos no início, a jornalista não encontrou ninguém melhor do que essa outra fraude, tão ideologicamente empenhada como a primeira, que é Pedro Arroja. Não admira que quase ninguém tenha paciência para a imprensa económica em Portugal.
Intervir ou não intervir? Uma falsa questão
«Ao contrário do que defendem os liberais, quando o Estado abandona as suas funções sociais e económicas tem de reforçar a sua presença na esfera privada e cívica». Daniel Oliveira. Na realidade, os liberais reconhecem, de forma mais ou menos disfarçada, este facto indiscutível. Na suas teorias e na sua prática como conselheiros políticos. A construção e expansão de uma ordem mercantil exigem um incremento do «intervencionismo» estatal em certas esferas. Por isso é que a discussão, como reconheceu um dia Hayek (o santo padroeiro da blogoesfera liberal), nunca é entre «intervir» e «não intervir», mas sim saber como deve o Estado distribuir os direitos e as obrigações entre cidadãos que ocupam diferentes posições. Além do mais, existem bons estudos que têm argumentado que sociedades com maiores desigualdades socioeconómicas requerem «investimentos improdutivos» mais significativos na manutenção de um aparato de segurança e de controlo, público e privado, do que sociedades mais igualitárias. O liberalismo intransigente é apenas um dos «caminhos para a servidão». E hoje é certamente o mais promissor.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Para ler com calma
«É cada vez mais claro que uma recessão severa nos EUA é inevitável nos próximos meses. Aqueles que avisaram, nos últimos doze meses, que uma combinação de crise imobiliária, contracção do crédito severa, instabilidade financeira, preços do petróleo elevados, com consumidores endividados e em crescentes dificuldades, [aqui devia entrar uma análise do impacto diferenciado da crise nas diversas classes sociais porque consumidores somos todos] causaria uma recessão geral foram ignorados pela projecção convencional de uma aterragem suave assente na 'resistência' dos consumidores. Mas agora aumenta a evidência de que uma recessão bastante feia é inevitável». Nouriel Roubini. A questão parece ser já a do impacto destes desenvolvimentos no resto da economia mundial. Diz-se que tudo depende da Ásia e da sua autonomia em relação aos EUA. Esta ideia irá ser testada nos próximos tempos. As notícias que chegam da China não parecem animadoras. No entanto, é preciso cautela e calma. Em tempos turbulentos, em que as notícias se sucedem, tantas vezes contraditórias, vale a pena alguma «distância». Aqui entra a teoria que nos permite ordenar o «real caótico», sugerir com rigor alguns mecanismos causais e fazer modestas «previsões de padrões gerais» ou de tendências de desenvolvimento na economia mundial. Este contributo de François Chesnais é uma ajuda neste sentido. É um trabalho ainda provisório. E filia-se na melhor tradição da economia política marxista que continua a ser, por muito que custe a algumas pessoas que confundem escolhas teóricas com modas intelectuais, um excelente quadro, entre outros, para compreender o capitalismo. Já agora uma questão de história intelectual: por que é que o ramo trotsquista do marxismo sempre produziu os melhores economistas da tradição? Será a influência de Mandel? O facto de Trotsky ter alguns contributos interessantes na área? Fica a pergunta.

Unidade na diversidade
PS. Agradeço a João Bau o envio desta referência
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Tornar a pobreza visível

A redução da pobreza infantil no Reino Unido sempre foi uma das proclamadas ambições do novo trabalhismo. Era pesada a herança de Thatcher. O Reino Unido tinha, como ainda tem hoje, das mais elevadas taxas de pobreza infantil da Europa. A tendência de ligeira redução inverteu-se no ano passado quando o número de crianças pobres aumentou em cem mil. Quando uma em cada três crianças está nesta situação sabemos que o neoliberalismo fracassou. Um estudo publicado hoje revela o fenómeno em toda a sua extensão. Escolhas trágicas como resultado da falta de recursos - refeições que se saltam, casas por aquecer. Mas ao menos aqui o fenómeno é conhecido. Os jornais falam disto. Publicam-se estudos e relatórios. O assunto faz parte da agenda política. Já em Portugal, o fenómeno permanece largamente invisível. Do ponto de vista do governo «socialista» percebe-se bem que assim seja. Seria muito embaraçoso ter de admitir que as suas políticas têm, pelo menos, perpetuado este problema. Notem que eu gostava bem de ser contrariado neste assunto. Com estudos que mostrem que estou errado. E que a pobreza infantil tem afinal diminuido nestes anos de crise. Seria a melhor demonstração de uma aposta política.
Um pseudónimo que é todo um programa
«O Chavez desagrada à esquerda portuguesa. Usa o petróleo, esse inimigo carbónico do planeta, para financiar os partidos populares da América do Sul e Centro. Usa a religião e o mito bolivariano para romantizar a sua obra social. Usa o carisma para se fazer ouvir sobre as vozes dos média e dos interesses económicos que o combatem. Dinheiro, romance e carisma são elementos ausentes na esquerda portuguesa. Mas a principal perturbante característica é que a esquerda Chavista funciona. A América está a mudar por conta dos Venezuelanos e do seu barulhento anti-imperialismo». A. Cabral no Bitoque.
Estranho país este
onde os jornalistas do mais liberal diário nacional entram em greve.

p.s. Mais estranho é o país onde acontecem coisas destas.

p.s. Mais estranho é o país onde acontecem coisas destas.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
O futuro

Uma outra UE é possível
«Perante uma visão tão negativa, seria legítimo perguntar se Miguel, BE e PCP querem a UE tal como ela existe hoje, ou se não valeria a pena pôr termo a uma criação política que corresponde tão pouco às suas aspirações. Mas o problema é que o BE e o PC só atiram de viés à Europa, sem levar a sua linha de argumentação consequentemente até ao fim». Ana Gomes. Aqui está uma forma um pouco esquemática de pensar as coisas. Ou se adere dogmaticamente à UE «tal como ela existe» ou se defende a sua extinção. Sem mais. Ana Gomes, que em matéria de relações internacionais costuma ter posições bem mais sofisticadas, certamente que percebe que é possível e desejável superar os raciocínios dicotómicos que nos impedem de pensar outras saídas bem mais interessantes. Por exemplo, como todos fazemos neste blogue, criticar as escolhas políticas que a partir dos anos oitenta trancaram a UE numa trajectória neoliberal e ao mesmo tempo considerar que a UE poderia ser já hoje, com reformas institucionais adequadas, o espaço privilegiado para pôr em prática políticas keynesianas coordenadas de relançamento económico e de regulação da finança, de harmonização fiscal e de convergência em termos de direitos sociais. Uma alternativa social-democrata robusta que rompa com o ordo-liberalismo hegemónico à escala europeia. Este programa tem feito o seu caminho na esquerda portuguesa. No BE, em alguns sectores do PS (estou a pensar nas posições de João Cravinho ou nas preocupações de Guilherme d'Oliveira Martins) e até no PCP (Carlos Carvalhas numa brilhante intervenção num recente e soporífero debate no Prós e Contras com o Cherne, Sampaio e Mota Amaral). O que é que esta posição tem de incoerente ou de inconsequente?
Inflação ou Inflações?

Uma ciência prudente

terça-feira, 13 de novembro de 2007
O futuro do socialismo depois de Hayek

É isso que faz Theodore Burczak. O resultado é um livro elegante que parte de uma crítica imanente a Hayek, integra a sua ideia do mercado como processo, repensa a teoria da exploração e usa diversos recursos teóricos (a teoria das «capacidades» de Sen e de Nussbaum, por exemplo) para defender um «socialismo hayekiano» centrado na democracia no espaço da produção e no desenvolvimento das capacidade humanas (mostrando que a justiça social não é uma «miragem»). Tenho alguns reparos a fazer a algumas escolhas metodológicas e teóricas e a um eclectismo intelectual excessivo. Acho também que aceita com demasiada facilidade a visão hayekiana, algo idealizada, do mercado. Mas há muito tempo que não lia um livro de economia política tão fascinante. Pelos vistos os meus adversários predilectos - «os austríacos» - concordam, visto que uma das suas associações científicas acaba de o considerar o livro do ano de «economia austríaca».
A propósito da recente polémica
Já que toda a gente contribui para o importante debate à volta do "por que no te callas?" real, porque não escutar o que dizem os "punks"?
"God Save the Queen", Sex Pistols, 1977.
"God Save the Queen", Sex Pistols, 1977.
Défice, Desorçamentação, Privatização
Com a economia mundial a abrandar, as previsões do Governo para o orçamento de 2008 parecem ser demasiado optimistas. Mas então, como iremos nós cumprir o desígnio nacional da redução do défice orçamental? É fácil, através da desorçamentação. Retiram-se receitas e despesas do orçamento (mais das segundas do que das primeiras) e, num passe de mágica, cumprimos os limites impostos por Bruxelas.
Aparentemente, o anunciado novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional não é mais do que um destes "passes de mágica" estatísticos. Uma empresa, concessionária de todas as estradas nacionais, irá ser criada em 2008. O Estado deixará então de arcar com as despesas de investimento e conservação das rodovias nacionais, transferindo para a nova empresa as receitas das presentes e futuras portagens. Esta receberá ainda uma renda anual pela concessão. Resultado? Redução do défice.
Não tenho qualquer problema moral com manipulações estatísticas que escondam o défice real, mas este novo modelo faz recear o pior. A criação desta empresa, por agora de capitais públicos, abre o caminho para a sua privatização a médio prazo. Uma privatização muito apetecida, já que estamos perante um sector com rendas asseguradas. Os agentes privados não arriscam, só ganham.
Para muitos isto pode parecer paranóia, mas as anunciadas parcerias público privadas indicam já este sentido e as declarações de Mário Lino estão longe de nos tranquilizar: "não há qualquer intenção de privatizar até ao final deste mandato". Para bom entendedor...
Uma nota final. Na passada semana, durante a discussão do orçamento, Sócrates respondia à interpelação de Louçã, vincando que os 92 anos de concessão eram um limite temporal e não o prazo definido pelo Governo. Seis dias depois, o ministro das obras públicas confirma a data de 2099.
Aparentemente, o anunciado novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional não é mais do que um destes "passes de mágica" estatísticos. Uma empresa, concessionária de todas as estradas nacionais, irá ser criada em 2008. O Estado deixará então de arcar com as despesas de investimento e conservação das rodovias nacionais, transferindo para a nova empresa as receitas das presentes e futuras portagens. Esta receberá ainda uma renda anual pela concessão. Resultado? Redução do défice.
Não tenho qualquer problema moral com manipulações estatísticas que escondam o défice real, mas este novo modelo faz recear o pior. A criação desta empresa, por agora de capitais públicos, abre o caminho para a sua privatização a médio prazo. Uma privatização muito apetecida, já que estamos perante um sector com rendas asseguradas. Os agentes privados não arriscam, só ganham.
Para muitos isto pode parecer paranóia, mas as anunciadas parcerias público privadas indicam já este sentido e as declarações de Mário Lino estão longe de nos tranquilizar: "não há qualquer intenção de privatizar até ao final deste mandato". Para bom entendedor...
Uma nota final. Na passada semana, durante a discussão do orçamento, Sócrates respondia à interpelação de Louçã, vincando que os 92 anos de concessão eram um limite temporal e não o prazo definido pelo Governo. Seis dias depois, o ministro das obras públicas confirma a data de 2099.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Forma e conteúdo
Mercados de alta tensão

O resultado, contrário às previsões dos fanáticos da concorrência, foi, então, o encarecimento de um dos mais «pesados» custos de produção da generalidade das empresas. A construção deste mercado resultou assim num arranjo ineficiente, penalizador da competitividade de economia, que só beneficia um punhado de empresas eléctricas retalhistas.

Entretanto, Portugal parece querer seguir, a passos largos, os erros dos outros, como indiciam as privatizações no sector (primeiro da EDP, recentemente da REN) e a criação de um mercado eléctrico ibérico que ainda ninguém viu. (Obrigado a Tiago Antão pela referência do NYT).
domingo, 11 de novembro de 2007
Será que «o dólar perdeu sex-appeal»?

Contágio



sábado, 10 de novembro de 2007
O desastre da agenda neoliberal

Um dos episódios que Naomi Klein usa para ilustrar esta tese está precisamente relacionado com o cheque-ensino. Numa das suas últimas intervenções públicas, Milton Friedman, um dos criadores desta proposta, defendeu a privatização do sistema escolar da cidade de Nova Orleães, destruída pelo Katrina. Obviamente sem qualquer consulta às populações. Os neoliberais sabem no fundo que as suas doutrinas desumanas não colhem numa opinião pública informada e moralizada. A diligência da administração Bush na promoção da privatização do sistema de ensino desta devastada cidade contrastou com a sua ineficácia no socorro às vitimas. A «engenharia social» dos neoliberais é selectiva. Nada como aproveitar os desastres para a impor.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
A universidade pública não pode ser uma empresa

Em Portugal por via do subfinanciamento deliberado. Tudo à custa da integridade do conhecimento e do seu acesso democrático. Só que em França existe um movimento estudantil digno desse nome. Combativo e organizado. Que não está disposto a deixar, sem luta, que a universidade pública se transforme numa mera empresa.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
As desigualdades fazem mal ao desenvolvimento
«Mesmo que as consequências políticas da desigualdade não sejam consideradas (...) existem muitas situações em que a eficiência e a equidade estão alinhadas. Não é por acaso que os igualitários países escandinavos ocupam os lugares cimeiros dos rankings de competitividade global. As desigualdades no acesso à terra e à educação em países pobres como a Índia reduzem fortemente o seu vasto potencial para o investimento produtivo, a inovação e o desenvolvimento dos recursos humanos. Em sociedades desiguais é muito mais difícil construir o consenso e organizar a acção colectiva para adoptar reformas com efeitos de longo prazo e para esforços cooperativos para resolver problemas».
Pranab Bardhan, um dos mais importantes economistas do desenvolvimento, com credenciais impecavelmente ortodoxas, num comentário a um artigo no Finantial Times do economista liberal Martin Wolf sobre os perigos da emergência de plutocracias nas economias em vias de desenvolvimento.
Pranab Bardhan, um dos mais importantes economistas do desenvolvimento, com credenciais impecavelmente ortodoxas, num comentário a um artigo no Finantial Times do economista liberal Martin Wolf sobre os perigos da emergência de plutocracias nas economias em vias de desenvolvimento.
Para acabar com o «Estado fiscal de classe»

Vital Moreira escreveu hoje, no Diário Económico, um excelente artigo sobre política fiscal. A radiografia crítica é certeira, e atinge algumas das orientações deste governo na área, e as propostas são elementos irrecusáveis de uma agenda de esquerda. Imposto sobre as grandes fortunas ou aumento da progressividade do IRS. A defesa do fim de todas as deduções e benefícios fiscais para despesas privadas em saúde e educação, sendo impopular junto daqueles que têm voz na imprensa, é também da mais elementar justiça fiscal. Já vai sendo tempo de acabar com os incentivos fiscais a certas escolhas realizadas pelos grupos mais privilegiados. É a esquerda que tem de acabar com aquilo que Vital Moreira chamou um dia «o Estado fiscal de classe».
Au Revoir Simone em Lisboa
Depois do fantástico concerto de ontem dos Interpol, o próximo a não perder é o destas meninas. 5 de Dezembro, no Santiago Alquimista.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
As lições de Outubro que aprendi em Novembro

De Daniel Oliveira retenho a ideia do paradoxo da revolução russa: o de ter contribuído para tornar a vida mais decente no capitalismo pelo facto de ter dado às classes subordinadas os meios para ameaçarem com alguma credibilidade o estatuto das classes possidentes, obrigando-as assim a concessões. Ainda hoje beneficiamos disso. De Miguel Portas retenho a ideia crucial de que se deve assumir toda a herança, tragédias incluídas, para que a história não se repita.
No trabalho de São José Almeida no Público gostei particularmente da ideia de Silva Melo de que o que interessa hoje «são mesmo os vencidos do comunismo». Cita os nomes de Rosa de Luxemburgo, Bukharine e Gramsci. Não se trata de descobrir puros ou uma tradição não contaminada. Todos foram actores políticos do seu tempo, perfeitamente inscritos na tradição marxista para a qual deram importantes contributos. Trata-se simplesmente de perceber como em momentos charneira apontaram caminhos e soluções alternativas que contêm pistas para a mais do que necessária reconstrução de um discurso genuinamente emancipatório.
Rosa Luxemburgo quando logo em 1918 critica os bolcheviques e defende o pluralismo político, a liberdade de organização e de expressão como elementos centrais da prática socialista sem os quais «a burocracia se torna o único elemento activo». Bukharine que pagou com a vida a contestação à marcha forçada para a industrialização através da extracção do excedente agrícola por via da colectivização total, intuindo aí as razões profundas da monstruosidade estalinista. Trotsky nos anos trinta chegaria também à conclusão convergente de que existe uma imbricação entre o pluralismo das formas de organização económica e o pluralismo político, a tese da necessária «impureza» de qualquer formação social que considero ainda hoje das mais profícuas. Gramsci quando coloca o socialismo no quadro do problema da redefinição da relação entre o Estado e a sociedade civil plural e autónoma em que esta se apropria genuinamente daquele, levando à eliminação progressiva da sua natureza coerciva. Não se trata de lutar pelo desaparecimento do Estado. Esta formulação, juntamente com a hipótese da abundância, torna as coisas demasiado fáceis e só pode conduzir a becos sem saída para quem quer construir «utopias reais». Trata-se antes de conceber o Estado como instrumento, condicionado por regras e formas de controlo genuínas (aqui o liberalismo político tem muito que ensinar ao marxismo), para a extensão da democracia a um número crescente de esferas da vida social e para garantir a todos os recursos necessários para o florescimento individual.
E depois há uma reflexão, que lentamente vai fazendo o seu caminho à esquerda, e que aponta para a ideia de que um discurso político que não incorpore uma reflexão moral adequada sobre os meios e os fins pode ficar reduzido a uma deformação utilitária. Já nos anos trinta o filósofo John Dewey, num notável debate com Trotsky, tinha detectado aí uma das mais desastrosas ausências do marxismo revolucionário. Também aqui há vencidos a recuperar. Não conheço melhor forma de lembrar os «dez dias que abalaram o mundo». «Aprender, aprender, aprender sempre».
«Revolução de Outubro» em Novembro
terça-feira, 6 de novembro de 2007
A crise que veio para ficar

Agora foi a vez do Citigroup. Robert Rubin (ex-secretário do tesouro de Clinton) é o novo chefe deste colosso financeiro em grandes dificuldades. Refira-se a título de curiosidade que este mega-banco é o resultado da irresponsável desregulamentação promovida pelos «novos democratas» no tempo em que se anunciava o fim dos ciclos económicos em capitalismo.
Keynes já havia afirmado que nas actividades financeiras «mais vale fracassar com as convenções do que ser bem sucedido contra elas». Os responsáveis por esta crise que o digam agora que estão a abrir os seus «paraquedas dourados». Os pobres que fiquem sem as suas casas e os governos que apanhem os «cacos». Já vai sendo tempo de tirar todas as ilações de duas décadas de desastres financeiros neoliberais.
A economia das bananas

segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Sem consequências?

A inconsistência e a inconsequência crónicas de Alegre, a eficiente combinação de repressão e de incentivos de Sócrates (o prato de lentilhas a que se refere, e muito bem, André Freire) e o facto das tendências no PS serem fulanizadas e «pouco consistentes do ponto de vista ideológico e sem base social» (André Freire uma vez mais) combinam-se para que a alternativa de esquerda a Sócrates só possa hoje surgir fora do PS. Isso mesmo reconhece Medeiros Ferreira quando afirma que «muito dificilmente sairá de dentro do PS o primeiro cartão amarelo a José Sócrates». E muito menos a dinâmica para um muito necessário cartão vermelho às suas politicas.
«Sou um socialista arcaico»
declara Manuel Alegre ao Público de ontem, numa excelente reportagem sobre a ausência de uma ala crítica (de esquerda) dentro do Partido Socialista. Não sei o que Alegre entende por «socialismo arcaico», mas declarações deste tipo mostram bem o papel que Alegre reservou para si próprio dentro do PS. O de consciência moral de esquerda do partido, aparentemente presa a valores do passado, que tenta (?) temperar a pretensa modernização socialista de Sócrates. A modernização inelutável, frente à qual não existe qualquer vontade de afirmar uma política alternativa de esquerda. Pelo contrário, esta arcaica posição impede qualquer reorganização da ala esquerda do partido, dividida desde as presidenciais, como muito bem sublinha aqui Medeiros Ferreira.
domingo, 4 de novembro de 2007
Sicko (II)

Sicko (I)

Como sempre distribuí panfletos e como também já escrevi alguns, valorizo quem os sabe fazer. Dizer o essencial, de uma forma simples, sem ser simplista, sem erros, com o ângulo certo, a mensagem apropriada ao momento, a palavra de ordem justa. É uma arte. Agradeço a Michael Moore por a dominar tão bem. A luta contra a hegemonia neoliberal que pretende instituir a ficção da mercadorização universal, também depende destes artistas.
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
Pensar que já foi visto como uma esperança da esquerda em Portugal...

Ficamos a saber que para SSP o que põe em causa o modelo social europeu não é a total independência do Banco Central Europeu face aos poderes democráticos, nem a prioridade total que é dada pelos tratados europeus ao controlo da inflação (e não ao crescimento económico e ao emprego) por parte desta instituição, nem as restrições (sem sustentação teórica) que são impostas à prossecussão das políticas orçamentais de cada país, nem a quase impossibilidade de estabelecer níveis mínimos de condições sociais, ambientais ou fiscais na UE (que impeçam que a actuação das «forças de mercado» erodam o que ainda resta das conquistas sociais conseguidas na Europa ao longo de décadas). Para SSP o que «verdadeiramente importa às pessoas» é a abertura da China aos produtos europeus (suponho que esteja a falar da presença de empresas financeiras, cuja actuação na economia doméstica continua - e muito bem... - a ser restringida pelo Governo Chinês) e o «desrespeito permanente pelos direitos de propriedade intelectual» (a Microsoft, por esta altura, estará felicíssima pela preocupação que SSP tem com as «pessoas»).
Tal como SSP, também eu acredito que «só a Europa integrada pode responder ao problema real da erosão crescente das soberanias nacionais, preservando a nossa capacidade de exercer o maior controlo possível sobre o nosso destino colectivo». Mas essa Europa não é seguramente aquela que os tratados da UE, os velhos e o novo, têm para nos oferecer.
O pluralismo da economia numa conferência

A Faculdade de Economia da Universidade do Porto vai acolher, a partir de hoje, a conferência anual da Associação Europeia de Economia Política Evolucionista. Trata-se de uma das maiores associações europeias de economistas académicos. E é sem dúvida o porto de abrigo de todas as heterodoxias que recusam os mitos e as «evidências» em que assenta o discurso neoliberal que ainda domina a disciplina. Heterodoxias que procuram construir uma ciência mais realista e humana. Uma ciência capaz de compreender as dinâmicas com que se cosem o capitalismo global e a suas variedades nacionais, a inovação e as suas instituições de suporte, o papel do Estado e da regulação, as trajectórias possíveis de desenvolvimento, a acção individual e colectiva enquadrada por regras e instituições económicas. Uma ciência com memória histórica que sabe as chaves para compreender o mundo de hoje podem estar no passado - Marx, Veblen, Commons, Keynes, Kalecki, Schumpeter, Minsky e tantos outros. Sobretudo aqueles economistas cuja contributo é inversamente proporcional ao seu reconhecimento pela ortodoxia de uma disciplina que é eximia em fazer «descobertas» que muitas vezes apenas repetem aquilo que já foi dito com mais profundidade por quem foi esquecido ou ostracizado. Uma ciência que recusa incursões imperialistas noutras ciências sociais porque sabe que pode melhorar a sua capacidade explicativa se procurar antes aprender com elas. Uma ciência que valoriza a metodologia porque só assim o debate científico pode ser informado. Uma ciência que valoriza o pluralismo e o debate racional e que luta contra o preconceito ignorante e as várias tentativas veladas ou assumidas de silenciamento por parte de quem olha para a economia como uma ciência natural. Quem trabalha ou trabalhou num departamento de Economia, e chegou à conclusão de que o formalismo árido da ortodoxia é um beco sem saída, sabe bem do que é que eu estou a falar. Estar na margem é uma forma de resistência. E também aqui se pode aprender com o passado.
As curvas que a UE insistir em deixar cair
Há poucos gráficos que transmitam tão bem a ideia de que a UE é uma promessa não cumprida. Este foi retirado do Relatório da Competitividade de 2007 (apresentado ontem pela confederação empresarial AIP) e dá-nos conta de como tem evoluído a taxa nominal de imposto sobre os lucros na UE desde 1995. Nos últimos 10 anos os lucros das empresas têm vindo a contribuir cada vez menos para financiar as despesas públicas, ao ritmo de 1% de redução por ano (os especialistas vão-nos alertar para o facto da taxa nominal de imposto não reflectir o que as empresas de facto pagam, já que a base de incidência de imposto pode variar muito; mas dificilmente negarão que a tendência no contributo dos lucros para as receitas de impostos tem vindo a diminuir). Isto significa que os Estados têm cada vez menos recursos para financiar as despesas públicas e/ou que têm de recorrer cada vez mais a outros tipos de impostos (que tipicamente são menos progressivos, ou seja, que fazem menos distinção entre ricos e pobres). Os resultados disto são conhecidos: os Estados vão-se demitindo das suas funções sociais e as desigualdades aumentam para níveis sem precedentes.
Acusa-se a globalização deste fenómeno. Diz-se que face aos baixos impostos cobrados às empresas noutros países não resta a cada Estado senão a opção de reduzir os impostos sobre os lucros na sua sua economia, sob a pena de dificultar a competitividade internacional das empresas domésticas e de tornar mais difícil a atracção do investimento estrangeiro.
É aqui que a UE poderia fazer a diferença: a esmagadora maioria do comércio internacional dos países da UE faz-se dentro do espaço europeu; a maior parte das vezes, quando uma empresa multinacional pondera localizar-se num país europeu, a alternativa que considera é outro país europeu - e não qualquer papão asitático. Ou seja, se os países europeus harmonizassem entre si os impostos sobre os lucros, poderiam evitar esta 'corrida para baixo' (que a pouco e pouco vai arruinando o que resta do chamado modelo social europeu) sem com isso por em causa a competitividade da economia europeia.
Mas, segundo os tratados existentes (incluindo o que acabou de ser aprovado) tal alteração só será possível com o acordo de todos os países. Basta que um governo se oponha para que tal medida não avance. E, de facto, não tem avançado. A UE e a sua estrutura institucional (que permite que os votos de um punhado de cidadão de um país-membro inviabilizem uma medida necessária para inverter as lógicas preniciosas para as quais a UE tem vindo a contribuir) continuam assim a favorecer o inverso do que eloquentemente é anunciado - a preservação de uma sociedade com elevados padrões de coesão social.
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