quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O Estado «facilitador» dos negócios sem risco

«O esvaziamento do Estado», com as privatizações, as parcerias público-privadas e as concessões, é um dos efeitos perversos dos «constrangimentos orçamentais» criados pelo PEC que assim promove a abertura de novas fronteiras para a acumulação privada de capital à custa dos activos que eram de todos e/ou com a contribuição do esforço fiscal de todos. As Estradas de Portugal são apenas mais um bizarro exemplo. O que não se compreende é que Helena Garrido venha afirmar que nestas áreas a gestão privada é mais eficiente do que a gestão pública. O argumento é muito frágil: o bom funcionamento das travessias do Tejo e das auto-estradas, por contraste com as restantes vias de comunicação, comprová-lo-ia. Em primeiro lugar, isto é comparar alhos com bugalhos. Em segundo lugar, a verdade é que se há algo que estes casos demonstram é que a «eficiência», como quer que a definamos (aliás como é que se define?), não passa por aqui. Em relação ao primeiro caso, existe evidência de que o contrato com a Lusoponte foi extremamente prejudicial para o Estado. Em relação ao segundo caso, os portugueses pagam das portagens mais caras da Europa para que o Grupo Mello possa ter, sem esforço, o negócio com a mais elevada taxa de rendibilidade do país.

A abertura destas áreas ao negócio privado reforça os incentivos para que os grandes grupos económicos se especializem no sector dos bens não-transaccionáveis, menos exposto à concorrência. As virtudes empreendedoras do sector privado não são para aqui chamadas. Trata-se apenas de ter poder e influência para negociar bons e complexos contratos, de difícil monitorização e com lucros politicamente garantidos porque o Estado acaba sempre por ter de assumir os riscos do negócio dada a importância dos equipamentos em causa. Depois é cortar ao máximo na manutenção e tentar bloquear todo o escrutínio. Além disso, cria-se uma perigosa promiscuidade entre o sector público e o sector privado, bem ilustrada pela circulação de pessoal político do bloco central dos ministérios para cargos bem remunerados nestas empresas. Não há nenhuma razão para defender que uma empresa pública não está em condições de gerir tão bem, ou até melhor, sectores deste tipo. Além disso, seria mais fácil de controlar, os lucros reverteriam para o Estado e seriam menores as oportunidades de corrosão da ética do serviço público. Quem perderia? Os políticos pouco escrupulosos, os juristas e economistas bem pagos para desenharem os contratos e os «modelos de negócio», os grandes escritórios de advogados com boas ligações e os grupos económicos rentistas. Quem ganharia? O resto do país.

5 comentários:

João Dias disse...

De facto...
Além da cansativa falácia da melhor gestão privada, não deixa de ser imperativo que aqui a prioridade é o interesse público (falamos de obras públicas). Até porque a boa gestão é muitas vezes apontada como sendo um menor gasto por parte da empresa gestora, no entanto essa "melhor gestão" não reverte a favor do cidadão que paga mais pelos mesmos serviços e ainda corre o risco de ver a qualidade diminuída devido à "gestão eficaz dos gastos". A questão é que a gestão criteriosa dos gastos por parte das empresas privadas prende-se numa lógica de aumento de margem de lucro e eventualmente até em detrimento do serviço prestado. Uma empresa privada que tenha menos despesas pede bastante mais pelos seus serviços do que uma entidade pública com mais gastos, ou seja a "boa gestão" reverte-se positivamente nos bolsos dos gestores e não na qualidade e preço pago pelo utente.

A propósito destes negócios sem risco, não deixa de ser curioso que estes ideólogos do dinheiro se intitulem de liberais e defendam o capital risco. E de certa forma até são coerentes, defendem a "liberdade" de se apropriar dos interesses estratégicos do Estado e que o "risco" seja assumido pelo mesmo (ou seja contribuintes).

Pedro Sá disse...

1. As portagens não aumentaram de preço com a privatização da Brisa.

2. De facto, a questão não é se a gestão privada é melhor ou não que a pública, que isso vai dar ao mesmo. A questão é se cabe ao Estado assumir a função X ou Y.

João Dias disse...

Pois...eu estaria a comentar a problemática de uma forma mais geral.
Mesmo assim convém lembrar que as portagens nas estradas estão, em princípio, associadas à necessidade de pagar as estradas em si, ora se temos os preços mais altos...deve-se também aos preços cobrados pela sua construção.
Quando pagamos portagens ao Estado, podemos através de políticas económicas determinar como esse dinheiro será utilizado. Quando esse mesmo dinheiro vai para uma empresa privada..."kaput".

Pedro Sá disse...

Eu lendo este último comentário até fico assustado. Por essa ordem de ideias a iniciativa privada não deveria existir.

João Dias disse...

Não se assuste, são somente tiques de perigoso esquerdista.
Eu acho bem a iniciativa privada, no entanto a cedência do governo da cobrança das portagens das estradas de Portugal a empresas privadas até me parece um processo inverso. Parece uma iniciativa pública de privatização.

Mas gosto muito de iniciativa privada, ainda hoje espero, sentado claro, que as empresas privadas reclamem contra o facto de se taxar as empresas pelos seus efectivos e não pelos seus lucros, mecanismo que penaliza claramente quem contrata e beneficia as grandes empresas com um rácio lucro/trabalhador bem maior. E pessoalmente acho que as grandes empresas são as que precisam de menos ajuda...

P.S. Espero não o ter assustado novamente.