terça-feira, 20 de novembro de 2007

A hipótese da nacionalização

O «novo trabalhismo» britânico pôde prosperar sem bloqueios políticos dos grupos sociais mais privilegiados porque aceitou e nutriu a herança liberal de uma economia onde a finança especulativa de mercado ocupa, desde os anos oitenta, um lugar de inédita e insustentável proeminência. Já conhecíamos as abissais desigualdades que a aceitação deste padrão de mercado pode gerar. Desde Setembro que conhecemos a instabilidade financeira como resultado da combinação de dinâmicas concorrenciais coercivas em tempos de euforia financeira com uma gestão bancária gananciosa e míope. De facto, o já famoso caso do Northern Rock e do colossal empréstimo que o Banco de Inglaterra teve que garantir para gerir o risco sistémico que uma falência bancária, precedida de uma corrida aos depósitos, acarretaria, poderá ter pesadas consequências políticas para o governo de Brown. Existe a percepção fundada de que o empréstimo pode nunca vir a ser reembolsado, ou seja, o erário público corre o risco de acabar a financiar especuladores dispostos a adquirir o banco apenas sob condição de grandes apoios do governo (uma versão do «socialismo para os ricos, capitalismo para os pobres»). Daí que comece a surgir uma alternativa interessante e com uma repartição aparentemente mais balanceada dos fardos entre o erário público e os proprietários: a nacionalização do banco. Ouviram bem. A palavra mais «suja» do vocabulário económico está a reentrar na discussão pública na pátria de todas as contra-reformas liberais e pelas mãos mais insuspeitas.

13 comentários:

Pablo Pichasso disse...

Parabéns pela excelencia deste blogue. Espero que pelo facto de não haver comentários em relação aos posts nele expostos um dia acabe esta minha grande fonte de informação económica. Parabéns uma vez mais e que a luta continue. Dá trabalho mas é fundamental.

Pedro Sá disse...

Independentemente do eventual mérito da medida, já cá faltava o champanhe pelo estatismo.

Pedro Sá disse...

Ah, e antes que me esqueça. A paranóia marxista pelo dinheiro é algo de perfeitamente doentio. Pior que a dos yuppies.

Só pensam em igualdade de recursos nos bolsos de cada um, e tudo se lhe deve subordinar. DASS !

L. Rodrigues disse...

Há que puxar pelo estatismo num contexto em que o fiel da balança está completamente desequilibrado...

Diria que hoje em dia nunca é demais. Não com o objectivo de tudo estatizar, diria eu, mas com o objectivo de um desejável equilibrio.

Os liberais (e afins) foram muito bem sucedidos em defender a bandeira do privado, com as consequências de que este post dá exemplo.

Tiago disse...

Nacionalização e mais intervenção do estado na economia.

Dois conceitos proibidos pela noção de politicamente correcto.

O conceito de politcamente correcto não é de "esquerda", é pura e simplesmente a castração da nossa liberdade de expressão individual e colectiva. Por vezes é usado pela esquerda (veja-se por exemplo o caso do Watson), mas não é só de esquerda.

Na economia, politicamente correcto é de direita.

Nacionalização sim, em algumas áreas.

Nacionalizar, por exemplo os grandes hospitais privados.

É preciso guerrilha cultural para tornar o termo nacionalização (e intervenção do estado da economia contra a desigualdade) aceitável outra vez.

Em última análise é uma questão de liberdade e democracia: Devemos poder discutir tudo sem medo de represálias (nas sociedades democráticas as represálias não são normalmente sobre a forma do bastão, mas por pressão económica e social).

L. Rodrigues disse...

Nacionalizar tudo o que não esteja sujeito a concorrência, por exemplo. Os chamados "monopólios naturais".

jcd disse...

"Nacionalizar tudo o que não esteja sujeito a concorrência, por exemplo. Os chamados "monopólios naturais"."

É uma excelente ideia para tornar boas empresas em monstros perdedores.

O estado está farto de demonstrar que sem concorrência é ainda pior a gerir do que com concorrência, onde para sobreviver tem que se adaptar às exigências dos mercados.

O estado não sabe gerir. Devia ser inconstitucional deixar o estado brincar às empresas.

Os monopólios naturais (se é que existem) serão muito melhor geridos se concessionados em concurso público, por prazos bem definidos.

Tiago disse...

O estado não sabe gerir. Devia ser inconstitucional deixar o estado brincar às empresas.

O grande ataque dos neoliberais é à democracia. Pôr longe das mãos dos cidadãos qualquer decisão importante:

Um banco central independente.
Uma comissão europeia com poder, um parlamento europeu esvaziado.
As leis do comércio mundial feitas em organismos "distantes" (OMC, ...)
Competição fiscal entre estados com os governos nacionais impedidos de intervir.
Já agora, tornar inconstitucional a gestão de empresas pelo estado.

O problema torna-se grave à escala europeia, pois pouco interessa que a maioria dos europeus pense uma coisa: O poder cada vez mais está na mão de uma burocracia remotamente eleita ou do grande capital que faz quase tudo o que lhe apetece.

Estamos a falar de um power shift gigantesco: Da democracia para as burocracias e para o capital.

Pedro Rodrigues disse...

Pedro Sá,

Não deves viver no mesmo mundo que todos os outros comuns mortais.

A paranóia pelo dinheiro realmente existe, mas quem actualmente o coloca no centro das relações sociais, culturais e económicas do mundo não me parece ser o marxismo (que eu saiba todas os países ocidentais assumem-se como capitalistas e toda a politica rege-se em detrimento das pessoas a favor do capital), é um facto e uma evidência.

Quanto ao estatismo, independentemente da medida o que é certo é que não reparei qualquer tipo de oposição nos mercado nos agentes financeiros,investidores, especuladores etc... bem pelo contrário.
Curioso, não!!
Todos temos opiniões mas podíamos ser um pouco mais sérios e exigentes quando fazemos algun tipo de análise.

Pedro Sá disse...

1. Quem me criticou não percebeu certamente o sentido do que disse. Que os marxistas vêem dinheiro e economia em tudo e só se preocupam em que as pessoas tenham igualdade de recursos (como se isso fosse alguma igualdade, mas enfim).

2. O caso concreto não tem nada a ver com o facto de o banco ser privado ou público. O Estado meter dinheiro num banco público dessa forma seria igualmente um enorme atentado aos bolsos dos contribuintes.

3. Nacionalizar os grandes hospitais privados não percebo para quê. Defender isso só demonstra uma ideia que o investimento privado tem que se limitar, pelo menos em certas áreas, a coisas pequenas.
Temos uma boa rede pública de hospitais, e ainda bem, e é assim que deve ser. Porque não deixar os privados ter o seu negócio nesta área também ?

4. Se os monopólios naturais são mais bem geridos pelo Estado ou via concessão, tudo depende de tudo, em bom rigor.

Tiago disse...

Nacionalizar os grandes hospitais privados não percebo para quê. Defender isso só demonstra uma ideia que o investimento privado tem que se limitar, pelo menos em certas áreas, a coisas pequenas.

Da minha parte, eu só falei nos grandes hospitais por economia de argumento (para não estar a escrever 50 páginas). Eu acho que os pequenos consultórios deviam ser altamente regulados. O meu ponto é apenas a recuperação do conceito de "nacionalização" como uma política possivel e por vezes desejável.

Mas voltando aos grandes hospitais privados, para mim o maior problema são os side-effects: por exemplo desvio de médicos para empregos mais bem pagos em serviços de exclusividade para quem pode pagar. Isto não é um argumento contra que se pague melhor. É apenas contra o facto de esses médicos deixarem de estar accessiveis ao público em geral. Pode-se perfeitamente pagar por mérito no público.

Aliás, mais do que ninguém, uma política de esquerda devia tentar remover do estado (despedir se for caso disso) quem nitidamente se "encosta".

Já bastam os média de direita (o quem em Portugal é o mesmo que dizer "quase todos") a criarem a ideia que o público é mau por frete aos seus proprietários. É preciso garantir que o estado funciona bem e é eficiente, mais do que o privado (não é dificil, aliás).

Vitor Correia disse...

Venho parar a este blogue, arrastado não sei por que ventos, e deparo com um post com 11(!) comentários, mencionando o primeiro, à cabeça, a ausência de comentários aos posts. Gaita!
Uma leitura em diagonal permite que nos apercebamos de que se trava uma furiosa discussão (nós só somos furiosos nas discussões, ai que o Generalíssimo tinha razão...) entre liberais (ou neo) e não-liberais (ou anti).
Calma, gente! Na prática, um módico de liberalismo (não do neo) é perfeitamente desejável. Mas, como sucede a tudo o que é demais, aí começa a cheirar mal...
Digo isto, um pouco contrafeito porque, ao longo da história, se vê que a sociedade portuguesa é visceralmente anti-liberal (o m q bastante conservadora...).
Que nos trará o séc XXI? Aceitam-se apostas...

Pedro Sá disse...

É como em tudo. Toda a gente vai buscar melhores condições profissionais.