quarta-feira, 2 de março de 2016

Virar a página no debate sobre trabalho e competitividade (I)


«Os custos do trabalho no conjunto da economia são uma parcela. Estes assuntos não são ciência certa, têm que ver com os valores, com a ideia de sociedade. Se temos um determinado tipo de valores, uma determinada noção de economia, é evidente que a solução de cortar, de obrigar a trabalhar mais, de ser punitivo, faz sentido. Mas não é a minha e julgo que não dá resultados. Eu não conheço estudos que demonstrem que variáveis como esta façam diferença significativa. Mas conheço realidades e até estudos em que se mostra que quando nós desvalorizamos e punimos as pessoas, isso é não só doloroso como ineficaz. Se eu tiver pessoas motivadas, com dignidade e empenhadas, elas aumentam o seu contributo.
O que aconteceu há pouco tempo? Aconteceu que sessenta e tal por cento da população votou e recusou - quer dizer, colocou em minoria - uma solução que tinha sido experimentada nos últimos quatro anos. E fez outra coisa que é muito importante em democracia: pôs-se de acordo relativamente a um conjunto de questões. Qual é o problema que temos hoje em Portugal, depois do abalo terrível nos últimos anos? O problema principal, o problema sensato, é pôr as coisas a correr bem e obter bons resultados. Sabemos que quando a questão é esta, o essencial - sabem-no há muito os velhos modelos de crescimento - são coisas imateriais, coisas que têm que ver com o resultado global, como a tal produtividade. São formas de organizar e de pôr as coisas em bom e sensato funcionamento. É disso que devemos falar.
Para essa sensatez, as questões do trabalho são muito importantes. O problema de competitividade da economia portuguesa não é um problema de trabalho. Portugal é um dos países da Europa em que mais se trabalha. E se há conceito difícil é com certeza o da competitividade. De saber como é que nós ancoramos factores que nos qualifiquem, que nos aumentem a riqueza e, no limite, que nos aumentem a felicidade. Quando os economistas quiseram explicar como é que se atinge um determinado crescimento económico, como é que se aumenta a riqueza, usaram os chamados modelos da Economia. E foram buscar as variáveis quantitativas. É de certa forma disso que estamos aqui a falar, de horas de trabalho, de dias de trabalho. Foram buscar as variáveis quantitativas do capital, das tecnologias e as do trabalho. Juntaram as duas coisas para tentar explicar o crescimento e não explicaram nada. Isto é, faltava explicar muita coisa. Essa muita coisa, que está presente no crescimento e na competitividade, são os factores imateriais. É aquilo que na verdade não é medível, que resulta do nosso empenho, das qualificações que temos, da maneira como nos organizamos, das instituições que criamos, dos consensos que estabelecemos. E essa é a grande parte da explicação, tanto do crescimento como da competitividade».

José Reis (Prós e Contras de 18 Janeiro)

Lembrei-me destas passagens no debate que o Prós e Contras dedicou recentemente à questão dos feriados, dos horários de trabalho e do emprego. É que, qual borboleta à volta de uma lâmpada, a discussão sobre a economia, o crescimento e a competitividade do país continua obcecada com o chamado «factor trabalho», secundarizando o que correspondentemente se pode designar por «factor capital» e ignorando, sobretudo, os tais «factores imateriais» de que fala José Reis, quando assinala o que seria importante começar a discutir.

Ontem mesmo, nas jornadas promovidas pela AHRESP, o «factor trabalho» esteve uma vez mais em cima da mesa, com o patronato a expressar a sua oposição relativamente a medidas do Programa do Governo em matéria de legislação laboral (para solicitar mais contratos a prazo, mais despedimentos e mais limitações no direito à greve). Como se uma das principais lições dos últimos anos, das contradições e dos limites do projecto de uma «economia do empobrecimento competitivo» para Portugal, assente nos baixos salários, na desregulação e na desqualificação do trabalho, não tivesse sido ainda apreendida.

Fez bem portanto o ministro Vieira da Silva em questionar, no mesmo evento, se «as formas atípicas de trabalho, o trabalho precário, o trabalho a termo certo ou a prestação de serviços são a resposta», sugerindo que, podendo funcionar no curto prazo, constituem uma «espécie de droga que está a minar as condições de desenvolvimento, de longo prazo, da nossa economia». Isto é, uma economia tão «viciada em contratos precários» que tem dificuldade em pensar-se a si própria, de modo mais amplo, realista e profundo, para lá do famigerado «factor trabalho».

Mas não é apenas a economia que está viciada em «precariedade». É também o próprio debate sobre o desenvolvimento económico do país que é precário e está viciado numa discussão muito redutora e distorcida. Contaminada, além disso, por várias mistificações e fraudes intelectuais, como a suposta «rigidez» do mercado de trabalho ou a ideia de que havia feriados a mais e se trabalhava pouco.

Adenda: No mesmo Prós e Contras de 18 de Janeiro, o Presidente da CIP António Saraiva faz uma revelação muito curiosa (minuto 33): a eliminação de feriados constituiu uma contrapartida pela não-redução da TSU (e não a resposta à necessidade de trabalhar mais para crescer ou à existência de demasiados feriados em Portugal).

18 comentários:

Unabomber disse...

Sobre a produtividade penso que muita gente se esquece que:
A produtividade de um operário a abrir uma vala com uma retroescavadora é geralmente muito superior à de quem o faça com uma picareta.
Assim como a produtividade de um cirurgião é geralmente muito superior ao de uma empregada doméstica.
Por isso, os factores imateriais podem ser importantes para a produtividade, mas parece-me que a tecnologia (capital) utilizada na produção e a qualificação da mão de obra são muito mais importantes que os factores imateriais.

Unabomber disse...

A tecnologia utilizada na produção e a qualificação da mão de obra, são muito mais importantes na produtividade que os factores imateriais referidos pelo prof.José Reis

José M. Sousa disse...

Unabomber experimente colocar toda essa tecnologia numa região ou país sem as instituições adequadas e verá, muito provavelmente, que não produzirão muito.

Unabomber disse...

Caro José M.Sousa:
Há muitos factores que contribuem para a produtividade, entre os quais estão os factores imateriais e as instituições adequadas.
Mas, julgo que a qualificação e tecnologia são mais importantes que as instituições adequadas.
Repare num país com muito analfabetismo, com mão de obra pouco qualificada, é muito dificil criarem-se instituições adequadas.
Mais, existem fábricas de empresas multinacionais situados em paises fracas institições e que têm elevada produtividade.

Anónimo disse...

Desprezar a componente humana do trabalho é típico deste tipo de sociedades.
Ora o Capital está apenas interessado no lucro.
Daí que deslocar o debate exclusivamente para os "custos do trabalho" é não só uma maneira de distorcer a realidade como um modo de perpetuar a presente situação. E há que optar de facto por outros trilhos que não os enformados e deformados pelo discurso dominante

Quanto à informação sobre o que disse António Saraiva estou de acordo que ela é muito curiosa.Ela é o espelho também da desonestidade de Passos Coelho, da sua forma de fazer política e das negociatas por baixo da mesa que se fazem com os patrões deste quilate. Uma autêntica vergonha.

Anónimo disse...

E os lucros das empresas multinacioanis também serão "fracos"?
Então porque motivo nos havemos de render ao discurso dos "custos de trabalho" e sujeitar-mo-nos à condição da venda do trabalho ao custo da uva mijona?

Elevada produtividade terá o trabalho escravo. Não lutar por mudar este tipo de coisas pode levar a pensar que é ou de quem tem mente de escravo ou de esclavagista

Unabomber disse...

Caro anónimo das 16:50
Para não termos de nos sujeitar "à condição de venda do trabalho ao custo da uva mijona" é indispensável que os nossos recursos humanos sejam fortemente qualificados, e que existam investimentos em tecnologia avançada.

Jose disse...

Mais uma de treta do treteiro Reis.
É tudo muito imaterial até que o que se produz chega ao mercado; o que aí se obtém é o quanto se pode ambicionar; e é só!

Anónimo disse...

Qual carapuça.
Os nossos recursos qualificados são forçados a emigrar ou são convidados a fazê-lo. Temos um governador do BdP a receber mais do que a maior parte dos seus congéneres e há quem diga que tal deriva da forte qualificação do senhor em causa. Temos uma ex-ministra das finanças que vai para onde vai como outro exemplo da qualificação do nosso tecido dito empresarial. E também temos que o trabalho já não evita a condição de pobreza. Não arranjar alternativas para estas situações é simplesmente ser cúmplice deste status quo. O factor trabalho não pode ser sistematicamente prejudicado face ao factor capital.

Fica para depois a abordagem das condições em que se desenrola este nosso modelo de "desenvolvimento humano"

Original disse...

Enquanto se pensar em competitividade em vez de se pensar em cooperaçao, nao vamos a lado nenhum.
Nao faz qualquer sentido que para que uma empresa, uma equipa ou mesmo um individuo ou um país possa ganhar tenha que haver quem perca, e no geral uma grande quantidade de perdedores.

Rockefeller disse: A competiçao é um pecado. Fundou a Standard Oil e começou a comprar a concorrência. Pos todos a coopera e criou um gigante ao qual decidiram chamar monopólio. A Standard Oil tornou-se tao poderosa que o governo americano teve que a desmantelar e proibir o monopolio. Nao estou a discutir se o monopólio é bom ou nao. Estou a mostrar como a cooperaçao faz crescer.

Nesta altura do campeonato há que mudar tudo.
Primeiro há que compreender que o conceito de emprego nasceu com a manufactura e acabou com o fim da Era Industrial. Governo que prometa criar emprego, tal como o conhecíamos 14 meses de vencimento 11 meses de trabalho e reforma "garantida" e que acabou, candidato a governo que prometa criar isto, está a mentir.

Depois há que compreender que o que está a dar desde que o Emprego acabou sao as pequenas empresas individuais (Trabalhadores a Recibos-Verdes, Free-lancers, Empresários em Nome Individual, Empreendedores, o que quiserem chamar-lhes); há que compreender que é necessário criar uma mentalidade de empresário (pessoa gestora do seu tempo, do seu capital e do seu saber, e investidora). Isto nao se aprende da noite pró dia. Geraçao após geraçao foi construída uma mentalidade de empregado e por isso a OCDE disse em 1986, creio) que 90% dos negócios recém-iniciados ia à falência entre o 2° e o 5° ano de actividade devido precisamente a esta mentalidade de empregado que tendo sido despedido com a massa procurava criar o seu posto de trabalho.

A Educaçao, ou melhor, o Ensino, devia ter uma palavra importante a dizer sobre a transformaçao desta mentalidade de modo a que cada vez menos empresários fossem à falência e se pudessem posicionar "competitivamente". Mas o Ensino continua a formar (des)empregados e os psicólogos dos Centros de Emprego, erroneamente assim chamados já que o que há hoje sao jobs, nao conseguem pôr a malta a trabalhar, nao importa quantos testes psico-técnicos façam.

Ou mudamos a Educaçao seguindo o exemplo de Singapura que está a formar empresários desde a primária usando jogos e pequenos problemas sobre Investimento, Risco, Gestao do Tempo, etc. e a coisa vai-se tornando mais complexa à medida que os alunos vao progredindo no Ensino, ou continuaremos a bater na mesma tecla indefinidamente. No fim do processo de Educaçao/Formaçao estes chineses de Singapura tanto poderao empregar-se, e serao empregados com visao empresarial dando um contributo muito mais valioso para a empresa do que se fossem um simples empregado, ou podem tornar-se empresários nao incorrendo no risco de falirem.

Nós continuamos a tentar manter vivo um sistema caduco e que já demonstrou que nao dá.
Discutam lá o que quiserem que isso nao vai resolver nem o desemprego nem a produtividade nem a precaridade do emprego. Vai acabar com tudo.

Em 2011 escrevi na página da Logicracia para Portugal, no facebook, o seguinte:
"Os salários baixos sao uma armadilha para as próprias empresas. Se as pessoas nao puderem comprar aquilo que produzem, a quem é que as empresas vao vender?" E agora acrescento: vao vender a quem está desempregado?
Hoje (03.03.2016), o www.público.pt dá a notícia de que a Caritas Europa disse exactamente a mesma coisa.

Criando uma mentalidade diferente desde a infância, uma mentalidade de cooperaçao, o problema do estímulo nao-material fica automaticamente resolvido porque a cooperaçao é nao só o esforço partilhado, é também a partilha dos resultados, o respeito, o reconhecimento.

Anónimo disse...

A maioria dos nossos empresários pensa que única forma de manter a sua competitividade, é baixando preços e desvalorizando a força de trabalho. O capital material é sem dúvida importante, mas ainda assim a meu ver é preferível ter pessoas capazes e motivadas do que uma tecnologia XPTO.

Unabomber disse...

Para a "carapuça" do anónimo das 00:02
Um trabalhador com a 4ªclasse geralmente consegue ser bom profissional/empresário em sectores de baixa tecnologia (por exemplo: restauração, construção, pequeno comércio, ind. textil, ind. calçado, etc), mas dificilmente o consegue ser em sectores alta tecnologia (por exemplo: aeronáutica, robótica, informática, electrónica, biotecnologia, etc).
E, por isso, as economias dos países com recursos humanos com baixa qualificação (caso de PortugaL) são geralmente fortes nos sectores de baixa tecnologia.
Já as economias dos países mais avançados (com melhores RH) são geralmente fortes nos sectores de alta tecnologia.

Para o Filipe Pereira:
Há 60 atrás tinhámos dos melhores trabalhadores no sector agrícola (trabalhavam de sol a sol, não tinham férias, eram "muito explorados").
No entanto, a produtividade dos mesmos era muito inferior aos dos agricultores do norte da europa (porquê?): enquanto estes ultimos utilizavam tratores e restante maquinaria agrícola, muitos dos nossos agricultores apenas utilizavam foices,
enxadas, arados e afins.
Por isso, a tecnologia xpto também é muito importante.

Anónimo disse...

Para o Unamomber:
Não vale a pena respostas ao lado, do género da mais valia de bons e qualificados recursos humanos. Basta voltar a ler o que se disse para compreender que esse não é o cerne da questão

Portanto vamos repetir:
"Os nossos recursos qualificados são forçados a emigrar ou são convidados a fazê-lo.
Temos que o trabalho já não evita a condição de pobreza. Não arranjar alternativas para estas situações é simplesmente ser cúmplice deste status quo. O factor trabalho não pode ser sistematicamente prejudicado face ao factor capital."
E mais:
"A maioria dos nossos empresários pensa que única forma de manter a sua competitividade, é baixando preços e desvalorizando a força de trabalho"

O resto são lapalissadas que ocultam o que está em causa.
E mais uma vez fica para depois este "modelo de desenvolvimento humano"

José M. Sousa disse...

Unabomber, não sei de que países está a falar, nem de que produtividades, mas "recursos humanos sejam fortemente qualificados" e "tecnologias avançadas" sem instituições fortes que formem esse recursos humanos e integrem essas tecnologias, desconfio que funcione.

Anónimo disse...

E paralelamente a este debate sobre o trabalho e os seus custos, paralelamente a esta discussão sobre a rapina sistemática da mão-de-obra alheia é imperioso termos que falar
http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2016/03/temos-de-falar.html

Anónimo disse...

" o que se produz chega ao mercado; o que aí se obtém é o quanto se pode ambicionar"

Mais outro paupérrimo soundbite, com a acrimónia dum despeitado pelo governo constitucional. Que acumula simultaneamente com o amor pelo lucro, nada mais do que o lucro, somente o lucro e tudo pelo lucro (o lucro uberalles do género)

Unabomber disse...

Mais umas lapalissadas para o anónimo das 15:55

Alguns "dos nossos recursos qualificados são forçados a emigrar" porque, fruto do atraso de há várias gerações (não é de agora) nos dominios da qualificação dos R.H. e da tecnologia, a nossa economia especializou-se na produção de produtos de baixo valor acrescentado.
E, devido a isto, e devido (nos ultimos anos) à crise financeira internacional, não consegue gerar empregos para uma parte significativa da população - tal como não consegue gerar rendimentos condignos à maioria do trabalho e do investimento.

Contrariamente ao que muitos pensam, por melhores instituições e governantes que tivermos (quer sejam de esquerda, ou de direita) não é possível melhorar significativamente "isto" a curto/médio prazo.

Anónimo disse...

Como?
Fruto do atraso de várias gerações patati-patata?
Isso não são lapalissadas.São disparates com uma marca ideológica inesperada

Quando Passos Coelho convida professores a emigrar sabe o que faz. Obedece a uma lógica de atirar o desemprego para debaixo do tapete, confessa que se está nas tintas para as pessoas e assume para Portugal o lugar de periferia,fornecedor de mão-de-obra barata para os potentados económicos.

A emigração, para além dos professores, de outros recursos qualificados vive paredes meias com o nosso desenvolvimento económico e com o nosso modelo social.
Ora a conversa a fazer-se passar por lapalissada esbarra logo aí.O modelo de desenvolvimento optado foi a venda do país e a derrocada do nosso aparelho produtivo.
A dita "especialização" em produtos de "baixo valor acrescentado" (também há aqui pano para mangas,mas adiante) foi fruto duma política premeditada e irresponsável (para o nosso país). E tem responsáveis
A tentativa ( mesmo que involuntária) de deitar água benta a políticas concretas e a políticas criminosas não passa mais uma vez. O referido Unabomber que saia da sua zona de conforto e que vá ver as datas dos picos migratórios. O paleio sobre as inevitabilidades a que estamos sujeitos e a desculpabilização dos governantes é isso mesmo:paleio. É ver a promiscuidade entre o poder económico e o poder político para ficarmos a saber que a estória está mal contada. É ver a corrupção endémica às sociedades que vivem exclusivamente do lucro e para o lucro para sabermos que as "coisas" vão muito para lá do verniz superficial dos noticiários medíocres e fidelizados.
Porque paralelamente a este desenrolar de "somos uns coitadinhos assiste-se a outra coisa. E a coisa a que se assiste é a concentração do Capital paredes meias com o aumento da riqueza para uns tantos. O Capital está a ganhar em todas as frentes e só alguém muito distraído o pode negar.
E é isto que aqui se denuncia. E que se procura modificar Porque esta sociedade não presta mesmo e assim não vamos a lado nenhum.Perdão, quem trabalha não vai a lado nenhum.