quinta-feira, 10 de julho de 2014

Confiscos há muitos


Previsivelmente, Vital Moreira acha que a reestruturação da dívida por iniciativa do país é “indefensável”. Este é um dos casos em que o indefensável se tornará inevitável. Coerentemente, Vital Moreira alinha com a ideia, promovida pela OCDE, de que o melhor é continuar a transferir rendimentos do trabalho para o capital, através de alterações na TSU ou de outras formas encapotadas, agora preferidas pelo governo, à boleia da ideia fraudulenta de que assim se criam postos de trabalho. O “confisco”, só denunciado quando se trata dos grupos possidentes, é para ficar confinado ao trabalho neste quadro intelectual e institucional.

De resto, a OCDE não passa de uma claque bem paga que grita pela neoliberalização sem fim, com fretes e falácias muito bem desmontados pelo Alexandre Abreu, servindo também para que economistas e ex-governantes possam ter acesso ao conforto e segurança da civilização parisiense, o que facilita a distância para se prescrever a exposição das classes populares a uma disciplina capitalista cada vez mais intensa. Apesar disso, a própria OCDE há muito que reconheceu, em geral, que as dinâmicas de criação e destruição de emprego têm pouco ou nada a ver directamente com a regulação das relações laborais. No entanto, e tal como o FMI faz noutras áreas, incluindo a das desigualdades, continua a recomendar o mesmo de sempre, em particular. Eu diria, e nisto estou acompanhado por cada vez mais economistas, que financeirização e suas crises, aumento das desigualdades, gerado, entre outras, pela alteração regressiva das leis laborais e fiscais, e austeridade imposta por sistemas cambiais rígidos explicam quase toda a destruição de emprego. São os efeitos da tal disciplina. Estes sentem-se na procura, claro.

Quanto à questão da detalhada e útil proposta de reestruturação, diria só o seguinte: tem a imensa vantagem de tornar cada vez mais claras a urgência e as implicações de uma reestruturação liderada pelos países devedores. Libertar o país do fardo de uma dívida externa gerada por uma integração monetária e financeira disfuncional implica um processo negocial duro. A jusante, implica o controlo público do sistema financeiro, uma necessidade de qualquer forma, o Espírito Santo aí está, incluindo controlos de capitais para atenuar as hipóteses de fugas desestabilizadoras, escolha alinhada com as melhores práticas passadas, presentes e futuras e que não pode ser ignorada. Finalmente, implica que se encare, o que não é partilhado por todos os autores do estudo, a saída do euro e a revisão das relações com a UE, quer como necessidade de desenvolvimento, quer como decorrência do processo de reestruturação e das suas consequências (em especial a reacção do BCE, recusando a cedência de liquidez à banca nacional a partir de certa altura, aspecto que não pode ser evitado com referências à ideia de que a banca poderia passar sem um banco central).

Aconteça o que acontecer a jusante de uma reestruturação que continua a ser um dos centros da unidade intelectual e política possível entre sectores muito diversos, a alternativa a este processo político de recuperação da margem de manobra nacional, sem a qual não há soberania democrática, é clara e consiste na continuação do “confisco” do país pelas fracções dominantes do capital nacional e internacional. Vital Moreira escolheu ocupar hoje o desolador espaço ideológico que legitima implícita ou explicitamente este processo, usando a “retórica da reacção”, a da “perversidade, futilidade e risco”…

8 comentários:

Anónimo disse...

Vital Moreira não percebeu ainda que não é uma questão de escolha. A escolha foi feita em 2011, foi mal feita, pessimamente efectuada e as consequencias far-se-ão sentir em breve com uma reestruturação semi-forçada que se tornará inevitável.
Pelo simples facto de que o povo, já não tem mais para dar, por maior que seja a canga que lhe ponham em cima.Nunca chegará. Este país está seco, e morto. RIP Portugal.

Jose disse...

«uma dívida externa gerada por uma integração monetária e financeira disfuncional»
Gostei!
O erro e a demagogia equiparada a uma qualquer maleita ou disfunção!

João disse...

O Vital Moreira está a fazer alheiras de Mirandela a sarapatel de Cabeço de Vide.É o que lhe cumpre enquanto Cristão Novo. As suas opiniões têm pois que ser assim contextualizadas.

Anónimo disse...

Mais uma vez:
Chapeau

De

Anónimo disse...

A demagogia vive paredes meias com o simplismno ou melhor, com a apresentação simplista das coisas.

A dívida externa não foi só produto do erro e da demagogia como alguém nos quer fazer crer,Nem a integração monetária é uma qualquer maleita ou disfunção.
As coisas são bem mais complexas ( e sinistras). Como quase que quotidianamente se tem visto por aqui ( e por outros lados).
Daí que a "qualquer" maleita diagnosticada faz lembrar outra coisa.Uma brincadeira para distrair o pagode ou outra coisa um pouco mais "disfuncional"

De

Anónimo disse...

Bem, tudo indica que o autor tem razão em muito do que diz. nomeadamente na impossibilidade de a econma não gerar meios que permitam satisfazer o dito "serviço da dívida", portanto propõe, ele e outros, a renegociação/reestruturação" Aqui há logo um problema: se há renegociação está implícito haver "outra parte". No caso da "reestruturação" já tem mais explícita a ideia de unuilateralidade (guerra!).
De qualquer modo, todos eles se esquecem de dizer aos portugueses como é no dia seguinte Por exemplo já se lembraram que os pópós iriam, quase todos, estacionar prolongadamente e como pagariam os carregamentos de trigo(import. 95% este ano!), este tipo de coisas não interessam , por isso são tão demagogos como o são os do "custe o que custar". Ou estão convencidos que os banqueiros internacionais vão ficar a tremer?
Rezemos à Srª de Fátima!

Anónimo disse...

A Islândia disse não 2 x por referendo e não foi por isso que foi invadida pelo Reino Unido e Holanda. Fizeram o seu percurso como + ou - dificuldade, estão e mcrescimento e que se saiba não lhes falta "trigo"

Anónimo disse...

Aconselha-se o anónimo, que acha que é a rezar que as coisas se fazem, que procure ler alguns dos muitos artigos que aqui ( ou noutros locais ) abordam as questões aqui colocadas.
Basta uma simples pesquisa. Acredito sinceramente que a honestidade e a lisura de procedimentos, a postura cívica e intelectual de quem contesta esta via de sentido aparentemente único acabará por abrir os olhos a muita gente.
Sem que daqui se infira qualquer sentido em menorizar o referido anónimo

De