terça-feira, 17 de junho de 2008

Dos baixos salários num país desigual

«Nunca houve tanta gente a ter um segundo trabalho». Manuel Esteves no DN. O sobrendividamento e os esforços políticos em curso para comprimir salários que já são muito baixos garantem o alastramento destas estratégias de sobrevivência. O regresso forçado ao campo ou ao biscate. Trabalhar cada vez mais para manter um nível de vida baixo ou para «gerir» a sua deterioração. Viver no fio da navalha e estar exposto a escolhas trágicas permanentes. É sempre assim em países demasiado desiguais e onde é grande o peso dos trabalhadores pobres. Diz-se que os valores da família estão em crise e que as crianças estão muito desamparadas. Pois é. A utopia do capitalismo sem fim, que odeia tempos mortos, nunca pára à porta de casa. De algumas casas.

Nota. Este livro sobre o declínio do tempo de lazer entre os trabalhadores norte-americanos poderia inspirar análises semelhantes para Portugal. Talvez não por acaso, Juliet Schor também escreveu um livro sobre o sobrendividamento e o sobreconsumo nos EUA. Descontando as diferenças óbvias, há padrões que parecem repetir-se dos dois lados do Atlântico.

13 comentários:

L. Rodrigues disse...

Ainda me lembro do Alvin Tofler prometer a 3ª vaga... os computadores e as fábricas robotizadas iam libertar-nos para criar.
Grande fraude.

F. Penim Redondo disse...

Será desta que vamos ver confirmada a polémica tese da pauperização ?

A revolta nesse caso deve alastrar e é necessário que alguém diga que caminho vamos tomar.

Talvez o João Rodrigues, para além de coleccionar os muitos defeitos do capitalismo, esteja em condições de liderar a revolução.

Fora de brincadeiras, não vale de nada fazer denúncias sucessivas sem esboçar minimamente a forma de superar a exploração. Até pode ser prejudicial pois, a partir de um certo ponto, as pessoas desligam.

Por favor não me responda que o capitalismo tem que ser "regulado"...

Anónimo disse...

Sugiro sobre o mesmo tema o livro "Salário de pobreza" de Barbara Ehrenreich. É da Caminho e mostra bem como os rendimentos do trabalho são muitas vezes insuficientes para uma vida digna.

Anónimo disse...

Afinal o desenvolvimento tecnológico não libertou ninguém, nem está a ser bem aproveitado. Também por isto: à medida que engrossam as fileiras de desempregados, àqueles que empregos têm, querem impingir-lhes mais horas de trabalho (quando não é num único local, é em dois ou três). Uns com todo o tempo do mundo, outros sem tempo nenhum…
Crise da sociedade do trabalho, crise ecológica, que globalização esta! É por aí que a Europa vai?

João Dias disse...

O capitalismo não tem que ser regulado, tem que morrer, uma das premissas do capitalismo é que a mão-de-obra está sujeita à lei da oferta e da procura, ou seja a mão-de-obra tem estatuto de mercadoria.

A tecnologia é uma mais valia para os consumidores, mas não o está a ser no mercado de trabalho (os consumidores também são trabalhadores) porque está a usar a evolução tecnológica dos meios de produção para criar quadros mais pequenos de pessoas mais bem qualificadas e mais bem pagas. É claro que a dimensão desses quadros compensa o aumento salarial, logo mais facturação para quem contrata. Mas até os quadros qualificados tem de se preocupar, porque nem para esses o futuro está brilhante.

Não haja dúvidas, a evolução tecnológica tem de sair da lógica de mercado, temos de repensar estratégias e pôr a tecnologia ao serviço do pleno emprego e de cargas horárias leves. Isso consegue-se com medidas simples, mas que requerem vontade:

- Criar segurança laboral nas empresas, inverter o paradigma da flexibilização, garantir que todo e qualquer despedimento se deve a manifesta incompetência

- Trazer a tecnologia para o Estado, este deve entrar no campo de sectores produtivos e servir de exemplo, mantendo a solidez salarial, aumentando as soluções tecnológicas e consequentemente diminuir a carga horária

- Criar taxação pesada para empresas que tenham um rácio lucro/trabalhador elevado

...resumindo, a antítese da actualidade.

F. Penim Redondo disse...

Caro João Dias,

está a ser contraditório.

Por um lado diz que "o capitalismo não tem que ser regulado, tem que morrer" e por outro propôe a "segurança laboral nas empresas".

Não há fim do capitalismo sem o fim do assalariamento e das empresas que dele vivem.

Com a tecnologia disponível há que saltar para novas formas de organização da produção e da distribuição.

Isso não se conseguem exigindo ao patronato que continue a explorar-nos, com "segurança laboral".

João Dias disse...

Caro F. Penim Redondo:

Peço desculpa, mas isso é completamente falso. Aliás nem é sério para o debate fazer crer que estruturas de produção como as empresas não se possam desenvolver em regimes que não o capitalista, isso é condicionar as opções democráticas à partida.

Diga-me lá porque é que o assalariamento tem de estar baseado no regime capitalista? Os funcionários do Estado também são assalariados, e há Estados governados por verdadeiros/as sociais democratas.

Deve pensar que as empresas só o são quando têm um dono capitalista, quando não são públicas ou quando se regem pela exploração da mão-de-obra?

Isso é redondamente falso. Nem é preciso regular o capitalismo, é preciso é que o Estado deixe de o comparticipar, porque sem a ajuda do mesmo não ia muito longe. Porque o maior aliado do capitalismo tem sido o Estado que além de subsidiar com dinheiro público os "negócios rentistas" tem denegrido as condições dos seus dependentes, criando assim o clima perfeito para que o capitalismo seja uma realidade até nas entidades públicas.

P.S. Sabia que, por exemplo, quando um formador se propõe para estas formações "novas oportunidades" e houver mais que uma proposta, o Estado escolhe a proposta mais barata? E sabe que isso acontece porque as pessoas que se propõe como prestadores de serviços independentes, não o são na realidade, só que o Estado só as aceita nessa condição?

F. Penim Redondo disse...

Caro João Dias,

não sei que definição usa do capitalismo.

Segundo Marx, que considero quem melhor o analisou, o assalariamento (ou seja, o trabalho medido pela duração e pago com um salário) é a relação de produção e de exploração predominante, própria do capitalismo.
Quando o Estado utiliza uma "espécie de assalariamento", por exemplo nos ministérios e empresas públicas, fá-lo por imitação.
A experiência da URSS mostra onde pode conduzir a pretensão de criar um novo modo de produção mantendo as relações de produção arcaicas e sem um grande salto tecnológico e de produtividade.

O João debate-se com uma contradição comum nos tempos actuais; toda a justiça se espera do Estado e, ao mesmo tempo, constata-se que o Estado favorece claramente algumas classes.
Mas já Marx dizia que não pode deixar de ser assim. Numa sociedade de classes o Estado existe para assegurar a exploração de umas pelas outras. O Estado é um símbolo e garante da continuação das desigualdades.

João Dias disse...

Caro F. Penim Redondo:

Acho que não me fiz entender, mas repito, o facto de o salário ter surgido com a industrialização/capitalismo não significa que seja indissociável do mesmo. Faz muito bem em relembrar Marx, mas repare que se essa relação é própria do capitalismo não significa que seja exclusiva, dai ser falso e abusivo dizer que os salários só existem no capitalismo e enquanto este for "vivo".
Aliás o capitalismo caminha a passos largos para relações não assalariadas, o capitalismo financeiro, o dinheiro pelo dinheiro, cada vez ocupa uma maior percentagem nas transacções. Por essa lógica de razão, o próprio capitalismo financeiro estaria a acabar com o capitalismo porque não se desenvolve na base de relações assalariadas.

O Estado não utiliza "uma espécie de assalariamento", o Estado tem contractos de trabalho em regime de assalariado, não é uma espécie de, é mesmo uma relação de empregador-assalariado.

"...uma contradição comum nos tempos actuais; toda a justiça se espera do Estado e, ao mesmo tempo, constata-se que o Estado favorece claramente algumas classes."

Não é contradição nenhuma, não imaginava que fosse preciso dizer isto, mas eu defendo o Estado por uma razão lógica e objectiva...é que o Estado é constituído por órgãos democraticamente eleitos. Portanto, se elegemos para gerir o Estado indivíduos da estirpe do actual a culpa é nossa (embora eu não vote nesta estirpe). Mas também se quisermos mudar a estirpe podemos fazê-lo, portanto, enquanto houver democracia podemos sempre projectar um mundo mais justo, agora temos é de fazer a nossa parte, eu só quero que possamos continuar a fazer parte desse processo. Por se fizermos parte do processo, será sempre possível a sociedade civil salvaguardar os seus interesses, mesmo que não faça, terá sempre essa possibilidade.

F. Penim Redondo disse...

Coitado do Karl Marx, cansou-se a explicar que a exploração assumia várias formas ao longo da história mas o João não se conforma.
Se o mundo for de novo retalhado em feudos, ou regressar à produção baseada nos escravos, o João vai continuar a dizer que também isso é capitalismo.

Desisto, para o João capitalismo é quando um homem quiser. Como o Natal.

João Dias disse...

Esgotou-se o stock de argumentos?

Acha que o que eu identifico como capitalismo financeiro não é capitalismo?

Acha que o Estado, ao seleccionar as propostas de formadores baseadas no preço mais baixo não se está a basear na premissa capitalista de que a mão-de-obra está sujeita às regras da oferta e da procura?

Se quiser voltar aos argumentos é de bom grado, se quiser comparar os meus argumentos a uma perspectiva natalícia também não me importo, afinal de contas, cada um dá o que quer...e o que pode. (lá está a perspectiva natalícia outra vez, dar...receber)

F. Penim Redondo disse...

Caro João Dias,

vou ser mais claro, eu realmente defendo que o capitalismo está a transformar-se noutra coisa a que chamo digitalismo.

Escrevi um livro sobre isso em 2003 "Do Capitalismo para o DigitalismO".

Se quiser saber mais sobre essas teses vá a:
http://www.dotecome.com/politica/Textos/FR-manifesto.htm

João Dias disse...

Acredite que o "digitalismo" não me é nada estranho, agora eu discordo que haja uma transformação, na minha visão (tenho direito a ela e de a justificar), coexistem e alimentam-se. Eu acho que se mantêm os postulados capitalistas, com o agravante da tecnologia estar ao serviço dos mesmos e não de uma sociedade com pleno e emprego. A tecnologia, o mundo digital não é um problema, nem tão pouco um mal, está é a ser muito mal empregue.

Repare que eu já tinha dito mais atrás que "A tecnologia é uma mais valia para os consumidores, mas não o está a ser no mercado de trabalho (os consumidores também são trabalhadores) porque está a usar a evolução tecnológica dos meios de produção para criar quadros mais pequenos de pessoas mais bem qualificadas e mais bem pagas. É claro que a dimensão desses quadros compensa o aumento salarial, logo mais facturação para quem contrata."

" 2. A representação digital da informação recorre a um código que sendo de difícil manuseamento pelos humanos pressupõe a intermediação de autómatos que, já hoje, têm capacidade para captar e depois reproduzir textos, imagens e sons numa lógica bi-direccional. O trabalho humano perde importância no que concerne à criação de réplicas da informação.
"


Concordo, mas convém salientar que se, por um lado, o trabalho humano na réplica de informação perde alguma importância, o trabalho humano intelectual ganha uma força astronómica, como tal, a tecnologia também ela requer recursos humanos, só que numa abordagem diferente.
Agora repare, um mundo digitalizado requer recursos humanos cada vez mais qualificados, é aí que as políticas públicas tem de intervir e fomentar o ensino...
Ora, se desinveste no ensino e se investe num mundo digitalizado, não pode dar coisa boa. E mesmo quem domina os processos tecnológicos já sofre os males da precariedade, portanto, mantenho a convicção de que o digitalismo explica parte dos problemas, e o capitalismo outra parte muito maior porque usou as tecnologias ao serviço da acumulação excessiva de capitais.