quarta-feira, 24 de setembro de 2025
Isto parece não estar a resultar, pois não?
Soubemos há dias, pelo INE, que preço das casas em Portugal bateu um novo recorde no 2º trimestre de 2025, atingindo a maior variação homóloga desde que há registos (17,2%). No mesmo sentido, soubemos hoje, de acordo com os dados da Confidencial Imobiliário citados pelo Diário de Notícias, que «os preços das casas em Portugal Continental subiram 21,6% em agosto face a igual período do ano passado», numa «variação que se materializa no maior aumento homólogo em quase 40 anos». Não há quaisquer sinais, portanto, de que o desafio central colocado pela atual crise de habitação - a descida dos preços - esteja a ser enfrentado e superado. Pelo contrário.
Persistindo na ideia de que a crise resulta de uma mera falta de casas (que continua a ser hegemónica no espaço público de notícias e comentário), bastando construir mais e deixar o mercado funcionar, o governo faria bem em cessar a imparável cascata de anúncio de programas e medidas, que só servem para criar ilusões, e reconhecer que, além de estar a agravar o problema com os incentivos à procura (o ritmo de aumento dos preços acelerou desde que a direita regressou ao poder), a receita de simplesmente construir mais não está, como é evidente, a funcionar.
De facto, depois do período em que a construção desacelerou, até 2015 (apenas cerca de 7 mil fogos foram concluídos nesse ano) - o setor foi recuperando paulatinamente desde então, atingindo-se em 2024 um valor de cerca de 25 mil fogos concluídos. Mais do triplo, portanto, face a 2015. E mesmo quando se ponderam estes valores pela população residente (anulando assim o eventual efeito demográfico), a tendência mantém-se: dos cerca de 17 mil alojamentos construídos por 100 mil habitantes em 2015, passa-se para um valor de cerca de 60 mil em 2024. Sem que, como se vê, o aumento da oferta esteja a traduzir-se numa descida dos preços.
O problema é que enquanto continuarmos a ignorar o efeito das novas procuras especulativas (interna e externa, a par do turismo) - com elevada capacidade aquisitiva, que encaram o imobiliário como investimento e que são potencialmente inesgotáveis -, continuando, por isso, a pensar em termos convencionais (famílias residentes que procuram casa para viver e oferta de alojamentos destinada a esse fim), a crise não se resolverá tão cedo. Ou seja, sem a adoção de medidas de regulação das procuras especulativas, dificilmente os preços começarão a descer.
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6 comentários:
Duvido que seja só especulação. Há dias pus-me a comparar no Idealista o preço das casas em vária zonas do país de 2015 para cá: Lisboa, Setúbal, Aveiro, Amadora e por aí.
Primeira constatação: em todo o lado que vi o preço das casas mais que duplicou.
Segunda constatação: comparando a freguesia da Misericórdia em Lisboa com a Amadora, surpreendentemente até subiram proporcionalmente mais na Amadora que na Misericórdia. Nesta o metro quadrado passou de qualquer coisa como 3000 euros para 6800. Na Amadora passou de 1000 para 3000. Ora, que eu saiba, a Amadora ainda não sofre de uma crise de airbnb.
Fora isso só sei que os espanhóis se queixam, os franceses também, idem para os ingleses, os alemães dizem que com um ordenado médio é impossível comprar casa. E não vale a pena falar de Viena: é uma cidade que passado um século ainda não recuperou do fim do império. Passou 100 anos a perder gente.
Boa noite Nuno. Na mesma notícia do link que partilhou, é referido que "O setor institucional das famílias foi responsável pela compra de 37.699 habitações, 87,9% do total de transações", ou seja, quase 90% foram transaccionadas por famílias residentes em Portugal - em que medida está se enquadra em procura especulativa inesgotável?
Parece haver uma crise de acesso a habitação a uma franja específica da população, porque estas famílias na prática não vêm crise,: umas aumentam o seu património (quem compra), outras a sua liquidez (quem vende). Todas a sua riqueza.
Obrigado pelo esclarecimento.
Caro Henrique Gomes,
As novas procuras, tendencialmente especulativas, não se referem apenas à compra por estrangeiros nem resultam somente do impacto do turismo. Relevam também a aquisição de imóveis por cidadãos nacionais como forma segura e rentável de aplicação de poupanças, numa lógica de investimento.
É bem certo que não dispomos de informação suficiente que nos permita apurar o peso destas procuras e o seu efeito na subida dos preços. Mas elas funcionam em conjunto, contribuindo para «desligar» os preços dos rendimentos das famílias (os quais, segundo a própria lógica da oferta e da procura, deveriam conduzir a essa descida de preços, coisa que não sucede).
Cumprimentos,
Nuno Serra
uma dúvida, quando se fala em fogos construídos são casas para habitação? é que muita da construção que se vê em lisboa é para hotéis e escritórios.
Será que é assim? Há muitos anos comprei casa no centro de Lisboa. Comprei-a ainda não havia paredes. Passado um ano depois de me instalar foi-me dito que alguém tinha posto um apartamento à venda, semelhante ao meu, pelo dobro do preço que tinha comprado. Havia especulação? Havia. Mas não era para ter o capital empatado. Era para ter margens gordas de lucro no curto/médio prazo na compra e venda.
Fora isso deve haver por aí muito arrendamento escondido. No mesmo prédio passei a ver gente que não via. Passado pouco tempo são outros os focinhos. Mas se for a um site de imobiliário o que está à venda é pouco e leva tempo a vender, um ano ou mais (por uma batelada de dinheiro, diga-se) e no arrendamento ainda menos. Certo é que nem bom dia nem boa tarde lhes digo. Daqui por dois ou três meses já voaram e entraram outros pombos.
Caro mreis, sim, os dados referem-se apenas a fogos de residência familiar concluídos
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