João Moreira Rato, ex-presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP), escreveu recentemente um pequeno livro onde descreve o seu papel, e do instituto a que presidiu, durante o período da troika. É um livro que nos permite observar, na prática, os bastidores de alguns mecanismos do “projecto de reversão da social-democracia e de imposição da disciplina de mercado ao Estado” que é o Euro.
Dois episódios curiosos, onde essa imposição foi mais visível e pessoal, ocorreram no seguimento da crise política provocada pelas demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas, uma mais irrevogável que a outra. Assim descreve João Moreira Rato o dia seguinte (tradução minha):
“A 3 de julho, no dia seguinte, a Delloite organizou uma gala [...] Assim que entrei [...] fui abordado por um membro de uma família que detém algumas empresas importantes em Portugal. Ele queria expressar o seu descontentamento relativamente ao que tinha acabado de acontecer na frente política, condenando principalmente o comportamento do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Uma das suas empresas estava a considerar uma possível transação, que ele referiu só ser possível graças ao nosso trabalho. E agora estava tudo em suspenso. Ele referiu ainda que estava muito aborrecido com o facto de manobras políticas estarem a estragar o que tinha sido conseguido. Nessa altura percebi que haveria uma pressão imensa para que o líder do segundo partido da coligação regressasse ao governo. Nós costumávamos comentar entre nós que pela primeira vez na história recente de Portugal, os políticos estavam a começar a ver as suas ações avaliadas pelo mercado.”
Passados alguns dias foi a vez de António José Seguro sentir a pedagogia patriótica do mercado:
“A 12 de julho, para piorar ainda mais a situação, o líder do partido da oposição, o Partido Socialista, defendeu no parlamento a restruturação da dívida; isto provavelmente explica em grande medida o pico das taxas de juro desse dia. Nesse dia concordámos no IGCP que faria sentido fazer algum trabalho pedagógico com o partido da oposição. Pouco depois contactámos um dos membros do partido responsável por assuntos orçamentais. Na nossa primeira reunião expliquei-lhe como nós andávamos a dizer aos investidores que o seu partido era pró-Europeu. Estava errado? Expliquei-lhe em detalhe como tínhamos pensado a nossa estratégia de mercado e os benefícios que esta traria para o país. Tenho que dizer que, a seu tempo, eles desempenharam um papel patriótico ao moderarem o seu discurso, sobretudo em reuniões com investidores. Assim como nós sentimos a necessidade de os contactar, também investidores o fizeram. Uns meses depois, o líder do partido da oposição fez um discurso na London School of Economics. Após esse discurso, eu visitei investidores em Londres. Um deles, um economista de um grande fundo de investimento dos EUA, tinha ido ouvir o discurso. Perguntámos-lhe como tinha sido. O investidor disse-nos que tinha sido bastante normal. O líder da oposição tinha dito todas as “coisas certas” e o investidor tinha saído de lá bastante confortável. Nós também saímos da reunião bastante confortáveis”.
3 comentários:
e quem foi
"um membro de uma família que detém algumas empresas importantes em Portugal"?
-isso agora não interessa nada?
O que há de extraordinário em que os políticos respeitem o dinheiro de quem lhes permite comprar votos e manter o poder?
O governo do Passos e Portas (com o total apoio do Cavaco)...Como é do conhecimento geral, foi um governo de traição-nacinal... Se bem se lembram!!! E o tal membro da família, todos nós conhecemos...
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