Quem visitar o recém inaugurado Berardo Museu Arte Deco - onde se expõem muitas peças adquiridas pelo dito empresário - é agredido.
O ar do museu está impregnado de uma banda sonora, escolhida por alguém, sem que o visitante a possa desligar, reduzir ou ignorá-la.
Não se sabe onde e quando começou esta guerra ao silêncio, mas olhando para trás é possível ver que assaltou há muito estações de metropolitano, transportes, esplanadas, restaurantes, jardins, quiosques, clínicas, etc.; e agora, parece, está a entrar - salve-se quem puder! - nos museus! O Museu de Arqueologia, nos Jerónimos, já tem uma banda sonora, inventada por alguém... para entreter ou dar contexto sonoro - supostamente fantástico - a quem o visita uma das exposições.
Parece ser, aliás, um novo fenómeno: as rádios comerciais desta vida contratam estabelecimentos comerciais para passarem a sua emissão como som ambiente, que na verdade ninguém consegue ouvir deviamente, muitas vezes violando regras de saúde laboral, não vigiadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho. E por isso, quando os clientes protestam, os funcionários do dito estabelecimento respondem que nada podem fazer ou que o som é controlado remotamente ou que faz parte do conceito da loja...
O assalto - porque se trata de uma invasão de espaço público sob a forma de poluição - é uma representação simbólica dos efeitos perversos, perniciosos e imperiais da concorrrência desregulada que precisa de gritar mais alto para se impor aos concorrentes; e do extremo individualismo que se tornou dominante na nossa sociedade, em que uma ditadura individualizada - centralista e centralizada no poder de quem decide neste caso a música - se exerce sobre a massa colectiva, impotente e sem instrumentos para evitar a captura abusiva de um espaço colectivo pela propriedade privada ou pela concessão privada, porque os detentores de cargos políticos foram igualmente capturados por esta lógica e são, por isso, coniventes com este poder transversalizado.
E essa lógica, essa ausência de regra que não o desvario comercial, acaba por contaminar as mentes. Já se encontram pessoas que trazem o seu altifalante para uma esplanada - num recuo do progresso face aos simples auriculares. Na verdade, é um recuo civilizacional, porque é sempre mais díficil pensar nos outros do que em nós próprios. E quando alguém protesta e exige o fim dessa imposição musical às outras pessoas, respondem: "Porquê? Estou num espaço público, posso fazer o que quero!" E de nada vale dizer-lhes: "Não, não está num espaço público: está num espaço colectivo! E por isso não pode fazer o que quer".
Pacheco Pereira alegou, num muito feliz artigo do jornal Público, tratar-se de uma deriva social para a má-educação. Ora, a deriva - digo eu - é outra. Trata-se de um longo processo iniciado em Portugal sobretudo nos anos 80 e que enfatizou a moda importada de que o sucesso era um combate individual, empresarial, contra o mundo, e que dele apenas poderiam beneficiar os vencedores contra os falhados. Essa dinâmica é hoje dominante e mudou as cabeças dos mais jovens.
Vai ser difícil acabar com a música nos museus e em toda a parte porque quem a coloca já não entende a questão que está a ser levantada. Há combates que duram, de facto, décadas. Mudar as cabeças é um deles.
5 comentários:
Quero aqui deixar a minha mais profunda revolta pela maneira insultuosa que os alentejanos são tratados pelo poder Central,no tempo da governação de Guterres(PS)numa campanha eleitoral foi anunciado a construção do hospital Central do Alentejo em Evora,desde esse ano todos os governos vêm a Évora anunciar a construção do hospital,não passam de repetidas acções de propaganda,uma vez mais na passada semana vieram anunciar o arranque da obra com a presença entre outros do actual presidente de cãmara de Reguengos e candidato a cãmara de Évora,Presidente da distrital do PS,presidente do lar de Reguengos(faz um ano em que se deu a tragédia) senhor que nunca assumiu as suas responsabilidades,mas que foi o primeiro a ser vacinado(por ser responsável do lar).O Alentejo continua a ser esquecido ,infelizmente por gente que se arroga de esquerda.
João Ramos de Almeida, que os museus transmitam música para arranjarem mais uns cobres, dada a penúria do orçamento para a Cultura, eu ainda compro. Se isto ocorre, ainda por cima em espaços que deveriam ser de recolhimento e silêncio, é lamentável.
Que queira ver nisto uma conspiração capitalista de proporções dantescas, tenha lá santa paciência! Não vale a pena invocá-las quando a explicação mais simples chega. Chama-se o argumento da navalha de Occam (princípio da parcimónia) e é uma das regras básicas pela qual se move uma mente que toma em devida consideração que existe uma realidade exterior e que nós recebemos a informação a partir dela (empirismo).
E de qualquer maneira, entre a prevalência da vontade do indivíduo (ainda há leis que constrangem os comportamentos individuais, que diabo) e a imposição de uma suposta vontade coletiva (quem a interpreta, os apparatchiks, presume-se) eu prefiro a primeira hipótese...
Tinha tanta coisa para dizer, sobre José Manuel Rodrigues Berardo, mas já não tenho dinheiro para pagar à minha advogada... Só uma coisa; temos imensa gente (nesta altura) a contestar, mas onde andaram este tempo tudo!? Já sei, não havia eleições!!!
Este comportamento de senhores que estão no poder, é a "Música Dominante"
Caro Jaime,
Para quem buscava a "explicação mais simples", parece-me que se deixou enredar sem sucesso numa enorma confusão.
A minha "explicação mais simples" é... simples! Chama-se mercantilização. E ausência de um Estado que a regule em defesa das pessoas. Ponto.
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