segunda-feira, 17 de maio de 2021

“Se o senhor CEO da Pfizer o diz…” – crítica aos argumentos do Governo português em defesa das patentes


"Comecemos por rever o segundo argumento da cronologia, por ser aquele que, num primeiro olhar, aparenta ter maior sustentação teórica. Será que, neste caso, quebrar patentes colocaria em causa a inovação futura? Em primeiro lugar, importa sublinhar que dentro do debate económico sobre patentes não existe nenhum consenso firmado. Por um lado, a propriedade intelectual limita a difusão de conhecimento e do progresso tecnológico existente, contribuindo para conter a inovação futura. Por outro lado, a propriedade intelectual pode ser uma condição necessária para que a inovação se verifique. Em grande medida, as empresas alocam fundos próprios para investigação e desenvolvimento porque têm a expetativa de gerar receitas futuras provindas do monopólio temporário criado pela propriedade intelectual sobre o produto desenvolvido. Sem essa propriedade intelectual, o incentivo para alocar fundos a investigação e desenvolvimento seria menor e o produto inovador poderia nunca existir.

É este último argumento que está implícito na posição de António Costa. O problema é que ele não tem qualquer aplicação no caso das vacinas para a covid-19, porque o financiamento para a investigação das vacinas não foi realizado, em larga medida, com fundos próprios das empresas. A esmagadora maioria do financiamento foi público. Segundo um estudo publicado recentemente por investigadores do UCL, Oxford e Cambridge, estima-se que entre 97 e 99% do financiamento da AstraZeneca tenha sido público. Na mesma linha, num fact checking publicado no USA Today, concluiu-se que a farmacêutica Moderna terá recebido cerca de 2,5 biliões de dólares de fundos públicos. E, mesmo que não tivessem recebido qualquer financiamento para investigação, o mercado garantido e os fundos adiantados para as encomendas seriam incentivo bastante para estimular a descoberta da vacina. Segundo o noticiado pelo New York Times, por exemplo, o governo norte-americano assinou um contrato de dois biliões de dólares em meados de 2020 com a Pfizer para garantir a produção das doses a serem administradas nos Estados Unidos.

Com efeito, o argumento trazido por António Costa não tem qualquer aplicação neste contexto. Os fundos para desenvolvimento foram maioritariamente públicos e, por conseguinte, o lucro monopolista que advém das patentes não é necessário para incentivar qualquer investimento em I&D num momento anterior. Por outro lado, o mercado garantido à escala global, com contratos de centenas de milhões de doses pagas antes de serem sequer produzidas, seria um estímulo suficiente para a criação da vacina.

Os lucros das farmacêuticas falam por si. A BioNTech, empresa alemã parceira da Pfizer, obteve lucros de 1,3 biliões de dólares no primeiro trimestre deste ano, o que compara com apenas 53 milhões no ano anterior. A economia política deste processo e os interesses da Alemanha não poderiam ficar mais explícitos
."

Artigo completo aqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

"o mercado garantido e os fundos adiantados para as encomendas seriam incentivo bastante para estimular a descoberta da vacina"
Mercado garantido ... para quem as conseguir desenvolver. De resto há 15 vacinas desenvolvidas e aprovadas (por alguns países, pelo menos) e 60 vacinas em desenvolvimento (https://www.raps.org/news-and-articles/news-articles/2020/3/covid-19-vaccine-tracker).
Basta uma delas ceder a patente e está o problema resolvido. A China, por exemplo, tem 5 vacinas na lista das aprovadas e a Rússia tem 4. Já para não falar da vacina do Kazakhstan.
Infelizmente não encontrei na lista a vacina de Cuba (https://www.nature.com/articles/d41586-021-01126-4) mas tenho a certeza que logo que esteja desenvolvida vai estar livre de qualquer patente e assim contribuir para acabar com o monopólio das outras 75 (15+60).