terça-feira, 6 de abril de 2021

Dez anos de golpe


“Assinalam-se esta terça-feira dez anos do pedido de resgate português. Foi no dia 6 de abril de 2011 que José Sócrates, pressionado pelo seu ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, comunicou aos portugueses a decisão que há muito se temia”. 

Abre assim mais uma peça de jornalismo económico daquelas que vendem, mais ou menos, implicitamente a historieta moralista e contra os interesses da maioria dos que neste país vivem e trabalham e segundo a qual não havia alternativa, que a ‘culpa foi nossa’ e tal.

Segundo a historieta, Sócrates foi pressionado pelo seu ministro das Finanças. O país não estava a enfrentar uma crise de endividamento privado externo, nem confrontado com a disfuncionalidade da distopia neoliberal que designamos por Euro e nem a ser alvo, por ação e inação, de imposições de interesses estrangeiros. Não. Nada disso. O malandro do Sócrates estava encurralado pelos seus erros e foi o seu próprio ministro das Finanças a confrontá-lo. Não, não assistimos a um coro indigno de jornalistas, banqueiros e de grande parte das ‘elites’ nacionais, todos muito afinados no pedido de uma intervenção externa redentora, forma de ir rapidamente ao pote e disfarçar a sua incapacidade de dotar o país de um rumo digno e autónomo. 

E, no entanto

“Tudo o que o BCE tinha de fazer para parar o aumento desestabilizador das taxas de juro gregas era fazer o que os bancos centrais fazem em todo o mundo: comprar obrigações soberanas (...) Se o BCE não interviesse, não era uma questão de economia, mas de política e durante o Inverno de 2009-2010 parecia que os banqueiros centrais da Europa estavam determinados a adoptar uma linha dura (...) Trichet não estava apenas a satisfazer a sua própria agenda. Ele também estava a apaziguar o Bundesbank e o seu chefe falcão e monetarista, Professor Axel Weber. Usando a Grécia como seu exemplo, uma aliança de conveniência entre a direita apocalíptica, empreendedores políticos conservadores e falcões orçamentais centristas alterou o equilíbrio político. Embora o desemprego permanecesse elevado, embora a produção estivesse titubeante, o estímulo foi abandonado. Mais cedo e de forma mais acentuada do que em qualquer outra recessão na história recente, a política orçamental foi revertida.” 

Ou seja, um verdadeiro golpe de estado a coberto da tão apregoada, mas obviamente falaciosa, independência do BCE e de uma barragem de propaganda que convenceu o povo que os juros da dívida pública eram ditados pelos tais ‘mercados’. 

Há cerca de uma semana, a atual presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, veio dizer publicamente “que os decisores políticos não se furtarão a usar todos os seus poderes caso os investidores tentem fazer subir os juros das obrigações”. 

Hoje, num país não conformado com o seu estatuto de mera colónia de Frankfurt-Bruxelas, uma década depois do golpe onde o BCE foi um dos atores principais, estas declarações de Lagarde oferecem uma boa ocasião para lhe perguntar quem paga o estrago então provocado no nosso país pela inação politicamente dirigida desta instituição.

3 comentários:

Anónimo disse...

"...seriam uma boa ocasião para lhe perguntar quem paga o estrago então provocado no nosso país ...".
O problema, meu caro, é que sem moeda própria não há "nosso País", etc.

Anónimo disse...

Que grande treta

Entâo o chumbo do pec IV que já tinha a concordância da sra Mekell sai fora desta historieta .

Jaime Santos disse...

Naturalmente que foram os Portugueses que pagaram o estrago e ele só não se repete porque a Alemanha já percebeu que desta vez não haveria lugar para resgastes e seria o fim do Euro, de que ela beneficia. Até a Holanda e a Finlândia já encaixaram a ideia.

Agora, Paulo Coimbra, não venha cá com a conversa do golpe de Estado. Os Portugueses gostam da estabilidade cambial que o Euro providencia (e que lhe protege as poupanças) e se isso afeta o crescimento, pois paciência.

Se quiséssemos um Governo de Esquerda que nos tirasse do Euro e da UE, teríamos votado no BE e no PCP-PEV, mas estes Partidos há muito que não ultrapassam os 15% dos votos.

Talvez isso derive da demagogia da posição de que é possível recuperar a soberania monetária sem sacrifícios, inflação, etc, etc. Quem tem uma visão, que vá ao médico, dizia Helmut Schmidt...

A política e a democracia providenciam alternativas, não a felicidade. E às vezes as escolhas são entre o mau (ficar no Euro) e o pior (o desconhecido que é sair dele, porque ninguém faz, o quer fazer, peva de uma ideia do que é preciso para abandonar a moeda única).