terça-feira, 6 de abril de 2021

A liberdade é um luxo?


Paula Amorim é a pessoa mais rica de Portugal e um rosto de um certo capitalismo: de herdeiros, fóssil, rentista fundiário, desigual e promotor do consumo conspícuo para uma elite global, idealmente sempre em movimento, contando com cumplicidades políticas em múltiplas escalas, dada a cada vez mais fácil transmutação do dinheiro concentrado em poder mediático e político. 

A tentar legitimá-lo está um neoliberalismo dito progressista, pretensamente tolerante e aberto, cooptando e diluindo também o feminismo e outros ismos, sobretudo quando estes se separam das questões de classe. Agora, temos direito ao “empreendedorismo”, protagonizado por mulheres poderosas e cheias de mérito, como se vê. Não por acaso, políticos com ambições ideológicas liberais, como Adolfo Mesquita Nunes, trabalham para capitalistas como Amorim na Galp. Insistem que querem “mais liberdade”, quando o que querem é mais liberdade para os de cima à custa de mais vulnerabilidade para os de baixo, a velha história do liberalismo na periferia e não só.

Neste contexto, a comunicação social dominante parece um prolongamento de empresas de relações públicas, corroendo os valores do jornalismo. Em mais um número triste, mas revelador, o Expresso da semana passada dedicou duas páginas de pura propaganda à Amorim Luxury, símbolo do porno-riquismo, com destaque na primeira página do suplemento de economia e tudo. 

Não caindo no erro crasso do marido e sócio – “não podemos ter pessoas de classe média ou média baixa a morar em prédios classificados” –, Paula Amorim tenta ser socialmente correcta sobre a Avenida da Liberdade, mas quanto ao resto é o mesmo de sempre, com a pandemia pelo meio: o comércio de luxo, sempre com distanciamento social, o hotel de luxo em construção nessa avenida lisboeta e o tal projeto imobiliário na nova fronteira do rentismo fundiário, onde já não se brinca aos pobres, a Comporta. 

A acompanhar a construção de enclaves virtuais e reais para super-ricos está sempre um discurso, misturando português e inglês, cheio de desafios, oportunidades e colaboradores, mas também de key partners, hospitality e franchising. Os jornalistas devem funcionar como um eco deslumbrado e obediente, sem questões incómodas. 

Enfim, a diferença que uma geração faz nos negócios ou no jornalismo, quando o 25 de Abril estava bem presente e havia um outro dinamismo produtivo, num quadro mais igualitário. Os centros do capital monopolista tinham sido nacionalizados, afinal de contas. Parece que as revoluções democráticas e nacionais fazem bem a toda a gente.

1 comentário:

Jose disse...

«quando o 25 de Abril estava bem presente e havia um outro dinamismo produtivo, num quadro mais igualitário»
Dinamismo produtivo?
Não será consumo dinâmico?