Com níveis de promoção pública de apenas 125 fogos em média, por ano, ao longo da última década - e ainda sem o impulso esperado de medidas da Nova Geração das Políticas de Habitação -, Portugal continua na cauda da Europa em termos de parque de habitação social. Esta é uma das conclusões que se podem retirar do recente relatório da rede Housing Europe, The State of Housing in Europe 2021. Na UE15, apenas a Espanha, o Luxemburgo e a Grécia registam um peso relativo do parque habitacional público, face ao total, abaixo dos 2% de Portugal, com a média europeia a rondar os 9%.
De facto, sobretudo em países do sul europeu, como Portugal, a habitação constitui, há muito, o parente pobre, ou o pilar ausente, de um Estado Social tardio. Ao contrário do que sucedeu no pós-25 de Abril nas áreas da saúde, educação, e mesmo segurança social (Serviço Nacional de Saúde, Escola Pública e sistema público de pensões), a promoção direta de habitação nunca permitiu constituir um verdadeiro setor público de alojamento, capaz de assegurar a resposta às carências mais prementes (segundo o IHRU, cerca de 26 mil famílias vivem em condições de habitação indignas) e contribuir para a regulação do mercado, propenso a lógicas especulativas que, entre outras dinâmicas, se agravaram com o processo de financeirização da habitação.
Curiosamente, observa-se ainda a tendência para que os países que registam menores níveis de promoção habitacional pública direta, nos últimos anos, sejam também os que detém um parque habitacional público de menor dimensão, como demonstra o caso português, mas também o de Espanha, Grécia, Luxemburgo e mesmo Itália, entre outros. Ao contrário, portanto, de países da UE15 como a Holanda, Áustria, Dinamarca, ou a Finlândia, com um setor público de oferta habitacional e níveis de promoção direta de alojamentos acima da média europeia. O que sugere que sistemas de provisão pública menos recentes e mais consolidados, que instituíram de facto a habitação como responsabilidade social do Estado, detém uma capacidade de resposta mais constante e, por isso, melhor preparada para enfrentar crises de acesso ao alojamento.
É também por isso que a Nova Geração de Políticas de Habitação, e em particular as medidas orientadas para um claro reforço do parque habitacional público português, como o Primeiro Direito ou o programa de Arrendamento Público Acessível, ambos apoiados pelo PRR, poderão materializar nos próximos anos uma importante rutura com as políticas de habitação seguida nas últimas décadas, marcadas pela intervenção através do mercado e, nomeadamente, pelos incentivos no acesso ao crédito para aquisição de casa própria, vertente incontornável do processo de endividamento da economia portuguesa.
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8 comentários:
Suspeita-se que não dá para tudo...e uma lei do arrendamento que ainda garante que se possam passar meses sem ver nem dinheiro nem casa despejada, ainda que provavelmente semidestruída.
Muito bem, Nuno Serra. É preciso continuar a esclarecer os portugueses a vergonha e a miséria que constitui a nossa política de habitação.
Nova Geração de Políticas de Habitação: excelente documento, grande plano estratégico. 4 objetivos, vários programas, planos estratégicos, instrumentos, fundos, medidas,... tudo, com o seu regulamento, regras, ...
Tem tudo para causar impacto. Na burocracia.
Não esquecer!!
62% dos cidadãos de Viena vivem em habitação social!
https://www.huffpost.com/entry/vienna-affordable-housing-paradise_n_5b4e0b12e4b0b15aba88c7b0
Viena é ano após ano considerada a melhor cidade para viver, suspeito que a habitação social tem a ver com esta nomeação.
Portugal PODE e DEVE copiar modelos de sucesso.
Se possível, voltar à política de habitação seguida antes da lei de Assunção Cristas (e começada por Eduardo Cabrita).
A forma como Cavaco Silva deixou a lei existir, não assinando o documento e simplesmente fingir que se tinha esquecido de assinar (deixando para o efeito passar o prazo de um mês), mostra bem a conivência desta classe política que passou pelo governo, entre 2011 e 2015.
Penso muitas vezes porque raio o estado não cria um programa de compra de terrenos nas áreas metropolitanas para a seguir os entregar aos privados a custo ZERO em troca de arrendamento acessível com um caderno de encargos transparente. Não ficam todos a ganhar? O Revive não segue um modelo parecido onde os privados têm investido dezenas de milhões?
Lisboa, riquíssima, tem casas (de)ocupadas (ninguém faz ideia quantas, é tabu) com centenas de pessoas a dormir na rua. Habitação para a classe média não passa de uma miragem. O estado vai demorar anos para demolir a vergonha que é o Bairro da Jamaica, que está abaixo do grau zero das necessidades básicas.
Para quê empatar milhares de milhões (existem sequer?) do estado em habitação após o desastre que foram os guetos do PER se os privados podem assumir essa responsabilidade, incluindo a posterior manutenção dos edifícios e gestão das rendas?
Seja qual for o governo, alguém acredita que vai existir capacidade para (1) multiplicar esses 2% em 10/20 anos, (2) construir com qualidade (3) fazer a manutenção e (4) gerir largos milhares de contratos?
Eduardo Cabrita, numa entrevista dada ao Jornal da Noite do canal 2, disse que o objetivo do NRAU (novo regime de arrendamento urbano) era aumentar o preço das rendas para valores de mercado.
É este o debate que devemos fazer no futuro: tratar a habitação como mercadoria ou como um bem, uma necessidade maior da vida.
Não podemos, por isso, desvirtuar a ideia da habitação social, fazendo aquilo que o sistema capitalista ensinou a fazer: vender a habitação como mercadoria e selecionar a habitação apenas para quem a pode pagar.
Luiz Menezes Leitão disse ao jornal «i» que o arrendamento, hoje, é um empréstimo.
Se for assim, o ser humano com menos possibilidades não terá hipótese de seguir os ditos valores de mercado; viverá em acampamentos a céu aberto ou em barracas.
O comentário de Santos 12:49 foca pontos importantes. Existe muita habitação "social" partidária, mas com outro nome, em todas a cidades do país pelo que as estatísticas não parecem ser grande coisa.
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