quinta-feira, 29 de abril de 2021

Censos


Francisco Lima, presidente do INE, considera que «vai deixar de ser necessário fazer inquérito à população». Ou seja, os Censos de 2021 «serão os últimos a serem feitos nestes moldes» (com a inquirição de todos os residentes). Uma convicção assente na ideia de que, com o recurso a dados administrativos, passará a ser possível dispor de informação censitária com uma periodicidade anual, em vez de decenal.

Nos últimos censos, realizados em 2011, curiosamente, a então presidente do INE, Alda Carvalho, expressava já a vontade de que fossem os últimos realizados com recolha direta da informação junto da população. Nessa altura, ainda não havia certezas sobre a existência de «toda a informação necessária» nas bases de dados administrativos. Mas o trabalho de verificação da informação disponível estava já a ser feito.

É provável que o otimismo em relação a esta possibilidade de recensear sem inquirir se justifique. Mas importa lembrar que há vários indicadores importantes que não tiveram qualquer atualização (por via administrativa) desde os Censos de 2011. Dois exemplos, entre outros: a distribuição da população segundo a dimensão dos lugares e o número de fogos devolutos. Os últimos dados exaustivos que se conhecem, nestes dois casos, são de 2011.

Acresce que a última década compreende dois períodos muito distintos. O primeiro (2011-2015), profundamente marcado pelas convulsões causadas pelos «anos de chumbo» da troika e pelas políticas de «empobrecimento competitivo» da direita. O segundo (2015-2021), marcado pela relativa recuperação dos danos causados, já com a maioria de esquerda no poder, mas também, desde o ano passado, pelos impactos da crise pandémica. Ou seja, como sugerido aqui, não teria sido nada má ideia que o INE tivesse realizado, em 2015, uns censos intercalares. Aliás, por inquérito direto ou por recurso a bases administrativas, é impensável que diversos indicadores tenham que voltar a esperar dez anos pela sua atualização.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tem razão Nuno, já ouvimos essa conversa, há dez anos, de que o inquérito do Censos era o último. Pessoalmente não acredito. Não apenas pelas ressalvas avançadas no texto e sem prejuízo da desejável atualização mais ou menos permanente dos vários indicadores. Mas a minha descrença vem também de outro lado. Vários dos indicadores, de maior frequência, não são exaustivos, são extrapolações estatísticas a partir de amostras (um exemplo corrente são as estatísticas do emprego, se quiser da taxa de desemprego).

Mas a fiabilidade desses procedimentos depende da qualidade e da representatividade das amostras. E esta só pode ser obtida, ou pelo menos é mais satisfatoriamente obtida, com base no conhecimento que resulta do apuramento exaustivo de uma cobertura nacional integral, periodicamente aferido. Esse apuramento exaustivo, de período mais longo, chama-se recenseamento. Os censos não são apenas importantes pelos retratos mais aprofundados do momento em que se realizam. São também importantes para gerar grande parte das amostras dos restantes inquéritos, presumivelmente fidedignos, que se realizam nos seus intervalos.

Não excluo a hipótese do fim do Censos, requentada decenalmente, mas vejo com mais facilidade, pelo menos para o próximo em 2031, uma manutenção do inquérito, em moldes tecnológicos mais avançados, porventura muito mais facilitados e expeditos, com o cruzamento com as múltiplas bases de dados oficiais, nomeadamente no pré-preenchimento oficial de informações que terão aí, na resposta e eventual confirmação, mais um grande momento de (re)validação. O inquérito também pode ser mais desenvolvido, abarcando mais temas e informações.

Monteiro disse...

Se nos roubassem as bicicletas isso era o menos porque bicicletas há muitas, mas roubarem-nos a nossa identidade é que não podemos perdoar.

Nuno Serra disse...

Inteiramente de acordo, caro Anónimo das 04h41. E muito bem lembrado esse importante aspeto de os censos serem a base para muitas das extrapolações estatísticas que passam a fazer-se nos anos seguintes.
Já agora, mais um exemplo de dados que indiciam a dificuldade de andar só com bases administrativas e extrapolações: não se consegue sequer (pelo menos o INE não ousa publicar) atualizar anualmente a população residente à escala da freguesia.