domingo, 20 de outubro de 2019

Entre a independência e a reinvenção

«Não é realista pensar que o problema catalão se resolve fingindo que não há apoio popular suficiente às teses independentistas. Pode bem ser que a maioria dos catalães nem queiram a independência. Mas há pelo menos uma minoria suficientemente larga que se expressa votando em forças que fazem dela a sua causa principal. (...) Visto de fora, o caminho mais adequado seria baixar a tensão desde já, admitir a possibilidade de perdão de penas para os condenados e abrir novas portas de diálogo, que permitam encontrar vias institucionais para o aprofundamento da autonomia e aceitar discutir a evolução para uma Espanha federal. Mas isso implicará o PSOE afastar-se claramente do PP, dos Ciudadanos e do Vox e que o rei seja mantido em silêncio sobre uma questão em que até agora fez estragos sempre que interveio. Nesta questão, ele não é símbolo de unidade, mas de poder imposto.»

Paulo Pedroso, Na Catalunha joga-se Espanha

«É bem conhecido que em finais de 1640 a monarquia hispânica teve de tomar uma decisão complicada: segurar Portugal ou segurar a Catalunha. (...) Com Portugal a Espanha poderia perder um reino e metade de um império; mas com a Catalunha arriscava-se a uma invasão francesa e a perder-se a si mesma. Claro que Madrid não desejava perder nem Portugal nem Catalunha (...), mas naquele ano de 1640 foi preciso ter uma só prioridade, a Catalunha, e essa folga foi a suficiente para Portugal hoje poder olhar a situação catalã com uma certa sobranceria. (...) Podemos lamentar, compreender ou não, antipatizar ou não. Mas imaginemos que 1640 tinha saído ao contrário e rapidamente nos aperceberemos de uma coisa: pode demorar, mas isto só se resolve de duas formas: ou com a independência catalã, ou com a Espanha a aceitar reinventar-se de outra forma. Como está, não dá.»

Rui Tavares, E se 1640 tivesse saído ao contrário?

«São todos muito liberais, todos muito preocupados pelas liberdades (económicas), todos muito tradicionais, alguns muito revoltados com a repressão (na Venezuela ou em Cuba), e chega-se à Catalunha e ficam todos muito indignados com a “violência” na rua, todos muito legalistas, todos indiferentes a um processo político persecutório, todos olhando para o lado para não verem as multidões na rua, e acima de tudo para não verem as faces dessa multidão. (...) E só por ironia é que se vê ficarem muito ofendidos com a comparação entre Hong Kong e Barcelona, eles que não mexeram uma palha sobre Hong Kong porque o seu anticomunismo pára na EDP e na REN, e não têm muita autoridade para fazer essa distinção. O mesmo com a “progressiva” e de “referência” comunicação social espanhola cuja agressividade anti-catalã é repulsiva. E o mesmo para a portuguesa. E repetem-se argumentos absurdos. O argumento contra o referendo então é o de máxima hipocrisia. O referendo não valeu porque correu sem qualquer controlo. Não é inteiramente verdade, mas é natural que não tenha ocorrido em condições ideais com a polícia a roubar as urnas, a ocupar lugares de votação e a bater nos que queriam votar. Mas, se o problema foram as condições do referendo, então que se faça outro em condições de liberdade e paz civil. Resposta: não, não, nunca, jamais em tempo algum.»

José Pacheco Pereira, A Espanha nem una nem grande nem livre

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