terça-feira, 13 de agosto de 2019
Da representação democrática (I)
Com a criação de círculos uninominais de regresso ao debate público, no âmbito das propostas de reforma do sistema eleitoral e da alegada necessidade de «aproximar os eleitos aos cidadãos», vale a pena recuperar um post de 2011 do Alexandre Abreu, sobre os mecanismos de representação democrática.
Assuma-se, para o efeito, uma ideia simples. A ideia de que quando um eleitor (de Gouveia, Sintra ou Grândola, por exemplo) se dirige à sua secção de voto em dia de legislativas tem a expetativa, ao assinalar o partido ou coligação em que decidiu votar, de que o seu voto seja «válido» para eleger um deputado. Isto é, a expetativa de que o seu voto não seja desprezado no processo de composição democrática de um Parlamento que é, por natureza, um parlamento nacional (e a partir do qual emerge, de resto, o Governo da nação).
Ora, como bem se sabe, não é isso que acontece. O atual sistema eleitoral está desenhado para favorecer, sobretudo nos círculos eleitorais de menor dimensão, os dois maiores partidos. Se um eleitor de Vila Real, Castelo Branco ou Portalegre tiver a expetativa realista de contribuir para a eleição de um deputado que o represente, deverá votar no PS ou no PSD, sendo inútil - em termos de contabilização de resultados eleitorais - o voto em qualquer outro partido (tanto mais quanto esse voto nem sequer será considerado num putativo círculo nacional, que pudesse complementar os círculos eleitorais existentes).
É por isso que quando confrontamos os resultados eleitorais, em termos de deputados eleitos, com a distribuição proporcional dos resultados de cada partido à escala nacional, obtemos configurações parlamentares bastante distintas (como mostra o gráfico, para as legislativas de 2011). De facto, numa lógica de círculo nacional, mais fiel à expressão da vontade democrática do eleitorado, o PS passaria de 74 para 67 deputados e o PSD de 108 para 93. Em contrapartida, o PCP-PEV passaria de 16 para 19 deputados, o BE de 8 para 12 e o CDS-PP de 24 para 28. E seriam ainda eleitos 11 deputados de partidos que, com o sistema vigente, não tiveram direito a representação parlamentar.
É bem certo que a discussão sobre os mecanismos de representação democrática é complexa, com vantagens e desvantagens em qualquer modelo. Mas se de facto se quer melhorar o sistema eleitoral, no sentido de uma maior representação democrática (que implica, necessariamente, uma composição mais plural do Parlamento) e de uma «maior aproximação entre eleitores e eleitos», o resultado não deverá nunca ficar aquém daquele que emana do sistema atual e que se revela, já de si, suficientemente imperfeito.
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16 comentários:
O autor afirma "recuperar" um post de Alexandre Abreu de 2011 mas apresenta números distintos dos referidos aí. E ainda bem, pois não só os cálculos de Alexandre Abreu estavam errados como todo o artigo se baseava num conceito falho e inexistente de "proporcionalidade estrita".
É importante esclarecer que não existe nenhum método (algoritmo) que, em todas as situações e perante qualquer tipo de distribuição dos resultados eleitorais, seja sempre "o mais proporcional". Há diversos métodos de distribuição proporcional, cada um com as suas vantagens e desvantagens, entre eles o de D'Hondt, o de Sainte-Lague e o do Maior Resto.
Aplicando o método de D'Hondt num círculo nacional único aos resultados das eleições de 2011 obtemos a seguinte distribuição de mandatos: PSD - 96, PS - 69, CDS - 29, CDU - 19, BE - 12, outros - 5 (MRPP - 2, PAN - 2, MPT - 1). Isto não bate certo nem com o apresentado no post de Alexandre Abreu nem com o apresentado aqui.
Por outro lado, usando o método de Sainte-Lague no mesmo círculo nacional único também às eleições de 2011, obtemos agora: PSD - 93, PS- 67, CDS - 28, CDU - 19, BE - 12, outros - 11 (MRPP - 3, PAN - 2, MPT, MEP, PNR, PTP, PPM e PND com um deputado cada). Mais uma vez, isto não bate certo com o cálculo fictício descrito como sendo de "proporcionalidade estrita" do texto de Alexandre Abreu, mas curiosamente coincide com o apresentado neste post.
Devo portanto deduzir que o autor utilizou o método de Sainte-Lague? Parece-me que sim, mas seria útil tê-lo explicitado, até para não reforçar a confusão de que existe algum método "mágico" que é sempre "mais proporcional" que todos os outros em qualquer situação.
Já agora, a adopção do círculo nacional único não é a única forma de melhorar a proporcionalidade. Mesmo mantendo os círculos eleitorais exatamente como estão, mas distribuindo os mandatos (em cada círculo) usando o método de Sainte-Lague em vez do de D'Hondt já se alteraria bastante a situação dos partidos médios (CDS, BE e CDU). Procedendo dessa forma, nas eleições de 2011 teríamos: PSD - 101, PS- 69, CDS - 26, CDU - 20, BE - 12, MRPP - 1, PAN - 1. Os dois deputados adicionais do CDS teriam sido eleitos pelos círculos da Guarda e dos Açores. Os quatro da CDU por Leiria, Coimbra, Aveiro, e o terceiro da lista do Porto. E os quatro do BE teriam sido eleitos por Santarém, Leiria, Coimbra e Braga. Os do MRPP e do PAN, naturalmente, por Lisboa.
Caso tenham interesse, posso enviar por e-mail as planilhas com os cálculos detalhados para cada um destes três métodos - Sainte-Lague por distritos, D'Hondt círculo único e Sainte-Lague círculo único -, não apenas para a eleição de 2011 mas para várias outras também. Por exemplo, pelo método de Sainte-Lague por distritos, o Livre teria eleito um deputado por Lisboa em 2015, e o conjuntos da esquerda teria 46 deputados (BE - 25, CDU - 20, L - 1) ao invés de 38.
O sistema eleitoral alemão, de círculos uninominais, mas com um círculo nacional de compensação, é, segundo julgo saber, quase proporcional (embora tenha um limiar de acesso de 5%, mas isso é por razões históricas). O Manuel, que escreveu um interessante post, poderá talvez confirmar isso.
Convém ainda assinalar que um problema do sistema eleitoral português talvez mais grave que a sua falta de proporcionalidade é o facto de a lista ser fechada, ou seja, o voto do eleitor não elege quem ele quer, mas sim quem o directório partidário decide. O que provavelmente explica a resistência à mudança...
Uma pequena correção: onde escrevi "ao invés de 38" na última linha deveria ter escrito "ao invés de 36", pois em 2015 o BE elegeu 19 deputados e a CDU 17.
Portanto, mantendo os atuais círculos eleitorais mas adotando o método de Sainte-Lague, a representação da esquerda passaria de 36 para 46, um aumento de 27,8%. Observe-se que estes 46 deputados correspondem a 20% do total de 230, o que corresponde quase exatamente aos 19,9% dos votos expressos obtidos por estes três partidos de esquerda (BE, CDU e L).
A propósito de um comentário aí em coma sobre as listas abertas
Pensava que o eleitor votava em programas e projectos
Não propriamente em quem a comunicação social quer e promove
Ê por isso que há tanta promoção das feiras televisivas e dos bonecos comentadores
Proporcionalidade implica representar nulos e brancos com cadeiras vazias, ou façam o voto obrigatório.
O sistema eleitoral em vigor em Portugal foi gerado num ambiente específico, o PREC.
À imagem dos sistemas em que se inspirou favorece distorcidamente uma, a classe política, em prejuízo da sociedade que diz representar. Subsiste exactamente porque concentra o poder político nessa classe social, os partidos e estruturas afectas. Muito descutivelmente representativa da sociedade. Daí a abstenção, desinteresse.
Portugal é um País heterogéneo em densidade populacional.
Dar equivalência na representação do poder político às diferentes regiões exige duas câmaras.
"O sistema eleitoral alemão, de círculos uninominais, mas com um círculo nacional de compensação" tenta culmatar essa disparidade. Mas.
Mais conforme esse desidério está o sistema de represntação política nos EUA.
(O actual PR não é chamado à discussão. Será mesmo que H. Clinton seria melhor PR?).
A necessidade de Contra-poderes efectivos constitucionalizou nos EUA, imenso heterogéneo País, duas Câmaras e um Presidente. Sendo que se exige negociações e concordância legislativa entre os três poderes, quer nos Orçamentos, OGE quer em alguma legislação "nacional".
Uma Câmara de cariz regional (em Portugal 2x15 regiões= 30 Representantes) indiferente à densidade populacional, seria o necessário esteio de justa representatividade regional.
Outra "federal", nacional, de composição ideológica, partidária (não exclusivamente), as esquerdas e as direitas. Esta teria uma visão mais abrangente da realidade nacional e temperaria os naturais excessos da primeira.
Todos os candidatos sempre apresentando-se a eleições em círculos equivalentes em número de habitantes e em eleição uninominal (directa e completamente intransmicível).
"Proporcionalidade implica representar nulos e brancos com cadeiras vazias..."?
Não, não implica nada disto. Creio que só uma direita muito boçal ousou avançar com tal idiotice.
Acho que esta é mais "uma óbvia tentativa oportunista de se encostar à base social que pratica o antiparlamentarismo e grita contra tudo e todos para disfarçar as suas incapacidades de cidadania activa"
Acontece que Rui Rio ( um dos patrocinadores da medida dos votos nulos e brancos) parece não perceber coisas tão elementares como a de um Parlamento é um lugar de representação dos eleitores e, como bem disse Daniel Oliveira, uma representação baseada em escolhas e não em não escolhas.
"Acresce que, sendo de facto algo de diferente dos brancos, os votos nulos em rigor quando muito exprimem na maior dos casos uma certa variedade de humores e idiossincrasias pessoais (alguns até de nulo bom gosto e educação, como bem sabe quem já esteve em mesas de voto) e de objectivos pouco ou nada decifráveis com segurança."
"Além do mais, a turva proposta de Rui Rio tem um "pequeno" problema : é que em qualquer assembleia (e na AR por maioria de razão) há sempre a necessidade de saber que número de deputados são precisos para haver uma maioria (na AR actualmemnte são 116). Ora, se no hemiciclo, passar a haver por exemplo 15 lugares desertos correspondentes aos brancos e nulos, diga-nos então Rui Rio se os lugares desocupados também entram para a definição do que é uma maioria."
Palavras emprestadas de Vitor Dias
Mas já se perdeu demasiado tempo com isto. Jose , como se sabe, prefere as regras seguidas antes de 25 de Abril de 1974
"O sistema eleitoral em vigor em Portugal foi gerado num ambiente específico, o PREC.
À imagem dos sistemas em que se inspirou favorece distorcidamente uma, a classe política"
O que é isto?
Uma crítica idiota contra o PREC,à mistura com uma ignorância do que foi este, ou uma manhosa crítica à "classe social dos partidos", demonstrativa da manipulação em torno deste assunto, tão em voga entre "políticos" como André Ventura e quejandos?
"se os lugares desocupados também entram para a definição do que é uma maioria."
O valor jurídico do silêncio está definido de há muito, mas sempre a chiquice esperta pode dar-se ares de pensamento.
Já o voto obrigatório é o horror dos esquerdalhos.
O valor jurídico do silêncio?
 maneira do salazarismo ?
“ o voto obrigatório “ ?
À maneira dos votos obrigatórios convertidos na União Nacional dos tempos do fascismo em Portugal?
O voto obrigatório existe no Brasil e parece me funcionar muito mal. Tem eleito tiriricas, jardeis entre outros. Se as pessoas não tiverem o mínimo interesse em pensar minimamente em quem vão votar e não entenderem o impacto que isso tem nas suas vidas parece me preferível que vãoi para a praia do que ter a Luciana Abreu como próxima primeira ministra e o José Castelo Branco como ministro...
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