quarta-feira, 5 de julho de 2017

Luzes e sombras de um apagão

Momento da equipa da IGF e peritos a tentar encontrar resposta a uma pergunta directa do deputado Paulo Sá
Apanhei ontem a sessão parlamentar a meio e mesmo assim demorou mais quatro horas depois disso.

Foi uma sessão penosa para quem - como qualquer cidadão - não leu o relatório da Inspecção Geral de Finanças sobre o apagão de várias transferências financeiras para praças offshores. Um apagão que lançou suspeitas sobre a real intenção de o anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, não ter divulgado - durante anos - as estatísticas fiscais sobre essas transferências.

O relatório não convenceu nem o Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, nem o Governo. A equipa responsável pelo relatório, se não foi capaz de detectar o que se passou - embora tenha dito que a aplicação informática adquirida pelo Estado não funcionava tal e qual como foi fornecida... (quanto se pagou por ela, quem foi essa empresa?) - foi muito peremptória a afastar a intervenção humana ("extremamente improvável"), contrariando as denúncias internas.

Mas para quem assistiu à sessão ficou a sensação de que:
1) o inspector geral das Finanças, de cada vez que havia dúvidas sobre o relatório, refugiava-se numa descrição dos acontecimentos que parecia um acumular de conceitos informáticos.
2) às dúvidas sobre os próprios termos do relatório, mesmo baseadas nos conceitos informáticos, deixavam a equipa desconfortável.

Exemplo disso, foi aquilo que se passou com uma pergunta do deputado comunista Paulo Sá. Perguntou ele: Se os ficheiros fornecidos pela Administração Tributária à empresa fornecedora da aplicação, para teste da aplicação, correram bem - tanto na versão inicial como na versão actualizada da aplicação - por que foi que não correram bem na Administração Tributária?

A essa pergunta, as fotografias acima retratam o que se passou. Por largas dezenas de segundos, a equipa falou entre si, sem dizer nada. A reggie do Parlamento foi dando várias planos desse momento. A questão foi finalmente respondida sem este espectador ter percebido a resposta. Paulo Sá também não pareceu ter achado a resposta clara, porque insistiu. Novo momento de silêncios. O inspector-geral acabou por dizer que as coisas não se tinham passado como a empresa fornecedora dissera que, no final, já não estava tão confiante como no início declarara...

Outro momento estranho foi quando a deputada do Bloco Mariana Mortágua perguntou se - desculpem a minha falta de conhecimentos informáticos - não era possível a intromissão de mão humana na alteração dos procedimentos na AT? Mais um momento confrangedor, largos segundos de espera. A equipa da IGF passou para os peritos do Instituto Superior Técnico - que, devido a um alargamento do âmbito da auditoria autorizada pelo SEAF, foram acopulados à equipa da auditoria. Foi um perito do IST quem respondeu com uma palavra: "Sim". Mariana Mortágua voltou à carga. Se "sim" então quem na AT tinha possibilidade de o fazer? Novo momento confrangedor, que foi salvo pelo inspector-geral de Finanças com recurso a uma resposta escrita, empregando aquele jargão informático que, sem parecer ter respondido à questão directa (aliás a deputada insistiu e ficou sem resposta), parecia estar a baralhar a compreensão de fundo do problema.

Se a auditoria pretendia clarificar o que passou, parece que não o conseguiu.

6 comentários:

Anónimo disse...

Perguntas simples que não são respondidas, especialistas e envolvidos que não são claros nem esclarecedores, acontecimentos insólitos que podem de forma muito evidente ser utilizados em benefício de alguém são descritos como situações normais dada a natureza da nossa existência, a determinada altura o que parece estranho é haver algo que cumpra o seu propósito.

Anónimo disse...

Essa cena das fotos está magnifica. Vale por mil palavras

Quanto à substância das coisas...fede.

E os partidos da troika a pedirem ainda por cima pedidos de desculpa. Sem vergonha a encavalitarem-se sobre o fedor de tudo isto

Jose disse...

Se o procedimento informático podia ser alterado na AT, podia também ser reposto na versão inicial.
Se não há um log de alterações assobiem-lhe às botas.
É difícil?
Não. A culpa é do Passos Coelho que não sabe nada de informática!

Anónimo disse...

Assobiem-lhe às botas?

Isso será um tique ou um fado?

Anónimo disse...

Vejam-se contudo estas pérolas:

"Se o procedimento informático podia ser alterado na AT, podia também ser reposto na versão inicial"

Um espanto. Memorável a profundidade analítica deste tipo . Ou talvez seja sintética, pela forma como "despacha" o denunciado no texto de JRA.

As conclusões tiradas por uma dita comissão metem água por todos os lados. E agora vem este falar na história da carochinha dum "log de alterações", exactamente no mesmo local onde mandava um tipo de nome Paulo Núncio, advogado do PP e assíduo especialista em criatividade fiscal para as grandes empresas?

O tal banqueiro cheio de honra e de outras tretas que este tipo cantava também tinha um log de alterações atado à cintura?
E no entanto foi um ver se te havias

A pergunta impõe-se. Será que este tipo que andou por aí a insultar quem desmascarou o comparsa acredita no que diz? Ou isto é apenas outra coisa?

Anónimo disse...

Mas há mais.

Veja-se como se tenta desculpabilizar o presidente do Conselho na época, um tipo que também teve dificuldades com o sistema informático, lá quando era o manda-chuva da Tecnoforma.

Ao denunciado no post a forma de fuga é apontar para o Coelho , esquecendo as tristes figuras do Nuncio e dos seus comparsas. E dele próprio.

"O programa que serve para registar as transferências para offshores também é usado para registar venda de valores mobiliários e rendimentos retenções a taxas liberatórias, por exemplo. Mas só falhou no caso do registo dos 10 mil milhões de euros transferidos para offshores."

O melhor mesmo é fazer a cena canalha de apontar para o chefe e ( com os olhos em alvo?) dizer:

Vejam lá como é possível a culpa ser deste anjinho que nada sabe de "informática".

E postar um ponto de exclamação como prova de indignação de virgem impoluta