quarta-feira, 12 de julho de 2017

Coerências e incoerências em tempos financeiros


Vinte anos depois, Pequim ainda mantém controlos estritos sobre a sua conta de capital e sobre a taxa de câmbio da sua moeda (...) Um dos objectivos é garantir que o capital estrangeiro exerce um poder marginal sobre os mercados financeiros internos (...) Desta forma, a China insere-se nos mercados de capitais internacionais nos seus termos, neutralizando o poder dos Soros mais recentes (...) A vitória de Mahatir pode ter sido indirecta, mas a Ásia começa a cair para o seu lado.

Recupero um artigo de James Kynge no Financial Timesjá com alguns dias, a propósito dos vinte anos do início da crise financeira asiática, uma das ilustrações de uma tese hoje bem mais aceite: a liberalização financeira faz mesmo mal às economias reais. Não por acaso, a China foi poupada a tal crise, bem como a Índia, países que tiveram a sensatez de manter controlos nacionais à circulação internacional de capitais. É por estas e por outras que a recente retórica globalista de Xi Jiping em Davos esconde mais do que revela, como aliás costuma acontecer com os que estão resolutamente a trepar na hierarquia internacional: a questão é sempre que fluxos devem estar conectados ao sistema internacional, e como, e que fluxos devem estar desconectados, e como.

Nada está alguma vez resolvido nesta área: por exemplo, a Malásia de Mahathir bin Mohamad reintroduziu controlos de capitais nos contextos de crise do final dos anos noventa e ainda de Consenso de Washington, perante a consternação de muitos economistas convencionais e das tais organizações internacionais por estes povoadas, como o FMI, saindo-se bem com essa heresia. Hoje, o FMI, pelo menos em teoria, está mais aberto a reconhecer as virtudes dos controlos de capitais em algumas circunstâncias, contribuindo para aquilo que Ilene Grabel apodou de incoerência produtiva nesta área (na UE é só, por desenho institucional favorável à circulação irrestrita, coerência improdutiva ou não tivesse esta resgatado o Consenso de Washington...). No resto do sudeste asiático tivemos também a mobilização de outros instrumentos de política, como a taxa de câmbio, e a neo-mercantilista acumulação de reservas, através da geração de superávites de balança corrente no novo milénio, uma espécie de seguro, em dólares, contra o risco financeiro internacional, uma espécie de tributo aos EUA, detentores do mais próximo que existe a uma moeda mundial, financiados a baixas taxas de juro na sua própria moeda, o que faz toda a diferença na gestão da dívida externa. Sim, ainda há privilégios exorbitantes.

5 comentários:

Aleixo disse...

O problema está nos...
" mais papistas, que o Papa! "

Unabomber disse...

"(...) e a neo-mercantilista acumulação de reservas, através da geração de superávites de balança corrente no novo milénio, uma espécie de seguro, em dólares, contra o risco financeiro internacional (...)"

- Se Portugal voltar ao escudinho (conforme alguns defendem) também terá de gerar no minimo equilibrios de balança corrente para não ter de recorrer novamente ao FMI. E, quanto a isso ficam aqui umas frases de R,Cabral:
"Entre 2012 e 2016, Portugal registou uma balança de bens e serviços equilibrada ou excedentária, “feito” sem precedentes em, pelo menos, DUAS centenas de anos.
Este resultado é, como já referi anteriormente, uma consequência do colete de forças que foi aplicado à economia portuguesa, mas também, em cerca de 5,3 p.p. do PIB, da queda do preço do petróleo e da melhoria da balança do turismo entre 2008 e 2016."
.....
"A estrutura produtiva da economia, que explica a forte dependência de importações, não muda de um ano para o outro e, sobretudo, não muda com austeridade. (...)"

R.B. NorTør disse...

Sendo certo que não há vontade política para tal, na teoria não há espaço para um Euro fechado sobre si mesmo e não aberto ao Mundo?

Anónimo disse...

"Escudinho"?

Já percebemos do que a casa gasta

Anónimo disse...

Alemanha explora crise grega para melhorar contas pública

A Alemanha já lucrou, pelo menos, 1,34 mil milhões de euros com a dívida grega, de acordo com a edição em inglês do jornal germânico Handelsblatt.
O valor resulta da soma dos juros pagos pela Grécia pelos empréstimos concedidos pelo banco estatal alemão KfW, em 2010, e da parcela germânica dos lucros do Banco Central Europeu (BCE) com os programas de compra de dívidas soberanas.

Os dados foram confirmados pelo Ministério das Finanças alemão, em resposta a uma questão de um parlamentar. O governo de Angela Merkel tem sido acusado, interna e externamente, de lucrar com a crise económica e financeira de vários países europeus (como a Grécia, mas também Portugal), e, assim, manter saldos orçamentais positivos. Desde 2014 que o país regista um superávite orçamental.

A maior fatia da dívida pública grega está nas mãos do BCE e a Alemanha é o país a quem corresponde o valor mais elevado. Dos 240 mil milhões de euros de dívida pública grega assumida por Bruxelas e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 30% corresponde à parcela germânica.

Os programas de compra de dívidas soberanas têm gerado avultados lucros, que deveriam ser distribuídos pelos países emitentes de dívida: no caso dos lucros com a dívida grega, o valor deveria ser entregue à Grécia. No entanto, de acordo com as regras de Bruxelas, como o governo helénico do Syriza negociou um terceiro programa de «resgate» financeiro, essas transferências foram suspensas.

A dívida publica grega corresponde a cerca de 180% do produto interno bruto (PIB) do país, um valor que é considerado «insustentável» pelo FMI. Por outro lado, a União Europeia (com o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, à cabeça) tem repetido exigências de mais cortes na despesa pública, enquanto os recusa em relação à dívida pública."

Abrilabril