2. Ora, comparando os resultados destas eleições com os registados nas legislativas de 2011, constata-se que a coligação governamental sofre uma pesada derrota, sem que o PS dela propriamente beneficie (dado que o aumento da expressão eleitoral no Partido Socialista é de apenas 4%). Na verdade, é o voto nos «outros partidos» (que quadriplicam, no seu conjunto, o peso eleitoral obtido em 2011), no PCP/PEV (com um aumento de 5 pontos percentuais) e os votos brancos e nulos (que duplicam percentualmente o seu significado), que recolhe os despojos do desaire da direita nas eleições do passado domingo (registando o BE uma ligeira descida face a 2011, que o mantém no exíguo score de 5%).
4. E depois há, obviamente, a abstenção, que sendo em regra mais elevada em eleições europeias, não deixa de espelhar também a descrença face aos partidos do «arco da governação», reforçada pela percepção da inexistência de alternativas eleitoralmente viáveis ao PS e PSD/PP. De facto, a abstenção do passado domingo é de tal modo expressiva (66%, que comparam com os 42% registados nas legislativas de 2011), que mesmo os partidos que sobem percentualmente o seu score eleitoral o fazem perdendo votos. Aliás, apenas os «outros partidos» no seu conjunto, e os «brancos e nulos», conseguem somar de facto mais votos entre 2011 e 2014.
5. Façamos pois um exercício e imaginemos que estas europeias registaram um nível de participação eleitoral igual ao das legislativas de 2011 (ou seja, cerca de 5,6 milhões votos expressos e não os 3,3 que de facto se verificaram). Isto é, consideremos por momentos, ponderando os resultados de domingo passado, que a abstenção não tinha aumentado entre 2011 e 2014. Nesse cenário, como demonstra o gráfico seguinte, conclui-se uma vez mais que seria a votação nos «outros partidos» que aumentava de modo ainda mais significativo (650 mil votos), registando acréscimos comparativamente menores a votação no PCP/PEV e no PS (e entrando já no negativo o BE e, de modo abissal, a coligação de direita, com menos 1,2 milhões de votos entre os dois sufrágios).
6. A assinalável deslocação de votos para os pequenos partidos, sem representação parlamentar (e que se concentra, em especial, no MPT, Livre e PAN), torna-se portanto num dos dados mais relevantes do acto eleitoral do passado domingo. Não por acaso, aliás (e decerto igualmente preocupado com a possibilidade de António Costa vir a liderar o Partido Socialista), Miguel Relvas já veio a terreno sugerir que este é o momento em que «o PSD deve liderar uma profunda reforma do sistema político», tendo em vista - vejam bem - voltar a «motivar uma cidadania activa e participativa».
14 comentários:
Mais que o “wishfull thinking” dos comentadores e interessados em serviço, os resultados e a sua análise falam por si. Concordo com a análise, o resto é conversa.
Mas afinal quem é que não tem nada de subustantivamente diferente para oferecer ao País? António José Seguro ou o PS no seu todo? O problema que esta análise não coloca é que no contexto europeu de penalização dos partidos de poder - com excepção da CDU de Merkel - o resultado do PS português é dissonante pela positiva. Apesar da memória bem viva dos tempos em que Socrates governou e do trajecto e das responsabilidades na promoção da desigualdade que então se acentuou na sociedade portuguesa, o PS conseguiu resistir. Falta de uma alternativa de esquerda que consiga afirmar-se no País.
Não fora a percepção...da realidade, e tudo seria diferente.
Quando quem defende a saída do euro pode invocar ser oposição à desvalorização salarial, está lançado o fundamento de um qualquer carnaval de pensamento político convertido em votos!
Só o Miguel Relvas e o Passos Coelho (com aquela da despesas social nunca ter sido tão elevada(este gajo goza com o pagode e esta gente ainda lhes dá 27,7% ?), é que nos conseguem fazer rir.
Estes fulaninhos ainda não conseguiram entender(são estupidos todos os dias ó quê?)que as esmagadora maioria das pessoas o que querem é ve-los pelas costas e que desapareçam.?
Ó Passos Coelho, Paulo Portas e Cª Lda, façam-nos esse favor e vão morrer longe.
Esta análise tem um grave defeito. Compara, de modo bastante acrítico, legislativas com europeias (eleições para o Parlamento Europeu).
Não se pode fazer isto, pelo menos de modo tão leviano. Desde logo, mas não só, por duas razões: a abstenção e o voto útil. Há outras boas razões, mas ficava-me por estas.
A abstenção é muitíssimo superior nas europeias (66% a 25 de Maio) do que nas legislativas (42% em 2011). É errado considerar que um possível acréscimo de votantes se faria segundo as proporções daqueles que votaram no domingo.
Forças políticas como a CDU, cujo esplêndido resultado me anima e saúdo, com um núcleo duro de eleitorado mais organizado e mobilizável (mais "militante"), são menos prejudicadas pela enorme abstenção e ficam, provavelmente, sobre-representadas.
Isto não nega que, dado que a abstenção, e sobretudo a abstenção real, descontados mortos e emigrados, foi semelhante à de há cinco anos, que tenha havido um progresso eleitoral real assinalável da força política que saudei. O que seria extremamente duvidoso é que, com bastante menor abstenção, como numas legislativas, tivesse alcançado, ainda que sem dúvida com crescimento, uma percentagem tão alta. Fatores como a recente emigração forçada massiva de trabalhadores, atingidos pela política do governo, que reforçariam eventualmente a sua votação, não se corrigirão em breve.
O muitíssimo maior investimento dos partidos da burguesia, dos partidos da política de direita, dos partidos do "arco da troika", PS, PSD e CDS, nas eleições legislativas contribui igualmente para diminuir a abstenção em desfavor de forças à esquerda (especialmente do BE, mas também da CDU).
Outra grande razão para a incorreção da comparação entre legislativas e europeias é o voto útil, que é de tal forma atenuado nestas em relação a aquelas que se pode dizer que não existe.
Infelizmente, e falando já do futuro, o eleitorado à esquerda do PS será confrontado nas legislativas com uma fortíssima pressão para votar no PS de modo a desalojar do governo a coligação PSD/CDS. Pior ainda, como tudo será apresentado, não como a eleição de deputados que realmente é, mas como uma eleição de chefes de governo, significativos setores do eleitorado de esquerda tenderão a oferecer o seu voto ao partido socialista, pois verão no seu secretário-geral (provavelmente António Costa, nisso bastante mais perigoso que Seguro) a única possibilidade de desalojar esse mal maior do Passos Coelho.
Extrapolações mecânicas e comparações entre os resultados de eleições com natureza e condicionalismos tão diferentes não são razoáveis e sugerem provavelmente conclusões muito deslocadas da realidade.
Será preciso lembrar que em 2009, entre umas europeias (com abstenção de 63%) e umas legislativas (com abstenção de 40%) com apenas três meses e três semanas de intervalo, o PS passou de uma severíssima derrota eleitoral com 26,5% dos votos para uma vitória relativamente folgada com 36,6%?
Essa eleição de 2009 não foi a que 'coincidiu' com um aumento de 6% (?!) aos funcionários públicos?
Brilhante mais uma vez o artigo, parabéns.
Só me ocorre um comentário, ha 40 anos que o povo mete moeda numa jukebox q esta condicionada à partida, e quando trocam o disco a música acaba por ser a mesma, evidentemente que com a jukebox viciada cada vez sao menos os q metem moeda, e ha quem meta a mao ao bolso e já nem moeda sai.
Aumento de 6% dos funcionários públicos? Este José prova a sua má-fé!
Ó chico-esperto, a ? serve para quê? Mas que coincidiu é sem dúvida, e que a seguir tirou é sem dúvida também.
Para melhorar a análise, era interessante meter no 1.o gráfico a % BE+Livre+MAS, que nas legislativas de 2009 estavam congregados no BE.
I.e., o "núcleo duro" do BE manteve a %, com mais 2,5 p% para Livre e MAS.
"Chico-esperto" não é o termo mais adequado para responder a José M. Sousa.
Tanto mais que este último tem inteira razão.Falar em aumentos salariais de 6% (com ou sem pontos de interrogação à chico-esperto)é manifestamente má fé.
De
Só a má-fé ou os abstrusos interesses partidários poderão desvirtuar a única leitura possível dos resultados eleitorais, que inequivocamente demonstram que a atual estrutura do poder político se encontra desajustada em relação à realidade social do país.Os eleitores chumbaram (e de que maneira) a coligação governamental, e enviaram um recado esclarecedor ao PS de A. J. Seguro, negando-lhe a possibilidade de ser uma alternativa credível.O PS ganhou as eleições, apenas pela lógica da aritmética, mas saiu derrotado politicamente, porque não foi o seu minguado resultado eleitoral a ditar a hecatombe do PSD/CDS. Se estas eleições tivessem sido umas eleições legislativas, eu pergunto com quem o PS iria aliar-se, para formar um governo sustentável? Com o PSD?
Eu sei, ou,pelo menos, presumo, que A.J. Seguro já contentar-se-ia em obter apenas mais um voto do que o PSD nas próximas eleições legislativas, o que lhe daria a oportunidade de ser primeiro-ministro, formando uma aliança com aquele partido, solução que até agradaria aos mercados, à Merkel e às instituições da troika. Daí, o seu apego ao cargo de secretário-geral do PS. Daí, a sua teimosia em considerar que o PS teve uma grande vitória nas últimas eleições.Mas aquele desejo secreto de Seguro não será, certamente, partilhado pelos militantes do PS. Espero...
A democracia torna-se um circo quando a demagogia é legitimada e a política é medida em termos de 'contentamento' e os eleitores são convocados a manifestar o seu 'descontentamento'!
Acerto e desacerto de políticas alternativas não são propostos à avaliação dos eleitores.
Definir a «realidade social do país» em termos de 'descontentamento' é o meio correcto de avaliar o sucesso do circo.
A democracia torna-se um circo quando se fazem afirmações que revelam má-fé como argumento para uso político duvidoso.
A democracia torna-se um circo quando a demagogia é legitimada, quando se agridem outros órgãos de soberania, quando se mente e manipula de acordo com pretextos duvidosos de duvidosos exercícios linguísticos .
A democracia torna-se um circo e um circo perigoso quando se pretende que os eleitores só possam mostrar o seu "contentamento " perante o sacrifício do exercício governamental levado a cabo por meritocratas saídos das fileiras troikistas neoliberais saudosos dos tempos em que não era possível mostrar qualquer descontentamento.
Tentar tapar a realidade social do país de forma a ocultar qualquer descontentamento é o meio correcto usado por alguns para voltar por exemplo aos idos anos do fascismo.
Impedir que tais tempos voltem seja em nome de circos temporários ou de grilhetas permanente deverá ser o objectivo democrático de qualquer de nós
De
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