As declarações de Cavaco, acusando os que defendem nacionalmente que a dívida é insustentável, e que por isso tem de ser reestruturada, de masoquismo, são sádicas, ou melhor, sadomonetaristas. Servem para preparar mais sacrifícios, que recairão sobre os mesmos de sempre. A autoavaliação da troika está aí e as exigências de austeridade pelo lado mais recessivo - o da despesa - também. As declarações confirmam, pela enésima vez, que, para Cavaco, a autoridade política reside na troika: afinal de contas, se os credores e os seus representantes políticos dizem que a dívida é sustentável, então a dívida é sustentável, considera um dos principais responsáveis pela perda de independência do país no decisivo campo da política económica, um dos principais responsáveis pela adesão à UEM, o princípio da acumulação de uma dívida externa, pública e privada, recorde. Para Cavaco, não importa a trajectória de uma dívida pública que não é soberana, o seu crescimento, a obra de uma austeridade necessariamente recessiva.
Reparem que os credores têm todo o interesse em dizer que a dívida é sustentável, em intensificar a punção dos devedores, garantindo que estes pagam o máximo que conseguirem, quaisquer que sejam os sacrifícios envolvidos. Evitar, adiar e minimizar perdas com reestruturações é do seu interesse, como estamos fartos de saber. Os devedores têm interesses contrários. Também estamos fartos de saber que, de Belém a São Bento, a direita tem usado a pressão externa, num país que perdeu os instrumentos de condução de uma política minimamente soberana, para operar uma decisiva e estrutural alteração da correlação das forças sociais, impossível de obter noutras circunstâncias. Percebem que transferir cada vez mais recursos de baixo para cima exige que sejam também transferidos cada vez mais recursos de dentro para fora.
Por isso, é verdadeiramente confrangedor ver os intelectuais engraçados da direita, como João Miguel Tavares, ensaiar uma defesa do patriotismo e da independência nacional à Portas ontem no Público. Por favor. No euro, sem soberania monetária, com este colete-de-forças, das enviesadas regras do mercado interno aos tratados da austeridade permanente, sem centros de decisão económica, o que pressupõe propriedade do Estado sobre empresas vitais, sem instrumentos de política económica, numa região a que só por hábito enraizado podemos ainda chamar de país neste campo? A direita portuguesa não tem condições objectivas para tal passo patriótico, dado que a sua política atenta contra os interesses da maioria dos que aqui vivem e contras as instituições, dos correios ao SNS, que fazem uma comunidade política digna desse nome, dado que a sua política depende da tutela externa permanente, chame-se troika ou não.
A defesa da soberania democrática, a recuperação dos instrumentos de política, económica e não só, que lhe dão densidade material, a protecção das instituições de que um país é feito, a sua constituição, o patriotismo consequente, exigem uma política ancorada à esquerda e que una os mais amplos sectores sociais. Exigem uma política que comece por recusar os ditames da troika. A oportunidade está aí para quem a saiba aproveitar. Mais objectivamente antipatriótico do que Cavaco e a sua tropa-fandanga governamental é difícil.
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9 comentários:
Pode dar-me um sinónimo de "intelectual engraçado"?
Penso que escrever o nome de João Miguel Tavares só desprestigia este seu texto.
Pois...
...como é possível um personagem destes, chegar a presidente da república??? (...mesmo com letra minúscula! )
...é verdade que o povo não aprende mas, vir este personagem de Boliqueime, tratar-me como atrasado mental...!
...e a Esquerda,vai levar muito tempo a concluir, que não poderá respeitar a vontade do Povo,se alienar a Soberania?!
...estão a repetir o filme, da história da "Constituição Europeia" !
...sabe Deus cá em casa...quanto mais na Europa!!!
miguel esteves cardoso é um intelectual engraçado, embora me pareça que pensando o que pensa devia votar à esquerda e não naquele seu muito irrevogável aamigo.
já jm tavares, nem intelectual, nem engraçado. Deixei de ver o Governo sombra por isso, o engraçado que lá há, já há muito que não faz o trabalho de casa. Limita-se a repetir o que escreveu na Visão, em vez de se preparar.
E que esquerda será patriota?O pcp enche a boca de patriotismo depois de ter entregue parte de Portugal(e não foi todo porque não o permitiram alguns)a moscovo e afins?O ps que aderiu ao mercado para iludir as massas e que fala contra o sistema na oposição?O bloco dos fracturantes e anti-piropos?Só há uma medida patriota(já agora deixem acabar o tempo da troika assim como assim)que é fechar o parlamento(e limpar o palácio de belem) para desinfestação!
Muito bem, João Rodrigues.
As contradições da Direita estão perfeitamente retratadas.
Há que porfiar agora em combater também as contradições à Esquerda, aqui claramente apontadas em alguns comentários.
Porque o que está hoje em causa na Esquerda não é a sua razão, que já quase ninguém põe em causa, mas precisamente a sua credibilidade.
Ó Ricardo, de esquerda e patriótico já vi que só você.!
Temos homem.
Ao J.M.Tavares, recomendo que cresça e apareça e que faça uma lavagem ao seu reportório que já está muito gasto.
Também deixei de ver o Governo Sombra e de ler a Visão. Não é por nada mas ver e ouvir o fulano faz-me urticária.
Acho que já é tempo de se dizer em voz muito alta que Cavaco foi o maior desastre que aconteceu ao país , desde os anos 80.
Se o país está como está em muito lhe deve bem como aos seus 40 ladrões.
Mais um texto extraordinário do João Rodrigues! E a imagem está especialmente bem escolhida e bem enquadrada! :D Excelente! Continuamos a Luta!
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