Chamam-lhe “seguro”, “programa cautelar”, “regresso aos mercados”, ”pós-troika”, etc. A ideia é simples. A União Europeia dotou-se de um fundo de 500 mil milhões de euros, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), através do qual futuros resgates seriam financiados. Além disso, este fundo está disponível a apoiar o acesso dos Estados aos mercados através de compras directas ou em mercado secundário de títulos de dívida de cada Estado. A ideia por detrás deste mecanismo de apoio é garantir o financiamento dos Estados a taxas de juro consideradas razoáveis no mercado. Não adiantará a um investidor em dívida pública europeia exigir taxas de juro muito elevadas já que, nesse caso, o MEE actuará como substituto a taxas mais baixas. Na prática, esta é uma forma de mutualização da dívida. Contudo, tem vários senãos. O primeiro está na condicionalidade imposta aos Estados que necessitem de ajuda. Trocado por miúdos, os Estados europeus só acedem a este apoio em troca de memorando de compromisso. É o que já acontece em Espanha, onde a recapitalização da banca foi financiada por este fundo. Em Portugal, sabemos bem o que isso quer dizer: imposição cega de uma austeridade contraproducente. Recuperar soberania é uma miragem neste contexto.
Mas com isto o FMI vai-se embora e teremos uma austeridade mais ligeira, não? Não. Segundo o próprio MEE, a assistência do FMI será sempre solicitada nestes programas. De qualquer forma, é sabido que, dentro da troika, o FMI é o “polícia bom”, mais preocupado com a balança de pagamentos nacional do que com o défice orçamental e a dívida pública. Qual a relação entre o MEE e o programa anunciado, mas não testado, de compras ilimitadas do BCE em mercado secundário (as famosas OMT)? Um dos problemas do MEE é o fraco poder financeiro para fazer frente a uma crise em economias como a espanhola ou a italiana, cujas dívidas soberanas facilmente esgotariam os fundos necessários. A anunciada intervenção do BCE – esta sim uma instituição com o músculo financeiro para socorrer países grandes - serviu assim para apaziguar os mercados em relação a estes dois países e não em relação a Portugal, Grécia ou Irlanda.
Se há um mecanismo pronto a financiar-nos e estando nós a cumprir à risca o programa imposto pela UE, porquê tanta discussão entre a possibilidade de um segundo resgate e o programa cautelar? Aqui a coisa complica-se. Devido ao fraco poder financeiro deste fundo, os Estados terão que obter financiamento em mercado. Nos casos de Portugal e Irlanda, este será necessariamente a taxas de juro mais elevadas do que aquelas agora praticadas nos empréstimos da troika. No caso da Irlanda, com uma dívida mais baixa e com perfil mais sustentável do que a nossa, este encarecimento da dívida poderá não se traduzir num entendimento de que a sua dívida está numa trajectória insustentável. Em Portugal, o caso é bastante mais complicado. A intervenção do MEE poderá diminuir as taxas de juro agora praticadas no mercado secundário, ainda que serão sempre mais elevadas do que o actual empréstimo da troika. Convém, contudo, lembrar que vivemos num contexto de taxas de juro internacionais historicamente baixas. Qualquer evolução da economia internacional e reversão da actual política monetária, como a que foi anunciada nos EUA, traduz-se num aumento generalizado das taxas de juro. Ou seja, os juros a que o MEE se financia nos mercados tenderão a subir, reduzindo a margem de pressão que poderá exercer sobre os juros cobrados a um país como Portugal. Daí que a hipótese de segundo resgate não possa estar totalmente fora da mesa. Nesse caso, a julgar pelo exemplo grego, a austeridade será agravada.
De qualquer forma, o que importa sublinhar é que tudo isto não depende dos mercados, mas de decisões políticas europeias. A imposição de austeridade, a não intervenção do BCE no caso português, o modelo condicional e limitado do MEE foram todas decisões de carácter político com o mesmo objectivo: o controlo e fustigação orçamentais da periferia europeia por forma a salvaguardar os interesses dos credores. Hoje, no quadro europeu estamos assim perante diferentes versões da austeridade permanente. Só confronto e ruptura com este modelo poderá devolver a esperança ao nosso país e à Europa.
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3 comentários:
Comentário ao primeiro parágrafo: o Nuno Teles quereria porventura uma mutualização da dívida na qual não houvesse ingerência externa? O Nuno Teles considera que tal seria possível? Acredita que algum benemérito estrangeiro aceitaria estar a mutualizar dívida com portugueses que não controla?
Concordo inteiramente quando diz que é necessária uma Ruptura com este Modelo!
Caro Luís Lavoura,
Não acredito que seja possível e também não acredito que os nossos credores sejam beneméritos. No entanto, não é difícil imaginar a mutualização da dívida no quadro de um federalismo europeu aprofundado com instituições europeias eleitas a definirem regras partilhadas e não um quadro de imposição de uns países aos outros. Daí o sentido do meu parágrafo.
Mas, voltando ao princípio, não acredito que isto seja possível. Logo, dado a história europeia recente, não acho que a mutualização seja desejável.
Cumprimentos
nuno
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