Uma coisa que a crise de 2007-? tem deixado clara é que a
aparência das crises económicas difere da sua substância. Tal como o João
Rodrigues acaba de referir, e tal como tem sido também explicado, nas suas
diversas vertentes e com algumas variantes, por analistas como Krugman, Keen ou Lapavitsas e associados, esta é, fundamentalmente: i) uma crise económica e não apenas financeira, causada em última
instância pela retracção da procura agregada, de que os episódios financeiros
(incluindo a crise das dívidas soberanas) são um sintoma e não a causa; ii) uma
crise que é principalmente das economias capitalistas avançadas ‘ocidentais’, que
se tem estendido às restantes sub-regiões da economia mundial por via de diversos
canais de transmissão mas que não é delas originária; iii) uma crise causada
pela súbita e descoordenada contracção da procura na sequência da acumulação de
dívida privada a níveis insustentáveis; e iv) logo, verdadeiramente uma crise
do neoliberalismo, na medida em que a acumulação insustentável de dívida
privada não foi mais do que uma consequência da tentativa de manutenção de níveis
relativos de consumo (e, tantas vezes, da simples satisfação de necessidades básicas, em áreas como a saúde, a educação ou a habitação, cuja satisfação deveria ser integralmente socializada) num contexto de compressão neoliberal dos salários directos e
indirectos ao longo de três décadas.
Não é uma crise que, nos seus diversos episódios, tenha sido
simplesmente causada pela irresponsabilidade dos segmentos mais pobres da
população norte-americana na contracção de empréstimos à habitação; pela irresponsabilidade
fiscal dos governos da periferia europeia; ou sequer pela desregulação
financeira e pela explosão de bizantinos instrumentos derivados, por mais que
estes últimos amplifiquem o potencial destrutivo multiplicador dos momentos agudos da crise. Os empréstimos sub-prime norte-americanos e a dívida soberana da
periferia da zona euro são apenas os elos mais fracos nos quais ocorrem as
rupturas. Estamos realmente perante a crise de um modelo socioeconómico, a crise de um modo de regulação – pelo
que as tentativas a que assistimos de ultrapassá-la através de doses
reforçadas do mesmo receituário estão, necessariamente, votadas ao fracasso. O
problema é que este fracasso, pelo menos no curto e médio prazo, augura muito pouco de
positivo.
5 comentários:
De acordo e não deixa de ser extraordinária a forma como o debate centra-se numa suposta falência do estado social, ou a sua inevitável falência.
Como escreveu Pynchon: "If they can get you asking the wrong questions, they don't have to worry about answers."
http://novaordemglobal.blogspot.com/2011/12/o-fmi-estuprando-o-mundo-uma-nacao.html
Não há alternativas macroeconómicas nacionais. Em termos de um só país apenas o despojamento e a solidariedade podem funcionar.
A única alternativa macroeconómica é mundial e passa por regras mundiais ficasi e sociais unifomes. De outro modo, o capital, qual raposa voraz, passa pelos buracos do galinheiro e come as galinhas que estiverem mais a jeito.
Discutir soluções ao nível de Portugal ou mesmo da União Europeia é condenar estas economias à história da URSS (esta apenas caiu porque os seus sistemas sociais eram incompatíveis com o tipo de gestão económica que aí existia). Mesmo que a realidade econóimica da URSS e da Europa (e dos EUA) pareçam muito diferentes, elas têm algo em comum: salários médios e protecções sociais/regimes fiscais médios superiores às do resto do mundo.
Apenas com um verdadeiro Estado Social Mundial é possível ultrapassar esta situação em que os ricos do mundo são cada vez mais ricos à custa do empobrecimento da classe média e dos pobres de todo o mundo mas sobretudo dos países desenvolvidos.
Bom Ano!...
e bom trabalho.
Muito do que se passou decorre da inimputabilidade dos banqueiros protegidos pelo "moral hazard".
Tirem-lhe essa rede e terão o problema do sistema financeiro resolvido.
Não é fácil, pois não.
Mas é mais difícil se se continuar a atirar para alvos errados.
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