domingo, 11 de dezembro de 2011

Da estupidez

O défice depende fundamentalmente do andamento da economia e por isso não faz qualquer sentido inscrever na lei um valor para esta “variável endógena”. E muito menos um valor para o défice estrutural, cujo cálculo é bastante controverso, de 0,5% do PIB, o que obrigará todos os países europeus a enveredar por políticas de austeridade permanente. No actual contexto, tal acção é sinonimo de depressão. A história mostra que crise após crise, estagnação após estagnação, bolha após bolha, crescimento fulgurante após crescimento fulgurante, a posição das finanças públicas numa economia capitalista avançada é sobretudo o reverso do andamento interno e externo da economia dita privada, dependendo também, mas em menor grau, da capacidade de ir contrariando o ineficiente e injusto “Estado fiscal de classe”. Um Estado que esta integração europeia tem aliás promovido, graças à libertinagem dos capitais que favoreceu.

Basta pensar que a Alemanha, nos últimos dez anos, não conseguiu cumprir a tal regra dita de ouro, devido à sua medíocre performance económica, idêntica à portuguesa entre 1999 e 2007. As dinâmicas Espanha e Irlanda, por exemplo, tiveram superávites orçamentais na borbulhante fase ascendente do seu ciclo económico, antes de 2007, e foram muito elogiadas por isso, pela sua disciplina e tal. A incensada e muito liberal Irlanda tinha assim uma dívida pública de 25% do PIB, em 2007, mas viu-a mais do que triplicar nos últimos depressivos anos de rebentamento bancário, enquanto que a Espanha, onde era pouco mais do que 30%, assistiu à sua duplicação.

Se há país que ilustra na perfeição a natureza cíclica da posição das finanças públicas numa economia capitalista é mesmo a Espanha. Os excedentes orçamentais e a dívida pública baixa foram a tradução da economia do tijolo alimentada pelo endividamento privado e pelos fluxos de capitais europeus. Os défices, a partir de 2008, e a duplicação da dívida pública, foram a inevitável tradução do rebentamento da bolha imobiliária, da fragilidade financeira e do esforço dos privados para reequilibrarem os seus balanços, gerando quebras das receitas fiscais. Já em Portugal, estagnado antes da grande recessão, mas com um défice abaixo dos 3%, obtido graças a políticas que não ajudaram ao crescimento, o aumento subsequente do défice foi também resultado do afundamento económico, com a consequente acção dos estabilizadores automáticos - da quebra das receitas fiscais ao aumento de algumas despesas.

Que dizer mais? Repetir que o plano inclinado da austeridade mina o crescimento e o emprego, de que depende em grande medida a almejada “consolidação” das finanças públicas, e que as elites erram sistematicamente no sentido da causalidade, porque o crescimento é uma condição para finanças públicas ditas sãs e não o contrário, e que esse crescimento requer investimento público e privado? Repetir pela enésima vez duas mensagens básicas – o governo pode controlar a despesa e assim cortar nos rendimentos e na procura, mas não controla o défice; o momento para resolver o problema das finanças é a fase ascendente do ciclo económico capitalista, fase que com esta austeridade corre o risco de não chegar? Não adianta perante o moralismo reinante. Esta fixação obtusa com os défices orçamentais não tem qualquer fundamento, já se sabe: trata-se apenas de um mau pretexto para reduzir os salários directos e indirectos da maioria. Há muita classe neste moralismo.

Do ponto de vista da social-democracia, a aceitação das taras ordoliberais das elites alemãs e dos seus lacaios nacionais é incompreensível. Tem a palavra João Pinto e Castro: “A única coisa que nesta circunstância parece ocupar a cabeça do PS de Seguro é saber se a limitação do défice a um máximo de 0,5% do PIB (porque não, como seria mais correcto, do PNB?) deve ser plasmada na Constituição ou numa mera lei ordinária. 
Poderemos concluir daqui que o PS está de acordo com o princípio em si mesmo, visto que desta vez não pode desculpar-se com os compromissos assumidos com a troika.
 Ora tanto a ideia de fixar limites legais ao défice como a de aplicar sanções automáticas a quem os ultrapassar são estúpidas.” Se o PEC já era estúpido…

1 comentário:

João Carlos Graça disse...

Caro João
É claro que "há muita classe neste moralismo", mas de facto ele não é completamente "estúpido". Pelo menos em parte, a crise é induzida de forma deliberada. Estamos a assistir a verdadeiro terrorismo "desde arriba"; mas não é "de Estado", é contra os Estados.
Veja sff o que o Mark Weisbrot escreve aqui: http://www.counterpunch.org/2011/12/07/austerity-for-europe/
"...the ECB... is prolonging the crisis in order to force “reforms” — such as raising the retirement age, cutting spending, privatizations, even EU control over national budgets – that most Europeans would never vote for.
That is why the eurozone crisis is far from over: not because of the difficulties of governance with 17 countries. It’s because the ECB and its allies don’t really want to resolve the crisis as much as they want these unpopular «reforms»"