O Banco Central Europeu emprestou à banca europeia, na semana passada, 489 mil milhões de euros, em cedências de liquidez que chegam a 3 anos (normalmente o BCE só empresta a curto prazo), a taxas de juro baixas. Esta operação de grande porte tem muitas implicações para o desenrolar da crise europeia, em particular, e os meandros da política monetária, em geral. Ficam algumas notas:
1- Estes empréstimos nascem da necessidade da banca se refinanciar. Os mercados interbancários estão congelados devido à desconfiança reinante. Face às obrigações financeiras da banca, sem esta cedência de liquidez, arriscávamos uma torrente de falências bancárias no espaço europeu.
2- Esta moeda, criada do nada, não terá, provavelmente, grandes efeitos na economia real. Face às necessidades de refinanciamento da e das obrigações no que toca ao aumento de rácios de capital, a banca europeia provavelmente ficará “sentada em cima” destes empréstimos, substituindo os seus empréstimos junto de agentes privados, por empréstimos públicos (o BCE). O mercado não funciona, logo voltamos ao planeamento neoliberal (em proveito de actores privados).
3- A pressão política, nomeadamente a francesa, é para a banca se servir deste financiamento para, por sua vez, financiar os estados através da compra de dívida pública. O negócio é prometedor, o financiamento público é barato e o endividamento caro. Esta fonte de lucros serviria para a banca compor os seus balanços, tornando-se mais lucrativa. A existência do tal “efeito cascata” é, no entanto, uma incógnita.
4- Os mercados reagiram com alívio a este financiamento. Se por um lado, ele é a prova da fragilidade do sector bancário europeu, por outro, não só as necessidades de financiamento estão resolvidas no curto prazo, como é prova de solvabilidade a quantidade de colateral (os activos usados como garantia) que os bancos conseguiram mobilizar. No entanto, embora esta operação tenha alguns limites quanto aos activos que podem ser usados como garantia, é notório um relaxamento dos critérios do BCE. Parece “quantitative easing”, cheira a “quantitative easing”, mas não é “quantitative easing”…
5- O balanço do BCE tem crescido a olhos vistos (ver gráfico abaixo), o que se traduz em criação monetária injectada pelo poder público. A bazooka que se pedia para os Estados, recusada pela direcção deste banco, é construída para a banca privada. Os impactos desta nova linha de financiamento no seu balanço serão aparentemente mitigados, mas os limites de intervenção do banco central vão sendo testados. Será que o BCE vai precisar de ser recapitalizado? Quem é que paga a conta?
6- Concluindo, os poderes europeus têm sido eficazes na defesa do seu sector bancário, não o deixando cair. Já em relação à economia europeia (em recessão e com mais austeridade anunciada) e ao financiamento estatal (não existem instrumentos financeiros para resgatar países como a Itália) continuamos no arame… A natureza desta UE é cada vez mais clara. Pena é que a complexidade destas operações possa dificultar a mobilização dos cidadãos.
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8 comentários:
Peço muita desculpa: 'milhões', como diz o texto, ou 'mil milhões', como diz o título?
Nestas coisas, digo bem?, não se pode errar...
Abc. E muito obg pelo que aqui vou aprendendo.
"Mil milhões".
Obrigado pela correcção.
Nuno Teles
Nuno,
O que é isso de recapitalizar o BCE? As perdas em moeda estrangeira são, de facto, perdas. Já as outras, as em euros, a recapitalizacao do BCE parece-me ilógica.
Abraco
Joao Galamba
Já tinha escrito sobre isso:
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/10/ha-limites-actuacao-do-bce.html
A questão é mais de economia política internacional do que de contabilidade. As moedas não são todas iguais.
abr
nuno
Expliquem-me uma coisa: como é que a Itália conseguiu financiar-se a "menos de metade", como ouvi de passagem nas tvs, em relação ao que havia acontecido na semana passada. Qual foi o milagre? Tem a ver com o BCE? Não pode isto reflectir-se nos juros pedidos a Portugal? Ou tem tudo a ver com o 1º Ministo ser Mario Monti?
Caro Paulo,
A queda do juro italiano no leilão de ontem dizia respeito a títulos de curto prazo, onde a probabilidade de default soberano é muito pequena. É provável que as injecções de liquidez do BCE tenham ajudado ao sucesso do leilão (que ainda assim paga mais de 3% a fundos que custam 1%).
De qualquer forma, no mais importante leilão de hoje , com títulos de dívida que têm uma maturidade mais longa (10 anos) as taxas de juro mantiveram-se elevadas (7%), a níveis insustentáveis.
Se houver uma descida generalizada das taxas de juro é provável que as "nossas" taxas de juro caiam também. No entanto, mesmo nesse cenário, não ´expectável que as taxas juro voltem a níveis sustentáveis.
nuno
Entendido, caro Nuno. Obrigado pelo tempo que tirou para me responder.
Mas o BCE não está proibído de emitir moeda? Onde foi arranjar esta verba?
José Fonseca
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