terça-feira, 9 de agosto de 2011

Política monetária vs Política orçamental ou como aprender com a História

As notícias vindas do outro lado do Atlântico são preocupantes. Mais do que a novela do incumprimento dos EUA com a sua dívida, ou mesmo a descida de notação da Standard and Poor’s, o que ficou de toda a discussão no congresso norte-americano em torno do aumento do limite da dívida foi uma derrota em toda a linha dos democratas (não é por acaso que houve mais votos contra o acordo vindos desta bancada). Os EUA preparam-se para enveredar, ao nível federal, na austeridade à europeia. Com a economia a desacelerar e a criação de emprego completamente estagnada - sobretudo devido ao encolher das autoridades locais e estaduais -, não é previsível que algum tipo de recuperação económica global, liderada pela maior economia mundial, venha a ter lugar. Para um país como o nosso, apostado na recuperação da crise pelas exportações (embora não se veja qualquer medida de fundo que as promova), estas são péssimas notícias.

É certo que a política monetária nos EUA é bastante diferente da europeia. As taxas de juro continuam historicamente baixas e o Banco Central (a Reserva Federal) terminou agora mais uma ronda de "quantitative easing", que se traduz na compra de activos dos bancos comerciais em troca de liquidez, na esperança que esta se transmita à economia real na forma de crédito. Este tipo de acções deve ser tomado de forma a estabilizar os mercados financeiros em situações de crise (alô BCE?), mas não é expectável que consiga promover o crescimento económico de forma sustentável por si só. Sobretudo quando lida com um sistema financeiro complexo, especulativo e disfuncional. Prova disso é o crescimento exponencial dos produtos derivados nos mercados de matérias-primas que fizeram disparar os preços destas.

Nestas escolhas existe uma clara dimensão de poder económico. A política orçamental expansionista virada para a criação de emprego, sem falar do necessário elemento de progressividade fiscal, contribui para um reequilíbrio de forças favorável aos trabalhadores. Como, aliás, se viu durante a grande depressão dos anos 30. A política monetária activista não tem os mesmos efeitos, porque os seus canais de transmissão são mais distorcidos. Com a economia a contrair do lado orçamental, não é expectável que uma política de baixos juros e injecção de liquidez tenha grandes efeitos sobre a taxa de inflação, verdadeira inimiga dos interesses financeiros, já que a capacidade produtiva utilizada está longe do seu potencial. Em vez de inflação temos bolhas especulativas nos mercados financeiros, beneficiando os responsáveis por esta crise.

Em suma, não basta reivindicar uma política monetária expansionista para a recuperação económica. Esta terá sempre de ser associada a dois outros eixos de intervenção que, reconheço, são politicamente difíceis de defender no actual contexto: 1- Recusa liminar da austeridade orçamental, ou seja, a austeridade não deve ser combatida só pelos seus evidentes efeitos socialmente regressivos. O objectivo da redução do défice deve ser, pura e simplesmente, recusado, devido aos seus efeitos recessivos qualquer que seja a modalidade política proposta (mais ou menos socialmente justa). Tal princípio não impede obviamente a defesa da racionalização dos gastos públicos, mas não a sua redução no actual contexto; 2- Refundação do sistema financeiro com a introdução de controlos de capitais, redução da oferta de produtos, e robusto controlo democrático da banca (que pode tomar várias modalidades, entre elas a nacionalização), por forma a conseguirmos ter um sistema financeiro que cumpra o seu papel primário, a afectação eficiente de capital na economia. Só assim poderemos caminhar para uma recuperação económica nos moldes da que foi encetada pelos países fortemente endividados no pós-Segunda Guerra Mundial. Economias dinamizadas por uma forte política orçamental e industrial a que se aliou uma repressão financeira e uma taxa de inflação que foram erodindo o peso da brutal dívida destes países num razoável curto espaço de tempo.

7 comentários:

Para a Posteridade e mais Além disse...

1º a grande depressão aos saltinhos chegou até 1942

e só devido ao bombardeamento da concorrência é que a crise de superprodução para os níveis de consumo existentes foi passando

o potlach militar ajudou também muito
no escoamento dos stocks de matérias primas

e na subida dos preços
nomeadamente nos agrícolas

logo fazer paralelismo de uma crise de bens com uma crise
resultante da desmaterialização

económica....é,,,enfim

Socialmente regressivo yo? disse...

1- Recusa liminar da austeridade orçamental, ou seja, a austeridade não deve ser combatida só pelos seus evidentes efeitos socialmente regressivos. O objectivo da redução do défice deve ser, pura e simplesmente, recusado, devido aos seus efeitos recessivos

resumindo expandir o défice como se fez nos últimos 37 anos
ou 50 se contarmos com a dita guerrilha colonial

é qué a receita

de resto ter renovado um parque de 60 mil fotocopiadoras em 3 anos

é que é despesa socialmente progressiva

não fossem as nossas fábricas da xerox deixarem de exportar

e aquelas máquinas de contar notas made in Malmö
que é zona suburbana do Porto

reduzir jamé...é recessivo

diminui a massa de capital disponível

para comprar chocolates Merci
made in Germany

e as restantes sobras do complexo agro-alimentar europeu

e iates que o Portinho da Arrábida
e as marinas do sotavento

pululam deles...

Anónimo disse...

http://movv.org/2011/08/09/sob​re-o-agravamento-dos-juros-na-​italia-e-espanha/

J'recuso disse...

Austeridade jamé

é preciso saber viver com a despesa que temos

diz aqui o gajo de Mercedes que imprime uns folhetos para as câmaras da CDU e do PSD algarvio

que tamém tem uma casa na Praia Verde
coisa modesta feita por ucranianos

sim estes biliões que pusemos a cimentar a economia

deram muita vitalidade económica...

eu até achava que deviamos fazer
as Olimpíadas de 2012 por cá...

Para a Posteridade e mais Além disse...

Receitas Neo-Peronistas

Diogo disse...

Santa ingenuidade! Percebe-se imediatamente que este artigo é escrito por alguém que memorizou o que lhe disseram na faculdade (e leu mais uns "clássicos" para compor o ramalhete).

Ao autor do post, dedico-lhe este documentário – para abrir lhe horizontes...

Os Mestres Do Dinheiro / The Money Masters - 1/21

sb disse...

gostaria que este comentário não redundasse num prolongar da época parva que se vê nos anteriores.

posto isto, a pergunta:

já se percebeu pelos vários posts deste blog que a solução por via da austeridade não é viável por aprofundar a crise ao recusar utilizar o estado - a coisa pública que é também o erário público - como alavanca do crescimento económico pela injecção de dinheiro na economia e posterior circulação, promovendo diminuição do desemprego, aumento dos salários, capacidade de investimento das próprias empresas na multiplicação da sua produção, investimento em novos mercados, etc, etc, etc.
obviamente, se concordarmos com esta linha de raciocínio, tal não é possível com o aumento dos juros sobre o endividamento dos países, por exemplo, no que seria uma análise muito mais vasta e complexa que não saberia fazer, mas que seria fácil de encontrar com uns aquis dos vossos posts.

mas o que não entendo - para além da crítica num comentário acima sobre a diferença entre esta crise e a da década de 30 do séc. XX (basicamente também só diz que esta diferença existe e é exactamente por isso que também não a posso entender) - como fazer para que aquela injecção de dinheiro na economia não caia em saco roto, isto se acreditarmos em wallerstein quando afirma que, simplesmente, não há mais margem de crescimento a nível global? Como fazê-lo sem, por exemplo, obrigar a china a aumentar o valor da sua moeda, por exemplo? sem combater a corrupção e fugas fiscais e roubos nalguns países com economias emergentes? e, se mesmo aí se criar uma classe média com poder compra, quanto tempo se adiaria esta crise que também resulta, na mesma linha de pensamento, da impossibilidade de crescimento para além do especulativo? e como aliar o aumento do nível de vida de, por exemplo, moçambique (um tiro no escuro da minha parte) através do investimento na agricultura sem colocar em causa a biodiversidade local e, ao mesmo tempo, torná-la capaz de competir com os subsídios à agricultura dos EUA, França, Alemanha, etc?

ou seja, há, no teu discurso, uma solução para o crescimento que até parece óbvia depois da chamada de atenção que por aqui tem sido feita. mas crescimento para onde?

espero que a pergunta não seja descabida. de qualquer forma, resulta claramente da falta de conhecimento em economia de quem a coloca.