Por detrás desta imagem, escondem-se várias histórias. A fotografia, que tem poucos dias, mostra uma fila de camiões numa das avenidas principais de Bissau. Os camiões estão carregados de castanha de caju e fazem fila durante alguns dias para transferirem a sua carga para os navios que se encontram no porto de Bissau e que depois a transportarão, maioritariamente, para a Índia.
Uma das histórias que se esconde por detrás da imagem é a da monocultura, característica que a Guiné-Bissau partilha com numerosos países africanos. Ao longo dos últimos dez anos, a castanha de caju tem representado consistentemente 80% a 95% do valor total das exportações deste país, no contexto de uma tendência de longo prazo para a diminuição do preço internacional deste produto.
Outra das histórias que aqui se esconde tem a ver com o fim gradual do campesinato de “subsistência” e a penetração da vida rural africana por parte da lógica da mercadorização: juntamente com as plantações de caju, disseminou-se também na Guiné-Bissau a partir da década de 1980 uma tendência inexorável para a mediação mercantil entre a produção e o consumo, com a expansão da produção de caju a surgir a par da redução, ao longo das últimas décadas, da produção local de arroz (base da dieta local). Nalgumas regiões, a expansão da área cultivada com cajueiros teve já como consequência o esgotamento da “fronteira natural”, sendo de prever que isso venha em breve a estar na origem de uma pressão, também ela inexorável, no sentido da mercadorização futura da própria terra (que em geral não é ainda transaccionada). Acumulação primitiva, como se diz em certos contextos.
Outra história ainda é a dos constrangimentos infraestruturais à produção no contexto de muitos países em desenvolvimento. Os camiões estão à espera devido à capacidade relativamente limitada do porto de Bissau. Analogamente, poder-se-ia falar dos constrangimentos decorrentes da rede viária limitada, da inexistência de instalações de armazenamento e conservação (especialmente nas áreas rurais) ou da impossibilidade de acesso ao crédito por parte dos produtores locais.
E a última história tem a ver com a estrutura oligopsonística das cadeias de valor da maior parte das mercadorias de exportação africanas e a sua relação com a pobreza: essas cadeias de valor são em geral dominadas por um número reduzido de grandes empresas multinacionais de importação e exportação, o que permite a estas últimas comprimir para níveis próximos do limiar de subsistência os preços pagos aos produtores locais (as famílias rurais, em geral pobres, que cultivam e apanham caju nas suas próprias parcelas de terreno).
Dependência monocultural, constrangimentos materiais e sociais à produção, transição agrária, estruturas de poder do comércio internacional. Chama-se a isto economia política – e ajuda a perceber muito melhor o mundo do que modelos bacocos ou correlações espúrias.
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10 comentários:
e a mancarra já não se cultiva
era a base da CUF a mancarra
esse óleo que nasce dentro de casca subterrânea
a monocultura surge por impossibilidade de competição
no mesmo caso o frango congelado e viajando de barco compete com a criação local
a Nigéria chega ao ponto de abater a tiro os passadores de franga glacé...grandes produtores em África foram esmagados pelo dumping da franga europeia...
logo o sem título tem muita falha
e isso de dizer que o arroz é a base da dieta...já foi
é falar com o antigo Secretário ou Ministro Dauda Sau...
sobre a mutação dos hábitos alimentares...acho que deve andar agora pela europa a não ser que...
as condições políticas tenham amelhorado
Dependência monocultural, constrangimentos materiais e sociais à produção, transição agrária, estruturas de poder do comércio internacional.
Faltou a necessidade de divisas para comprar cimento e Mercedes...mas
Nunca percebi a afinidade
Sueca-Guineense, é rápida dá origem a crias mas dura poucos anos
é devida aos constrangimentos materiais?
ou aos sociais?
ou às estruturas de phoder nos programas de ajuda alimentar e ONG's para o desenvolvimento
que diga-se de passagem ajudam muito poucochinho quem não pertence às ditas cujas...
Ajudaram mais qu'os sovietes
Os anos 90 foram bons anos
A subjugação das pessoas é o resultado visível e evidente do mundo económico e financeiro que temos, este sistema é perverso, não serve, as pessoas dão o melhor de si para a sua própria destruição, quem poderá achar isto razoável? Eu percebo que um sistema que nos permite sobreviver possa não instigar ao espírito critico mas é importante que todos, pelo menos por um momento, consigam um exercício de abstracção. Parabéns pelo post.
No pós golpe de 14 de Novembro, em que a GB e o PAIGC perderam imensos quadros que poderiam opor-se a isto, a campanha de plantio massivo de cajú começou em grande parte por pressão do FMI e Banco Mundial, que não emprestavam dinheiro sem essa contrapartida. As teorias na altura determinavam a especialização, aproveitando as mui Ricardianas "vantagens competitivas". Deu no que deu.
Por estas e por outras é que nunca a economia pode ser encarada como ciência exacta, como a querem pintar: não se aprendeu nada desde o início do séc. XIX!
Outra coisa, o cajú é como o eucalipto, empobrece o solo e não deixa que nada cresça em volta. Na Guiné falei com alguns agricultores a quem isto lhes dói, revoltam-se por não ter outra cultura viável que lhes dê a ganhar dinheiro, porque o mercado é inundado por arroz e géneros baratos do exterior (a famosa ajuda alimentar). Logo, estão encurralados e a GB vai assim caminhando para a insegurança alimentar.
O Alexandre tem toda a razão, isto é economia política. Daquela bem sacana, que advoga que pimenta no c* dos outros é refresco, não faz mal...
Alex,
Adivinha qual é o 1º resultado no google para "oligopsonística". :P
Pelos vistos o mais correcto será "oligopsonista", não é? Mas em geral diz-se estrutura ou concorrência monopolística, de onde o "oligopsonística".
Em todo o caso, obrigado pela humilhação pública, Manaças! :D
Não é humilhação nenhuma, caro Alexandre. Palavras destas, como é óbvio, dão habitualmente problemas quanto à respectiva ortografia, até porque geralmente correspondem à tradução de outras que são já elas próprias neologismos...
Quanto à substância, o seu post tem o mérito levantar questões realmente centrais e que geralmente são desprezadas. E não é só uma questão: são mesmo várias e muito diferentes.
O mesmo ou pior se passou em Moçambique , 1º produtor do mundo de caju, e de ricino, ao tempo colonial (e que condeno em absoluto) mas que neste caso da comercialização do caju/rícino constituia a única rede de comércio disseminada pelo vastíssimo território e que permitia às populações fazerem troca directa com o cantineiro que os explorava, evidentemente, mas que lhes vendia a vintena de produtos que fazem a diferença entre viver no séculos XV ou no XX: Sabão, xarope para as crianças, pneu para a bicicleta, pilha para o rádio, Tintura, aspirinas, anti-maláricos, rede mosquiteita, Chá e açucar, pano para fazer roupa, sapatos, sal, conservas e vinho de Portugal...Tudo isso desapareceu e foi substituído por comerciantes asiáticos que pagam a dinheiro toda a espécie de produtos ,dinheiro esse que para nada serve e por isso os camponeses passaram a colher apenas o caju para sua alimentação, ou morriam à fome, se não morressem de malária ou de outra coisa qq. As fábricas de descasque de caju e de embalagem encerraram e a indústria extractiva dos óleos da casca parou de laborar. Moçambique deixou de ser exportador d eproduto acabado e enlatado...Passou-se então à fase dois: Moçambique importava castanha da India para tentar manter os milhares de empregos ( aliás os únicos em muitas localidades) de mulheres para o descasque. Mas entretanto as máquinas únicas no mundo e inovadoras, concebidas pelos colonos para fazerem parte do trabalho, foram roubadas e transportadas para a India...onde descascam castanha de toda a África. Depois o produto era recomprado pelos asiáticos e o negócio mostrou ser outra ruína. Terceira e última fase: Agora nem há comerciantes asiáticos nem cantineiros portugueses nem exportação de caju ou de rícino...
E se ao caju e ao rícino recolhido pelos cantineiros se somasse o café nativo, a mandioca e o milho que era trocado e vendido, mais a lenha que chegava às cidades e o carvão que era produzido e que circulava entre as mercadorias, estava ali um embrião de uma economia e a defesa do ambiente. Passou-se à fase superior: Concederam-se terras a multinacionais para produzirem eucaliptos e a floresta nativa riquíssima em espécies nobres foi dizimada a troco de feijões, o carvão e a lenha deixaram de ser produzidos e de chegar às cidades costeiras que tiveram que destruir o mangal onde se recriam quase todas as espécies de pescado e de camarão que vai rareando nos mares por não ter lugares de desova e de recria...O neo-colonialismo em todo o seu esplendor!
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