Pelo que percebo destes posts no Canhoto e no País Relativo, nas hostes dos socialistas portugueses discute-se por estes dias se a Terceira Via deve ou não ser atirada para a fogueira da história como uma emanação do neoliberalismo (por ora caído em desgraça).
Aqui teremos sempre a dificuldade de saber o que se entende por Terceira Via: se a análise feita por Anthony Giddens no seu manifesto 'blairista' de 1998 (Por uma Terceira Via, 1998), ou se a prática dos governos de Clinton, Blair, Schoeder, etc. Não é necessário muito para, como Filipe Nunes faz no seu post, encontrar incontáveis semelhanças entre o texto de Giddens e os habituais discursos de Manuel Alegre (nos quais os ataques à Terceira Via são recorrentes...) sobre aspectos como a necessidade de regulação financeira a nível internacional, a falta de democraticidade das instituições europeias, a necessidade do Estado «ter uma intervenção directa na vida económica, enquanto primeiro empregador» (cito Giddens) , garantindo a prestação de serviços públicos em várias áreas da vida social, etc.
No entanto, como afirma Paulo Pedroso, mesmo quando acertou nos diagnósticos, a Terceira Via foi incapaz de assumir rupturas, fosse «no modelo de regulação da actividade financeira de Greenspan (não rompendo com Reagan), na camisa de forças em que permaneceram os sindicatos britânicos (não rompendo com Tatcher) ou na política monetária do BCE que sempre sacrificou o crescimento económico em nome da obsessão com a inflação (não rompendo com Kohl).»
Mas já que os socialistas democráticos estão numa época de olhar criticamente para o passado em busca de novos caminhos, sugiro que não parem em Clinton e Blair e recuem um pouco mais, por exemplo, até Dellors. É ao 'pai' do mercado interno e da moeda única europeia (e a todos os socialistas que o apoiaram, desde o Acto Único Europeu até Maastricht) e não apenas a Kohl que devemos a arquitectura de gestão macroeconómica que hoje temos na Europa. Essa que retirou aos Estados os principais instrumentos de política económica (monetária, cambial e, em larga medida, orçamental), sem garantir que seriam criados instrumentos alternativos ao nível europeu que permitissem uma gestão adequada dos cíclos económicos (em particular quando estes afectam as economias europeias de forma assimétria); essa que atribui ao BCE toda a independência para prosseguir como único objectivo o controlo dos preços, aumentando os riscos deflaccionistas e não precavendo a instabilidade financeira; essa que promove activamente a concorrência fiscal entre países, erodindo a capacidade de financiamento dos Estados Membros para prosseguirem políticas sociais e fomenta a desigualdade social; essa que virtualmente inviabiliza a instituição de standards laborais, sociais e ambientais mínimos que impeçam que a concorrência se faça pela erosão do modelo de desenvolvimento social e ambiental no seio da própria UE.
A esquerda social-democrata europeia parece ter acreditado que a seguir ao aprofundamento da integração económica na UE se seguiria a correcção dos desvios neoliberais então dominantes. O resultado foi outro. Hoje só temos federalismo no mercado interno (tendo na Comissão Europeia como garante máximo da defesa da 'concorrência livre e justa' e da limitação das políticas estatais no domínio económico) e na moeda única (com o BCE preso às orientações que se conhecem). Quanto ao resto, estamos presos ao direito de veto de uns pouco países (a começar pelo Reino Unido) sempre que alguém quiser ir mais além na construção de um modelo social à escala europeia. A facilidade com que a Estratégia de Lisboa (último esforço real que a social-democracia nos governos da UE fez para amenizar este estado de coisas) foi cooptada pela Comissão presidida por Durão Barroso (que não hesitou em utilizar a retórica de 'Lisboa' para aprofundar as 'reformas' liberais que sempre defendeu) mostra bem a dificuldade em inverter o rumo em que segue a UE.
É razão para perguntar: de que é que a social-democracia europeia se pode orgulhar nas últimas décadas? Gostaria que quando se olhasse para trás daqui a 20 anos o balanço fosse melhor.
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3 comentários:
terceira via: ou uma das formas de fazer discurso de esquerda e aplicar politicas de direita
Parabens!
Ricardo
A propósito da independência dos Bancos Centrais relativamente ao poder político:
Another sign of the new world we're living in: UK treasury officials immediately went on television to tell banks that they were expected to pass the rate cut on to their borrowers. Remember that pretty much the first thing Gordon Brown did, when he became Chancellor in 1997, was to make the Bank of England independent. But just as in the US, that independence has perforce eroded during this crisis: in a crisis, all correlations go to 1, and that includes the correlation between fiscal and monetary policy.
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