(continuação dos nº I e II)
O discurso do combate às corporações assume que o Estado se encontra no vértice da sociedade, num lugar privilegiado que permite obter a visão mais informada sobre o que está mal e lhe confere o poder de conduzir reformas (cujos efeitos interessam ao conjunto da sociedade) segundo processos de comando e controlo que regra geral se revelam profundamente inadequados. Com esta visão, o governo tem dificuldade em entender a autonomia dos actores sociais e a sua exigência de diálogo sério em tudo o que os afecta. Partindo da ideia de que as soluções que apresenta são as melhores, e no essencial não estão em discussão tendo em conta o mandato político que as sustenta, o governo cai numa atitude auto-suficiente como se dispusesse de acesso privilegiado ao conhecimento nos vários domínios. Ao mesmo tempo, revela um entendimento autoritário do funcionamento do Estado já que, pelo menos em democracia, nenhum governo deve relacionar-se com os corpos profissionais que sustentam os serviços públicos numa lógica de comando e controle, muito menos quando se pretende introduzir mudanças importantes no seu funcionamento. Contudo, tendo em conta os pressupostos implícitos na actual lógica governativa, percebe-se que a prática da democracia deliberativa esteja fora do horizonte deste governo. A democracia deliberativa pertence a outro paradigma.
(conclui amanhã)
3 comentários:
Das corporações de poderosos interesses, mas de grupos pequenos e colados ao poder político, que aprisionam o Estado ou o interesse público, pouco ou nada se fala. Estou a lembrar-me, por exemplo da ANF, da Brisa, da Mota-Engil, de 2-3 sociedades de advogados.
Contudo, para este governo “socialista moderno”, as corporações estão sobretudo nas classes profissionais de TODOS os serviços públicos. Estranho!
Se era para moralizar, não era necessário o enxovalho! O que é facto é que a táctica populista do governo parece ter dado resultados. É só olharmos para os comentários dos sites noticiosos: uma verdadeira guerra civil entre “o rotos e os nus”! Num país com salários miseráveis e com o mais baixo Salário Mínimo da Europa, não é de espantar…
Sobre este ataque às corporações, há partidos políticos hesitantes, complexados, reticentes sobre a posição a tomar...Há os oportunistas sempre à espreita; há outros que parece estarem só vocacionados para o “nicho dos nus”, de modo que têm posição mitigada. A política é os votos?
“A mudança das organizações se tece nos locais de trabalho a partir da reconstrução das relações entre pessoas e redes de pessoas em torno de uma visão partilhada sobre o sentido das respectivas tarefas”.
É evidente que este governo NUNCA mostrou nada disto, começando logo por ser quezilento! O pedido de desculpa aos professores, vindo da ME, oscila entre o cinismo e o ridículo…Entretanto, a educação pública vai levando mais rombos, há professores que se reformam, há desmotivação, pairam dúvidas sobre a qualidade que o público pode proporcionar. Uma táctica ardilosa! À medida que se abre a porta para uma Escola Pública Rasca, a privada sente a oportunidade de negócio!
Ah, sobre a avaliação de desempenho, claro que sim.
Mas, antes disso, o que me preocupa é a democracia (ou a falta dela).
Uma vez que conclui amanhã, talvez eu ainda venha a tempo: e que tal focar o problemas das instituições que são "tomadas por dentro" por interesses que não correspondem ao bem comum? Não lhe parece que esse risco existe? E como lidamos com ele?
Parece-me, independentemente de estarmos de acordo sobre a aplicação da teoria ao momento actual, que a questão geral pode ser debatida pelo seu interesse intrínseco. E, salvo melhor opinião, uma tão abrangente "teoria das corporações" não deveria passar ao lado sem tocar neste ponto.
Saudações.
Caro Porfírio Silva
O que termina amanhã é uma sequência de excertos do artigo que publiquei no Le Monde Diplomatique de Abril, como expliquei na introdução ao nº I.
Mas as suas dúvidas são pertinentes e tentarei reflectir sobre elas numa posta específica.
Obrigado pela participação.
Jorge Bateira
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