sábado, 1 de novembro de 2008

Crise de um modelo de capitalismo

A quebra acentuada no consumo das famílias dos EUA e da Europa está a provocar uma forte quebra nas exportações da China. Os despedimentos já começaram, num país que combina o pior do comunismo com o pior do capitalismo. Com uma crise global a que nem a China escapa, para onde vamos todos exportar?

Ao longo de muitos anos andaram a dizer-nos que só um crescimento puxado pelas exportações era sustentável. Aumentos de salários ? O menos possível ! Não se podia prejudicar a competitividade-preço. Assim, a pretexto desta competitividade, e da globalização que a impunha, a desigualdade na distribuição do rendimento foi aumentando escandalosamente e, como o consumo das famílias ricas tem pouco impacto no crescimento do PIB, a Europa foi mantendo um crescimento globalmente medíocre. Hoje, discutem-se as previsões do crescimento da economia à décima de ponto percentual. Não tarda muito, discutiremos o de-crescimento.

Nos EUA, a estagnação do poder de compra produzida por este modelo teve solução rápida. Os bancos foram eficazes no assédio à classe média e aos quase-pobres (os "subprime") para que consumissem e investissem a crédito. Alguns países da Europa, deslumbrados com o sucesso americano, já estavam bem lançados nesse caminho. A Islândia é apenas o caso-limite de um modelo também seguido por Britânicos, Irlandeses, Espanhóis, Polacos, e ... (com as nossas limitações) Portugueses.

É bom lembrar que ao longo de muitos anos fomos massacrados com campanhas publicitárias, na comunicação social e por telefone, propondo crédito à habitação e ao consumo. Os bancos assediaram-nos com os cartões de crédito. Em quase todos os bancos, até há pouco, impunha-se a compra do cartão de crédito para aceder ao crédito à habitação. E assim a oferta gerou a própria procura. Como era de esperar, o endividamento das famílias portuguesas rapidamente disparou.

Não era preciso ser génio para perceber que o modelo era insustentável. Além de Thomas Palley que em 2002 discutiu o modelo e defendeu uma alternativa centrada no mercado interno, outros economistas foram capazes de olhar para a realidade com distanciamento crítico. Esses não ficaram calados, assumiram as suas responsabilidades e alertaram para o que aí vinha. Ultimamente a imprensa tem falado muito de Nouriel Roubini como se fosse um sobredotado porque em 2006 "previu" esta crise. Recordo que Patrick Artus, professor em Paris I - Sorbonne e director de gabinetes de estudos em bancos franceses, já em 2005 tinha publicado (em co-autoria com Marie-Paule Virard, jornalista) um pequeno livro intitulado "O capitalismo está a caminho da auto-destruição" .

Pelo meu lado, digo que estamos a viver a crise de um certo modelo de capitalismo. Quanto ao socialismo ... ir-se-á contruindo por evolução do capitalismo; a partir de uma luta continuada pela reinstitucionalização da economia em benefício do interesse público.

Já agora, sem querer ser alarmista, aqueles dois autores publicaram este ano um novo livro: "Globalização, o pior está para vir". Já li o suficiente para dizer que alguém tem de lançar no mercado a edição portuguesa.

10 comentários:

Anónimo disse...

Gostava de dizer um par de coisas a respeito deste interessantíssimo post. A primeira é a respeito de "E assim a oferta gerou a própria procura". A meu ver, não é só assim e, portanto, não se trata só de efeito, mas de regra; por outras palavras, está por toda a parte. Não penso que acreditar na fórmula de a demanda gerar a oferta seja muito bom, em especial desde que não se reconheça que a oferta retroalimenta a demanda mediante imposições sociais em curso e, se calhar mesmo por isso, dificilmente visíveis.

Em segundo lugar, gostava de parabenizar o J. Bateira pela apreciação realista de estarmos a viver uma crise de "um" capitalismo, que faz com que o socialismo vaia por trás. A reflexão é correta. E o papel subsidiário do socialismo a respeito do capitalismo, tristemente, é enunciada do modo certo.

Parabéns mais uma vez pelo excelente trabalho. Saudações.

IDEAL COMUNISTA disse...

Pois... O pior do comunismo deve ler-se: o pior de um totalitarismo dito comunista. É um bocadinho diferente!

José M. Sousa disse...

Muitos para além de Roubini já tinham apontado para a crise que emergia:

Ann Pettifor neste seu livro, por exemplo e no seu blog "Debtonation";

O The Economist em 2005 também já alertava para o mesmo.

Filipe Melo Sousa disse...

Isto lembra-me a história do Pedro e do Lobo. Onde está o tão anunciado fim do mercado? Eu continuo a ver o leite e a carne nas prateleiras, e gasolina à venda nas bombas. Isto começa a cair no ridículo, uma espécie de guerra do Solnado. Da crise só vejo algumas boas oportunidades para fazer compras na bolsa a preço de saldo, e tirar proveito daqui a um ano ou dois. Nisso de facto estou-vos agradecido :)

José M. Sousa disse...

Será que o Pedro Passos Coelho ainda quer privatizar a CGD?


Governo anuncia nacionalização do BPN

F. Penim Redondo disse...

"Quanto ao socialismo ... ir-se-á contruindo por evolução do capitalismo; a partir de uma luta continuada pela reinstitucionalização da economia em benefício do interesse público."

REINSTITUCIONALIZAÇÂO de quê ?

Sobre a China:

Tem reservas que lhe permitiriam passar dois anos sem exportar nada e importando como actualmente.
Ao contrário do que é dito a China criou o maior mercado interno, em vinte anos, de que há memória na história.

O autor deste post está bastante longe da realidade, deve viver dentro de uma biblioteca enviesada.

Anónimo disse...

Não sou um fetichista da Crise (como a totalidade dos media) mas é absolutamente claro que algo tem que mudar, não em relação ao comportamento da banca ou ao sistema político mas em relação ao modo como os cidadãos gerem o seu dinheiro.

O que está verdadeiramente em crise não é o capitalismo mas um certo estilo de vida excessivamente consumista em torno do desperdício.

Filipe Melo Sousa disse...

O capitalismo tem destes malefícios: quando vem a crise, a China cresce apenas 8%, em vez dos habituais 10%.

Já na velha Europa minada pelo estado social, o keynesianismo monetário não contente dos estragos que já provocou, chama a si mais poderes para poder fazer ainda pior.

Anónimo disse...

A China, em conjunto com os Paises das Arábias, era vista pelo G20, como a tabua de salvação para esta crise. (liquidez para injectar q.b.)

A surpresa (desagradavel) veio com os resultados do crescimento economico, onde entre 2007 e 2009 a china tomba BRUSCAMENTE 4 pontos percentuais...

Um amargo de boca para o G20, (não tanto para a China, é certo.Mas a capacidade para ceder bilhões ao ocidente já não será a mesma)

Resta saber se será suficiente...

António

Anónimo disse...

« Quanto ao socialismo ... ir-se-á contruindo por evolução do capitalismo; a partir de uma luta continuada pela reinstitucionalização da economia em benefício do interesse público. »

o optimismo é uma coisa bonita. e perigosa.