1. Produto Interno Bruto
Comecemos por olhar para a evolução do PIB. Após o colapso da atividade económica entre 2011 e 2013, houve um curto período em que a economia cresceu ligeiramente acima da média da década anterior à Troika. No entanto, basta recuar um pouco mais no tempo para perceber que as taxas de crescimento da economia portuguesa continuam a ser manifestamente baixas em termos históricos. Na verdade, o crescimento moderado registado nos três anos anteriores à pandemia – e também nos dois anos a seguir à crise pandémica (2021 e 2022) – esconde um desempenho económico desapontante, como veremos.
A evolução do emprego merece um olhar mais atento. A taxa de desemprego diminuiu de forma expressiva desde o pico que atingiu durante o programa de austeridade. Contudo, se tivermos em conta não apenas o volume de emprego, mas também a sua composição, o cenário é bastante mais negativo: após a vaga de desregulação laboral da Troika, a precariedade alastrou-se no país. Portugal é o 3º país da União Europeia com maior peso de contratos a termo no emprego total. A taxa de pobreza no trabalho – que mede a percentagem de pessoas que, apesar de se encontrarem empregadas, não conseguem sair da pobreza – aumentou ligeiramente, tendo passado de 10,2% em 2011 para 10,7% em 2019.
Se olharmos para a dívida pública, o fracasso do programa de austeridade torna-se evidente. Portugal, que tinha um nível de endividamento do Estado semelhante ao da média da Zona Euro antes da crise financeira, viu a sua dívida pública disparar inclusivamente após a aplicação das medidas da Troika, que supostamente se destinavam a combater o “despesismo” e a cortar as “gorduras do Estado”. Ao fim de uma década, o endividamento público continuava a ser superior ao que se registava antes do programa de ajustamento. Voltámos a financiar-nos nos mercados, mas apenas porque o Banco Central Europeu decidiu alterar radicalmente a sua orientação e passar a comprar títulos de dívida nos mercados, o que reduziu os juros e impediu que os países ficassem à mercê das dinâmicas especulativas que se tinham registado antes.
Até à pandemia, os níveis de investimento na economia portuguesa não regressaram ao valor anterior ao programa de austeridade. O investimento privado começou por cair de forma significativa, em boa medida devido à quebra da procura interna provocada pela erosão dos salários reais, demonstrando novamente os efeitos contraproducentes do programa da Troika. Na verdade, o investimento privado só recuperou após as medidas de reposição de rendimentos que dinamizaram a procura interna no país. Quanto ao investimento público, teve uma quebra acentuada com o programa da Troika e a década seguinte foi marcada por níveis historicamente baixos, chegando a um ponto em que a formação bruta de capital fixo – isto é, o valor investido em obras públicas, equipamentos, I&D, software, etc. – nem sequer é suficiente para compensar o consumo de capital fixo – que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras públicas e equipamentos.
Além do desempenho negativo do investimento, a economia portuguesa registou também um desempenho mais negativo da produtividade: o crescimento médio anual deste indicador após o programa da Troika foi cerca de metade do que se tinha registado na década anterior.
É difícil não associar esta tendência à quebra do investimento público e, em particular, daquilo a que algumas instituições internacionais designam por “despesas amigas do crescimento” – como a despesa em educação, transportes, comunicações, I&D ou proteção ambiental, que costuma ter impactos positivos na inovação e na produtividade da economia.
Além disso, há bons motivos para pensar que o desempenho da produtividade e da inovação das economias tem relação com a natureza da regulação laboral. Alguns estudos que têm sido feitos sobre o desempenho das empresas nos países da Zona Euro apontam para que a capacidade de inovar seja menor em empresas com maior peso de contratos a prazo. Por um lado, trabalhadores com vínculos estáveis têm mais capacidade de adquirir e aplicar conhecimento específico sobre o processo produtivo. Por outro lado, a proteção laboral incentiva as empresas a investir e a apostar na formação dos trabalhadores, promovendo as qualificações e a produtividade. A estagnação da produtividade nos últimos anos não é alheia ao aumento da precariedade.
O desempenho negativo do investimento e da produtividade na década que se seguiu ao programa de ajustamento reflete-se na estrutura produtiva do país. É isso que se percebe quando olhamos para o cabaz de exportações português: o país especializou-se na produção e exportação de bens e serviços pouco sofisticados e de baixo valor acrescentado (assinalados no gráfico ao lado a castanho mais escuro), com destaque para o turismo, o setor que mais cresceu e que tem concentrado boa parte do investimento nos últimos anos.
2. Emprego
3. Salários e distribuição do rendimento
A generalização da precariedade teve um impacto inequívoco na distribuição do rendimento. O peso ajustado dos salários no PIB – isto é, a fatia do rendimento produzido em cada ano que é recebida pelos trabalhadores – já vinha a cair desde o início do século e esse processo agravou-se com o programa da Troika. A tendência apenas se inverteu ligeiramente com a reposição de rendimentos durante o período da Geringonça.
A precariedade teve um efeito de compressão dos salários. Um estudo da Comissão Europeia concluiu que existe um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e que este é maior nos países com maior percentagem de precários, como Portugal. Não é, por isso, surpreendente que nos encontremos numa situação em que mais de metade dos trabalhadores recebem menos de 1000 euros, sendo que a percentagem sobe para 65% no caso dos jovens com menos de 30 anos.
Foi a evolução salarial que determinou, em grande medida, o comportamento do saldo da balança comercial após o programa da Troika. Ao contrário do que era pretendido, as exportações mantiveram essencialmente o mesmo ritmo e não beneficiaram da redução dos salários reais no país, mas a forte quebra do poder de compra estrangulou a procura interna e teve como consequência uma redução das importações, o que ajudou a equilibrar o saldo. Na prática, a solução apresentada para o desequilíbrio foi o empobrecimento estrutural do país. Dificilmente se pode considerar um sucesso.
4. Dívida pública
5. Investimento
6. Produtividade
7. Perfil de especialização produtiva
Portugal foi o país da UE que mais perdeu produção industrial desde 2005. A desindustrialização foi acompanhada de uma especialização da economia em serviços pouco sofisticados, com pouca incorporação de tecnologia e conhecimento e baixa produtividade, tipicamente caracterizados por baixos salários e precariedade. O programa da Troika não só não inverteu, como acentuou esta tendência, ao promover o modelo de crescimento com base em salários baixos e trabalho precário. De resto, desde 2011, Portugal não só não se aproximou dos países da Zona Euro mais avançados, como até perdeu lugares no ranking que mede a sofisticação da sua estrutura produtiva.
Conclusão
É difícil encontrar um indicador que demonstre o sucesso do programa de ajustamento e a maior robustez da economia portuguesa. Pelo contrário, a intervenção da Troika deixou o país com mais dívida pública, menos investimento, pior desempenho da produtividade e maior desigualdade na repartição funcional do rendimento, com uma generalização da precariedade e um aumento da taxa de pobreza no emprego. Além disso, a economia intensificou um padrão de especialização em setores pouco sofisticados e produtivos e assentes em baixos salários, com destaque para o turismo, que tem ainda efeitos perversos sobre os preços da habitação, afetando o poder de compra da população residente. O que saiu reforçado foi o modelo de crescimento assente em baixos salários, com as consequências que conhecemos.
3 comentários:
Lembro-me de ter lido o ex-PM espanhol Zapatero a dizer que tinha feito tudo o que podia para evitar a entrada da troika em Espanha. Dizia ele que se sem a troika a Espanha levou anos a recuperar da crise, com ela teriam sido lustros (cinco anos cada, se não erro). Se calhar já nem havia Espanha.
Só que Zapatero não era José Sócrates nem o ministro espanhol das finanças era professor de economia da universidade do Porto.
By the way, não podem fechar esta faculdade a bem das finanças públicas? É que o pessoal que sai de lá é um tanto weird.
Aquela que está mais dependente da Europa e viu pelo menos duas empresas estratégicas (BES e PT) desaparecer, ao mesmo tempo que outras (EDP, Fidelidade, Brisa) serem vendidas a capital parasitário estrangeiro e outra (CTT) vendida a capital parasitário nacional e ser retalhada. Uma economia que está ainda mais dependente de uma só região em declínio (a Europa) e desperdiçou sistematicamente as ligações que tinha/tem com o resto do mundo.
Só falta dizer que a taxa de juro baixou, no final do programa da troika, por que as medidas de política económica adotadas por Portugal e pelos restantes países endividados,contribuíram para tal. Portanto,as decisões tomadas por Mário Draghi foram histórias da carochinha.É preciso ter lata....
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