quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Da ocupação sufocante


«Num momento crucial como este, é vital ter princípios claros – começando pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis. Condenei inequivocamente os atos de terror horríveis e sem precedentes de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas em Israel. Nada pode justificar o assassinato, ferimento e rapto deliberados de civis – ou o lançamento de foguetes contra alvos civis. Todos os reféns devem ser tratados com humanidade e libertados imediatamente e sem condições.
(...) É importante reconhecer também que os ataques do Hamas não surgiram do vácuo. O povo palestiniano tem estado sujeito a 56 anos de ocupação sufocante. Viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência. A sua economia foi sufocada, as suas populações deslocadas e as suas casas demolidas. As esperanças de uma solução política para a sua difícil situação têm vindo a desaparecer. Mas as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas e esses terríveis ataques não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano.
»

Excertos da corajosa intervenção de António Guterres na reunião do Conselho de Segurança que ontem decorreu nas Nações Unidas. Uma intervenção que vale mesmo a pena ler na íntegra (e cuja tradução pode ser consultada em Ler Mais).


Intervenção de António Guterres na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas
(ONU, 24 outubro de 2023)

Sr. Presidente, com a sua permissão, farei uma pequena introdução antes de pedir aos meus colegas para fazerem ao Conselho de Segurança um ponto de situação no terreno.

Excelências,

A situação no Médio Oriente A situação no Médio Oriente está a piorar a cada hora que passa.
A guerra em Gaza continua em curso e corre-se o risco de alastrar em espiral a toda a região.
As divisões estão a fragmentar as sociedades. As tensões existentes ameaçam transbordar.
Num momento crucial como este, é vital ter princípios claros – começando pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis.

Condenei inequivocamente os atos de terror horríveis e sem precedentes de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas em Israel.
Nada pode justificar o assassinato, ferimento e rapto deliberados de civis – ou o lançamento de foguetes contra alvos civis.
Todos os reféns devem ser tratados com humanidade e libertados imediatamente e sem condições. Assinalo respeitosamente a presença entre nós de membros das suas famílias.

Excelências,

É importante reconhecer também que os ataques do Hamas não surgiram do vácuo.
O povo palestiniano tem estado sujeito a 56 anos de ocupação sufocante.
Viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos e assoladas pela violência. A sua economia foi sufocada, as suas populações deslocadas e as suas casas demolidas. As esperanças de uma solução política para a sua difícil situação têm vindo a desaparecer.
Mas as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas e esses terríveis ataques não podem justificar a punição coletiva do povo palestiniano.

Excelências,

Até a guerra tem regras.
Devemos exigir que todas as partes cumpram e respeitem as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional; com um cuidado constante na condução de operações militares para poupar os civis; respeitar e proteger os hospitais e respeitar a inviolabilidade das instalações da ONU que hoje abrigam mais de 600.000 palestinianos.
O bombardeamento implacável de Gaza pelas forças israelitas, o nível de vítimas civis e a destruição em massa de bairros continuam a aumentar e são profundamente alarmantes.
Lamento e presto a minha honra e homenagem as dezenas de colegas da ONU que trabalham para a UNRWA – infelizmente, pelo menos 35, num número que continua a aumentar – mortos no bombardeamento de Gaza nas últimas duas semanas.
Devo às suas famílias a minha condenação destes e de muitos outros assassinatos semelhantes.

A proteção dos civis é fundamental em qualquer conflito armado.
Proteger os civis nunca pode significar usá-los como escudos humanos.
Proteger os civis não significa dar ordens para que mais de um milhão de pessoas se desloquem para o sul, onde não há abrigo, nem comida, nem água, nem medicamentos, nem combustível, e depois continuar a bombardear o próprio sul.

Estou profundamente preocupado com as claras violações do direito humanitário internacional que estamos a testemunhar em Gaza.
Deixe-me ser claro: nenhuma parte num conflito armado está acima do direito humanitário internacional.

Excelências,

Felizmente, alguma ajuda humanitária está finalmente a chegar a Gaza.
Mas é uma gota de ajuda num oceano de necessidade.
Além disso, os nossos abastecimentos de combustível da ONU em Gaza acabarão numa questão de dias. E isso seria outro desastre.
Sem combustível, a ajuda não pode ser prestada, os hospitais não terão energia e a água potável não pode ser purificada ou mesmo bombeada.
O povo de Gaza precisa de uma prestação contínua de ajuda a um nível que corresponda às enormes necessidades. Essa ajuda deve ser prestada sem restrições.

Saúdo os nossos colegas da ONU e parceiros humanitários em Gaza, que trabalham em condições perigosas e arriscam as suas vidas para prestar ajuda a quem necessita. Eles são uma inspiração.
Para aliviar o sofrimento épico, facilitar e tornar mais segura a prestação de ajuda, bem como para facilitar a libertação de reféns, reitero o meu apelo a um cessar-fogo humanitário imediato.

Excelências,

Mesmo neste momento de perigo grave e imediato, não podemos perder de vista o único fundamento realista para uma verdadeira paz e estabilidade: uma solução de dois Estados.
Os israelitas devem ver garantidas as suas legítimas necessidades de segurança e os palestinianos devem ver concretizadas as suas legítimas aspirações a um Estado independente, em conformidade com as resoluções das Nações Unidas, o direito internacional e acordos anteriores.

Por último, temos de ser claros quanto ao princípio da defesa da dignidade humana.
A polarização e a desumanização estão a ser alimentadas por um tsunami de desinformação.
Devemos enfrentar as forças do antissemitismo, da intolerância antimuçulmana e de todas as formas de ódio.

Sr. presidente,
Excelências,

Hoje é o Dia das Nações Unidas, assinalando 78 anos desde que a Carta das Nações Unidas entrou em vigor.
Essa Carta reflete o nosso compromisso comum de promover a paz, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos.
Neste Dia da ONU, nesta hora crítica, apelo a todos para que recuem antes que a violência ceife ainda mais vidas e se propague ainda mais.

Muito obrigado.

3 comentários:

sidonio terralheiro disse...

O problema de Israel e que eles pensam e agem com a ajuda dos criminosos Americanos como se eles focem os donos do mundo,e ninguem ,mas ninguem os pode criticar .NAO GOSTAM DE HOUVIR A VERDADE.

Anónimo disse...

Parabéns ao Público, ao Expresso e outros pelo silêncio sobre a morte da família do jornalista da Al-Jazeera.

É assim mesmo, o que não interessa é calar ou remeter para um buraco qualquer que ninguém leia.

É por estas e por outras que há anos que não dou um tostão para a imprensa "de referência ".

António Nunes disse...

Os judeus aprenderam pouco ou nada com o que lhes aconteceu nos anos 30 e 40. Guterres subiu na consideração dos que têm ética e para o cargo que ocupa. O ministro das finanças de Israel terá dito: "Os palestinianos só têm 3 alternativas: ou imigram, ou se submetem, ou morrem." No século XXI, isto é inaceitável.