sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Economistas neoliberais nos seus labirintos


«Em termos históricos, a evidência é irrefutável: se os salários reais tivessem acompanhado a produtividade, a parcela de riqueza que remunera o trabalho tinha-se mantido constante. E, na realidade, não é isso que se passa. Se em 1999 (início do euro), a parcela de PIB que remunerava o trabalho se situava em 60%, em 2016 já só representava 51%. E no final de 2022, seis anos mais tarde, e depois de uma muito tímida recuperação, obtida no contexto da pandemia e, entretanto, já em processo de reversão, aquela parcela ronda uns recuados e socialmente injustos 53%.
Neste contexto de distribuição regressiva do rendimento, talvez nem seja assim tão difícil perceber a resistência de Ricardo Reis em admitir o erro. É que o que está em causa é mesmo muito mais do que um simples «lapso», num programa televisivo de comentário político-económico. É a própria capacidade para, respeitando os factos históricos, continuar a justificar uma «economia do pingo» que não pinga. Ou seja, a crença na trickle-down economics, segundo a qual «os grandes devem ter tudo, pois, ao terem tudo, deixam pingar recursos para baixo, para o resto da economia. Se não forem tributados, se puderem amassar o máximo de massa possível, acumularão recursos que depois serão largados na economia.
(...) O que poderá justificar um tão incompreensível afastamento da realidade? A convicção inabalável de que há leis intrínsecas e imutáveis, além de eminentemente técnicas, e por isso alheias às dinâmicas sociais e políticas? Ou estamos perante uma instrumentalização da ciência em defesa dos interesses dominantes, mesmo que tal implique um distanciamento deliberado da realidade?
».

Do artigo publicado no número de outubro do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa.

3 comentários:

Anónimo disse...

A esquerda anda há anos a discutir discursos fraudulentos, discutir algo é dar credibilidade, não espanta por isso que esteja completamente perdida sem nada para acrescentar a um cada vez maior numero de coisas que não fazem qualquer sentido. A esquerda também é responsável por todas a incoerências do mundo moderno.

Anónimo disse...

Os académicos, em particular, estão demasiado deslumbrados com o que conseguiram conhecer e ser, muitas vezes utilizam explicações eruditas para desmontar mentiras que são possíveis de desmontar de forma absolutamente elementar. O conhecimento não deve ser uma forma de retórica.

Frederico Pinheiro disse...

Impecável,sempre brilhante