segunda-feira, 3 de junho de 2019

Sempre contra a economia do medo

Em Abril, a comunicação social deu ampla divulgação aos resultados de um estudo patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, coordenado por Amílcar Moreira, cuja ideia central dá a sensação de déjà-vu: o envelhecimento demográfico vai pôr em causa a sustentabilidade financeira do sistema público de pensões. 
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[U]ma análise sumária do estudo permite concluir que este não tem relevância para o entendimento do horizonte futuro da Segurança Social, não contribui para um debate informado e não é neutro. Na realidade, não se pode extrair nenhuma conclusão relevante sobre o futuro do sistema de Segurança Social a partir de um exercício desta natureza. Formular hipóteses sobre o comportamento futuro de variáveis demográficas e económicas (até 2070), para depois projectar receitas e despesas nesse horizonte temporal, é um mero exercício especulativo. Pura e simplesmente, não é possível fazer previsões sobre o comportamento destas variáveis num horizonte temporal tão longo. É impossível prever os níveis do produto e do emprego, a evolução salarial, as alterações do comportamento demográfico, etc., que se irão registar nos próximos 51 anos, tal como, no ano de 1968, era impossível prever o valor que estas variáveis assumem hoje, em 2019. O problema é que o resultado deste exercício especulativo é tomado como prova da insustentabilidade financeira da Segurança Social. 
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O estudo também não contribui para «a promoção de um debate mais informado» sobre o tema, como pretendem os autores. É enganador, porque a projecção de défices futuros resulta das hipóteses pessimistas assumidas a priori. O estudo é enganador, também, pela forma como enquadra o debate sobre a sustentabilidade financeira. Os equilíbrios financeiros futuros do sistema público de pensões são equacionados sem colocar a política económica do centro da discussão. Admitindo a priori que a economia portuguesa irá enfrentar cinquenta anos de estagnação, o assunto fica encerrado. 
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 E há uma questão essencial que o estudo omite: Portugal já introduziu reformas radicais no domínio das pensões. As próprias instituições da União Europeia, implicitamente, o reconhecem. Alguns documentos oficiais recentes revelam preocupação com a sustentabilidade política das reformas que reduziram substancialmente a generosidade das pensões nas próximas décadas. Portugal é considerado um dos países com maior «risco de reversão das reformas», porque se espera que se verifique um maior crescimento do índice de dependência dos idosos e que venha a sofrer maiores reduções, quer no rácio das prestações (quociente entre a pensão média do sistema público e o salário médio na economia), quer na taxa de substituição (quociente entre a média da primeira pensão do sistema público e a média do salário no momento da passagem à reforma). Reduzir ainda mais as pensões, alterando parâmetros ou transitando para modelos que convertem a pensão em variável de ajustamento (como o sueco ou um sistema de pontos), poderá ser opção a considerar? 

Excertos do artigo, com referências omitidas, “novas-velhas profecias sobre o futuro das pensões”, da autoria de Maria Clara Murteira e publicado no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Maio. As análises desta economista, especialista em questões da segurança social, são o melhor antídoto que eu conheço em Portugal à economia do medo, ou seja, à aposta ideológica na desconfiança em relação à provisão pública de pensões, na boa lógica da repartição, abrindo caminho à sua continuada erosão.

3 comentários:

Anónimo disse...

É como a ciência do medo:

Há uma “elevada probabilidade de a Humanidade acabar” até 2050, alerta estudo sobre alterações climáticas
(https://observador.pt/2019/06/04/ha-uma-elevada-probabilidade-de-a-humanidade-acabar-ate-2050-alerta-estudo-sobre-alteracoes-climaticas/)

Anónimo disse...

Muito relevante!

Anónimo disse...

Nunca vi as considerações que levam a estas projeções, qual a forma de cálculo do nº da população no futuro e do PIB futuro.

Seria interessante aplicar esses dados a 1980 e ver se as estimativas de PIB, população e pirâmide etária se cumprem em 2019.

Uma coisa que me faz confusão é o número da população, sobe em todos os censos mas não há nenhuma estimativa que não diga que vai diminuir. Em qualquer outra coisa dir-se-ia que o falhanço é da previsão, mas para os nossos estudiosos o falhanço é da realidade.