quinta-feira, 13 de junho de 2019

Contra o empresarialmente correcto


Portugal é um país pornograficamente desigual e ainda dominado por um pouco escrutinado discurso do empresarialmente correcto, a versão neoliberal do chamado politicamente correcto. Neste país, é possível ouvir gente que se diz de esquerda afirmar na televisão, de resto dominada pelas direitas, que o pessoal político ou do topo da administração pública ganha pouco.

A questão é: pouco comparado com quem? A resposta implícita é com o pessoal de topo da tecnoestrutura das grandes empresas ditas privadas, mas que têm efeitos bem públicos. Desde pelo menos John Kenneth Galbraith que sabemos que a conversa do mercado e do mérito só serve para aí ofuscar as relações de poder que em última instância determinam quem fica com o quê e porquê.

A solução, portanto, não passa por aumentar o salário dos primeiros, gerando mais desigualdades num sector público que até as comprime comparativamente, mas por diminuir o poder dos segundos. Isto pode fazer-se por via fiscal, fixando um salário máximo implícito, através de uma taxa marginal de IRS muito superior, englobando todas as fontes de rendimento pelo menos em pé de igualdade, por via do empoderamento dos poderes compensatórios de natureza laboral e por via do exemplo dado pelo Estado, incluindo ao nível da tecnoestrutura do seu infelizmente minguado sector empresarial.

Vem esta conversa a propósito do sórdido caso dos prémios na TAP, que tem de continuar a merecer toda a atenção, até porque reflecte uma das dimensões do empresarialmente correcto: uma cultura do incentivo pecuniário sem limites e que erode todas as motivações intrínsecas. O governo parece ser impotente para reverter a corrosiva decisão da arrogante comissão executiva de uma empresa que deve voltar a ser 100% pública. A possibilidade de nacionalização serve também para manter um saudável regramento entre o capital monopolista.

Um dos problemas é que, como discípulo da terceira via dos anos noventa e da integração europeia realmente existente, António Costa é especialista em soluções de parceria público-privada em que o Estado não manda, mas assume demasiados riscos: do SIRESP à banca, passando pelas PPP na saúde ou pelas jigajogas financeiras na habitação. Porque é que na TAP tinha de ser diferente?

7 comentários:

Anónimo disse...

Se a Amazon resolver oferecer a cada um dos seus milhões de empregados um Ferrari trata-se de um iniciativa privada alheia ao contribuinte comum.
Já o mesmo não se pode dizer das regalias directas e indirectas concedidas aos funcionários do Estado de todos níveis, mesmo que mal pagos ou não.

Francisco disse...

Meu caro anónimo das 10:40, o ponto de vista que subscreve - de que o capital privado e os seus desmandos, só ao capitalista importam - reflecte uma visão bastante primária sobre a produção o rendimento e a distribuição por um lado e apropriação por outro, da riqueza produzida.
O pagamento de impostos tem sido encarado de modo sistemático e pelo menos desde os alvores da revolução industrial, ora como um confisco ora, mais recentemente, como um travão à meritocracia (que é a expressão corrente de legitimação da acumulação irrestrita e ilimitada por parte dos célebres 1%, do total da riqueza produzida pelos restantes 99%). De vez em quando fala-se também nos impostos (sobre o capital e as suas rendas) para sublinhar o seu carácter contraproducente: mais impostos, menos investimento, menos riqueza, menos emprego, etc., etc., etc.... Ora, a questão é tão mais interessante, quanto é certo que o meu estimado interlocutor não se debruça nem se interroga sobre os mecanismos jurídico-políticos que permitem ainda hoje essa distribuição de Ferraris por uns e apenas porque sim, ainda que outros, logo ali ao lado, morram de fome, também porque sim. Há-de ser tudo uma questão de mérito e de justiça, seguramente.

Lowlander disse...

@ anonimo 10h40
Quando a sociedade onde a Amazon se insere exige escrutinio democratico das decisoes de investimento da Amazon (e.g. distribuicao de Ferraris) isso e uma intrusao autoritaria.
Quando a Amazon decide, diariamente, a que horas e por quanto tempo os funcionarios podem comer, mijar, cagar, falar, com quem podem falar, que palavras podem usar para falar... tudo isso e um exercicio de iniciativa privada? Se calhar e liberdade...

Jose disse...

A proletarização geral é uma ambição de esquerda que na prática do socialismo conhecido se atenua em nepotismo visceral, corrupção institucional e usufrutos obscenos de bens do Estado.

Sem que se atrevam tanto que o digam explicitamente, o princípio parece ser que basta a igualdade decretada para submeter o egoísmo e a ambição individual de bem estar e domínio.

Pondo as coisas de forma simplificada, os privados pagam o bastante para obterem dois efeitos:
- motivarem para que saibam ganhar o bastante que justifique os seus proventos
- desencorajar o roubo e a corrupção, aumentando o preço de arriscarem tais actos

O princípio não é naturalmente o da 'bondade natural do homem', boato esse que serve a alguns para enganar muitos.

Pedro disse...

Caro jose.

Trata este post da constante tentativa direitista de nos por a pagar ainda mais a politicos e funcionários públicos de topo e da tradicional oposição da esquerda a essa sangria aos cofres públicos.

Isto é interessante porque como direitistas radicais vocês defendem o ódio aos politicos da democracia actual e aos funcionários públicos.

Dizem que a esquerda quer apenas por os politicos e os funcionários públicos a viver á nossa custa etc.

E ainda se dão ares de "responsáveis fiscais".

Mas curiosamente é a esquerda que defende contenção salarial para os politicos e funcionários públicos de topo.

Para a direita um país pobre tem de ser severamente austero com os pobres mas mãos largas com os ricos.

Quando se fala em politicos e funcionários públicos de topo, assim como gestores públicos ou privados a vossa "responsabilidade fiscal" evapora e começa a orgia.

Qual austeridade ! Para vocês, aumentar dirigentes politicos, diretores e gestores sobra sempre dinheiro, mesmo que o resto do país esteja na miséria - por supostamente não haver dinheiro...

Confirma-se que toda a ideologia de direita não passa de um lobby ideológico, tralha inventada á pressãocom o único fim de enriquecer ainda mais os 1% mais ricos.

Confesso que me inspira repugnância.

Espero que ao menos você seja rico e beneficie mesmo destes esquemas mafiosos e não seja o apenas daqueles pobres de espirito manipulados por essas ideologias para atrasados mentais - o que ainda é mais doentio.

Jose disse...

Só os cegos e os obtusos não veem que os funcionários de topo mal pagos são corruptos de múltiplas formas, que os distinguem dos que no privado se lhes comparam em nível de responsabilidade e mando.
- Empregam família, parentela, correligionários.
- Se faltam lugares, criam-nos e chamam-lhe 'serviço público'
- Multiplicando regulamentos e burocracias que incrementem o seu domínio, pelo número de dependentes, e não raro vendem 'o caminho das pedras'.

Em resumo: como não lhes pagam criam modos de compensação; e de cima a baixo a cumplicidade é de regra entre os membros desse pântano em que se afoga o contribuinte e a economia.
E obviamente o enriquecimento ilícito é ameaça vedada pelos mais altos princípios morais!!!

Pedro disse...

Caro Jose.

Os gestores privados que ganham fortunas obscenas não são corruptos ?

Só tenho pena que não tenhas posto todo o teu dinheiro no BES, para ficares na miséria. Talvez aprendesses a ter juízo.

E quem disse que, por exemplo um gestor como o da RTP, que ganha 254 mil euros por ano, com montes de mordomias pagas equivalentes a mais uns milhares , ganha pouco num país onde a maior parte da população não consegue chegar aos 10 mil euros por ano ?

O que vocês querem é roubar.