sábado, 11 de maio de 2019

Tortura capitalista

"Isto não é uma inquirição: é uma sessão de tortura", disse a deputada Cecília Meireles do CDS, quando se fez um intervalo na comissão parlamentar que ouvia José Berardo. E foi.

Não se compreende, contudo, o espanto dos deputados à direita.

Durante toda a sessão sentiu-se a impotência dos deputados em lidar com o mais completo desordenamento legal do capitalismo vigente, a imagem perfeita da total opacidade legal que viabiliza que o alto rendimento use todos os expedientes legais que lhe estão à disposição - aprovados pelo Parlamento com maiorias de PS, PSD e CDS ou em diplomas nunca avocados pelos deputados para alterar a lei -, criados para evitar que os seus detentores sejam desapropriados,  tributados ou simplesmente responsabilizados e castigados por desmandos, má-fé contratual. E sempre protegidos por uma guarda-pretoriana de advogados.

Foi o caso de  André Luiz Gomes - ex-membro do conselho consultivo da CMVM e ex-advogado no escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, presente nas administrações das sociedades em que Berardo está presente, incluindo no BCP -  que, como Berardo contou na sessão, lhe montou numa noite toda a arquitectura do seu "universo". A tal ponto que, quando um deputado do PSD lhe pede que explique esse organograma, tem de ser o advogado a traçar as ligações entre as diversas entidades e o que cada uma delas faz! (ver foto ao lado).

Mas é eficaz: os seus interesses ficam protegidos. É através desses universo que Berardo pede emprestado centenas de milhões de euros, dando como penhor o que formalmente não lhe pertence. E em cada passo dado através destes esquemas, há sempre alguém do Estado a legitimar tudo. É o caso do empréstimo concedido pelo banco público, é o caso dos contratos firmados com o "universo" Berardo em que ele está sempre no fim da linha de quem manda. E nada acontece. Ninguém no Estado é questionado a sério.

A Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Colecção Berardo (FCB) é uma entidade de direito privado de utilidade pública, criada em Agosto de 2006, para a "instalação, manutenção e gestão do Museu Colecção Berardo". Os seus custos de funcionamento ficaram então assegurados com um subsídio anual do Ministério da Cultura. O conselho de administração tinha cinco membros. Dois pelo Estado, dois indicados por Berardo e um quinto de comum acordo. Ainda em 2010, os quatro representantes do Estado e de Berardo escolherem como quinto elemento o advogado António Vitorino, dirigente socialista e advogado do escritório Quatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, cujos advogados são os de Berardo. Vitorino não ocupa actualmente os corpos sociais da Fundação.

Berardo veio ao Parlamento falar de cima e ouvir sorridente a voz dos fracos deputados que - mesmo chamando-lhe ladrão de uma forma simpática - pouco mais querem ou podem fazer do que isso.

Basta ouvir a gravação completa da sessão para perceber que, durante horas e horas, José Berardo esteve a gozar com todos.

Porque não pagava as suas dívidas? "Dívidas? Eu não tenho dívidas!". Porque não usou os 153 milhões de euros usados no reforço da colecção Berardo para pagar os juros à CGD? "Não sei, não estou a perceber". Porque deu como garantia uma lista de títulos de obras de arte que sabia que não tinham valor? "Eu nunca daria os meus quadros como garantia". Mas são seus? "É uma forma de expressão. Isto (o Parlamento) também é meu, é de todos". Porque deu como garantia, em vez das obras, uma lista de títulos que não valem nada? "Não vale nada?!! Por amor de Deus!"

Têm os seus credores a maioria da assembleia geral (AG) da associação dona dos quadros? "Eles pensam que têm, mas não têm". Mas os bancos têm direito a 75% das unidades de participação...  "Tinham... Não têm... (advogado fala com ele)... Bem, não sei como lhe responder, já respondi. Eu não sei se eles não venderam já esse crédito a esses fundos abutres..." Mas parece estar confiante ou sabe que não têm mesmo a maioria... "Não têm..." Qual a dívida que tem junta da banca? "Não sei, não me lembro".

A associação não lhe pertence? "Não pertence a ninguém?" Mas a associação foi à AG do BCP defender os seu interesses.... (ri-se) E a quinta da Bacalhoa não lhe pertence? "Não". Os estatutos da associação foram alterados numa AG. Foram todos os credores convocados? "Foram" (advogada fala) "Para essa, não foram". Qual era o objectivo da alteração de estatutos? "Uma parte do que foi, foi por ordem judicial. E aproveitámos para fazer aumentos de capital". E não convocaram os potenciais credores? "Eles também não me convocaram a uma AG e eu não os convoquei a eles". Porque não os convocou? (advogado fala) "De acordo com ordem de tribunal não tinha de os convocar" Tem aí a ordem de tribunal? "Não". Mas não é verdade que assinou uma procuração em nome dos credores dizendo que poderiam convocar AG da associação e exercer os seus direitos? "Assinei, mas só os chamei depois da ordem de tribunal". Não os chamou, prejudicando os seus direitos? "Foi o tribunal". Mas qual foi a sentença? "Não sabe, não está atenta..." De que data é que é essa decisão? "É do tribunal de Lisboa e é anterior a essa AG. Depois podemos mandar os documentos". E qual foi o objectivo disso?  "Defender os meus interesses".

Porque foi que essa alteração aos estatutos permitiu a possibilidade de transmissão dos títulos de associados? "Porque estávamos com medo que os vendessem aos fundos abutres". Mas por que tem medo? É porque eles cobram com mais agilidade que os bancos? "Talvez". Faz tudo para não ser cobrado? "Estou a tentar proteger a colecção". E se passar para fundos qual é a situação? "Têm de se coordenar connosco".

Como explica que tenha dado acções da Quinta Bacalhoa ao BCP e um prédio ao BES, mas quando a CGD executou só tinha uma garagem na Madeira? "Usei outros bens para outros bancos. Se quiserem levar a garagem, podem levar..." (e ri-se).

É comendador. Não sente uma responsabilidade maior? "É mais do que uma comenda. Não foram dadas pelo dinheiro, mas pelos serviços que eu prestei. Agora aconteceu uma desgraça, o que posso fazer? Estou a tentar contribuir... " O senhor é um multimilionário, a sua fundação não paga impostos, pede empréstimos com base em bens de uma associação cujo penhor vai ser afastado com um golpe de secretaria.  Isto é uma golpada! "Eles são convocados para a AG. Quem vem, vem. Quem não vem, não vem. Eu acho que esta decisão devia ser analisada por quem faz as decisões..." A CGD nunca teria feito este tipo de negócios ruinosos! "Mas... Aqui o prejudicado fui eu..."

Interesses, escritórios de advogados, Estado. E a colecção vai ficar na associação onde quem manda é... José Berardo. E nacionalizá-la?

16 comentários:

Jose disse...

Logo que ouvi a primeira intervenção do deputado do PSD a falar do 'dinheiro de nós todos' fui tratar de coisas mais úteis.

Uma cambada de virgens a tratar de negócios como se tratassem do caso do sócio da mútua que não pagou o empréstimo!!!!

Ridículo.

Rão Arques disse...

Não sei se Berardo é confiável ou não, e se quem o questiona também será. Agora quando o homem pede 2 minutos de interrupção nota-se um semblante de troça na fila de perguntadores. Era bem perguntado pelo inquirido se os senhores deputados que ali passam muitos dos seus dias na pobre missão de nos representar nunca vão mijar.

Vera Catarina disse...

Coitadinho do sr. comendador que se andou a financiar via banco público para comprar ações de um banco privado, o tal banco que todos nós ouvimos diariamente que deve defender o "financiamento à atividade produtiva", e o que os esquerdalhos fazem questão de diferenciar da prática da banca privada, como sendo imaculado, pois serve para defender "os interesses estratégicos nacionais". Não vale a pena a esquerda lavar as mãos como Pilatos, porque estão tão manchadas como a direita.

aires esteves disse...

Vamos lá ser sérios e não sejamos hipócritas. Já é estamos na altura de chamar "os bois pelos nomes": Não é por acaso que que os partidos de direita e da extrema-direita como o PS, o PSD e o CDS/PP da Cristas, estão onde estão num parlamento com caraterística burguesas e na defesa dos seus interesses, dos seus familiares e amigos. Mas então os que fazem por lá, os ditos homens e mulheres de esquerda o BE/UDP/MES e PCP/Verdes/CDU e o partido dos cachorros PAN/IRA? Nada! Na minha ótica vivem às custas do orçamento geral do Estado (pagos por todos nós/contribuintes),já agora:No segundo relatório de 2018 elaborado pela Rede Europeia Anti- Pobreza ( não nos esquecemos, que este organismo tem o apoio de todos os partidos que se passeiam na AR). Maior precaridade do Trabalho , assenta em contratos sem qualquer vínculo, segurança e motivação, para o trabalhador. E fico por aqui, porque posso ser multado ou prezo..

João Ramos de Almeida disse...

Caros José e Não,
Questões pertinentes ainda que não no melhor tom.
Creio que a má vontade dos deputados em interromper foi porque toda a intervenção de Berardo foi um eterno desvio.

estevesayres disse...

A final o homem não deve nada a ninguém?
Agora só têm, é que ir ter com os senhores dos bancos que lhe "emprestaram" o dinheiro, e coloca-los na prisão, ao envia-los para o governo onde tem passado muitos do mesmo género, "não devem nada a ninguém"!?
Um País que tem gente assim, é um País do terceiro-mundo!

Anónimo disse...

O advogado parece saber mais do que quem está a ser interrogado, estranho facto este. Justiça para todos.

Pedro disse...

Ao ver estes "empreendedores" podemos ver a principal razão das nossas crises.

Cabe à direita encobrir os seus amiguinhos e as consequências do seu "empreendedorismo" como vemos aqui pessoal a desviar a conversa para o wc ou suposta virgindade dos deputados que fazem as leis á medida para estes gajos se safarem.

Anónimo disse...

Hoje o DN levanta a ponta do véu da tralha duma direita caceteira, anti-democrática e mafiosa

https://www.dn.pt/poder/interior/redes-sociais-ha-um-consultor-do-psd-numa-campanha-de-perfis-falsos--10887064.html

Investigai as fontes que vão dar à Holanda

casilvaco disse...

O que é verdadeiramente espantoso é termos chegado ao extremo de sermos todos roubados com gargalhadas . Continuemos a rir ... Este tal de Berardo atê tem o seu quê de comediante e é fino como um alho . O pagode sempre gostou deste género . Pois claro . Lembram-se quando se dizia : - Ri-te ...Ri-te ... quando te forem ao *** então choras !?.. Talvez fosse melhor começar a chorar ...Que Deus Nosso Senhor e a Nossa Senhora de Fátima ( 13 de Maio) dê uma mãozinha a esta desgraça que já raia a loucura . Ah!Ah!Ah!

Anónimo disse...

O dito senhor diz que não possui absolutamente nada mas advoga que tudo o que fez foi para defender os seus interesses...interesses em nada? Já era altura do parlamento mudar muita coisa a começar pelos interesses em nada...e acabar de uma vez por todas com a promiscuidade entre escritórios de advogados e parlamento essa enorme porta giratória que todos vem funcionar mas ninguém impede de girar.

Anónimo disse...

a cara com que estes artistas gozam com os portugueses é bastante reveladora de quão fracas são as nossas instituições nacionais.

estevesayres disse...

Eu e mais colegas, ainda estamos aguardar as indemnizações, onde a instituição deste senhor era accionista. São cerca de 5,5 milhões de euros...
Mas aqui a justiça tem culpas no cartório! Até agora a Juíza só diz para cumprir o plano, plano esse, que nunca poderá ser concretizado! Pelos visto não leu as mais de 20 resmas do processo, só pode...

Paulo Rodrigues disse...

A ideia que surge é que este indivíduo é apenas um testa de ferro de outros que permanecem na sombra.
A AR não deve ser usada para investigação da criminalidade económica.
Para isso, existem as polícias.
Este gajo ri-se porque a sua presença na AR já é um instrumento para que tudo possa acabar como está.

Anónimo disse...

Evidentemente, Berardo não tem dinheiro para ter uma posição acionista em qualquer banco. Serviu para mais uma tentativa de salvação dos bancários que mandavam no BCP. Isto está bem explicado na intervenção inicial.

Deixou que usassem o seu nome, desde que não lhe custasse um tostão (ou quase). Não sai desonrado porque honra não é o seu forte. Havia sempre uma possibilidade ínfima de ganhar algum, mas principalmente não deixou passar uma oportunidade de fazer um "favor" aos donos disto tudo.


Talvez os deputados se devessem preocupar porque é que a CGD se portou á altura da "situação", ajudando no salvar de um banco que precisava de capital e onde os acionistas não punham um tostão.

Á época Berardo investia mil milhões para obter 2/100 da instituição. Os chineses da fosum hoje controlam o banco com cerca de 700 milhões de investimento.


Qual é a duvida?

Jose disse...

O das 14,03 pergunta 'qual é a dúvida?

A dúvida é instrumental ao essencial da mensagem abrilesca: quem diz mal dos ricos é por certo um amigo do povo.
Os banc