domingo, 26 de maio de 2019

Para continuar a reflexão


O que é a União Europeia? O conceito mais próximo em que se pensa é o do império liberal, ou melhor, neoliberal: um bloco hierarquicamente estruturado e composto por Estados nominalmente soberanos cuja estabilidade se mantém graças a uma distribuição do poder de um centro para uma periferia . 
(...)
Tal como os outros países imperiais, a começar pelos Estados Unidos, a Alemanha vê- -se a si própria – e quer que os outros a vejam – como uma potência hegemónica benevolente, que espalha junto dos seus vizinhos um bom sentido universal e virtudes morais cujo custo ela assume. Um encargo que vale a pena assumir para o bem da humanidade. 
(...) 
Preservar as assimetrias imperiais num conjunto de nações nominalmente soberanas requer arranjos políticos e institucionais complicados. Os Estados periféricos têm de ser dirigidos por elites para as quais as estruturas e os valores particulares do centro sejam vistos como modelos a imitar. Eles têm de se mostrar dispostos a organizar a sua ordem interna, em matéria económica e social, de maneira a torná-la compatível com os interesses do centro. A manutenção no poder destas elites revela-se essencial para a sobrevivência do império 
(...) 
O calcanhar de Aquiles do neoliberalismo chama-se «democracia», como mostram tanto Hayek como Karl Polanyi (...) Os governos nacionais cujos Estados fazem parte de um império neoliberal não devem temer uma sanção eleitoral quando expõem os seus cidadãos à pressão de mercados internacionais integrados. Para o bem destes cidadãos, como é evidente – mesmo que eles não vejam as coisas desta maneira –, e certamente, em todo o caso, para o bem da acumulação do capital. É por isso que o império tem de dotar estes governos de instituições nacionais e internacionais que os ajudem a colocar-se fora do alcance do sufrágio universal. Dito de outro modo, um Estado neoliberal que queira mostrar-se fraco na sua relação com o mercado tem de se mostrar duro nas suas relações com as forças sociais que exigem uma rectificação política do livre jogo dos mercados. 

Excertos do artigo, com referências omitidas, de Wolfgang Streeck, “um império europeu à beira da ruptura”, publicado no Le Monde diplomatique – edição portuguesa deste mês. Nem de propósito, Hugo Mendes realizou uma excelente entrevista a este grande pensador alemão, publicada no último número da Manifesto, que o Nuno Serra divulgou ontem neste blogue.

Entretanto, de Wolfgang Streeck só está editado em Portugal o livro Tempo Comprado - A crise adiado do capitalismo democrático, que tive a oportunidade de recensear para a Revista Crítica de Ciências Sociais. Recomendo a tradução de Como é que o capitalismo terminará?, um livro que reúne de forma coerente textos dispersos por várias revistas académicas dos últimos anos. Repito o que escrevi em artigo recente, cruzando estes dois livros (referências igualmente omitidas):

Streeck inscreve o crescimento das desigualdades económicas registado nos países de capitalismo maduro numa tendência mais geral, em vigor desde a década de 1980, de divórcio entre o sistema socioeconómico e a democracia. A hegemonia do capitalismo neoliberal teria sido temporariamente assegurada, o tempo teria sido comprado pela financeirização, envolvendo, entre outros aspetos, a promoção de um individualismo possessivo alimentado pelo recurso ao crédito.

O preço deste processo tem sido a instabilidade financeira e económica crescentes, acompanhadas pelo acentuar das tendências catastróficas em matéria ambiental. Ao mesmo tempo, os Estados parecem cada vez mais impotentes democraticamente, dado que o poder do capital, com um grau de concentração e de centralização crescentes, molda as decisões políticas em regimes cada vez mais oligarquizados.

O paradoxo, segundo Streeck – que o leva a uma profecia sobre um fim original do capitalismo, numa espécie de desenlace bárbaro –, encontra-se aqui: o triunfo político na Guerra Fria foi de tal ordem, enfraquecendo de tal forma os seus freios e contrapesos socialistas, que a pulsão mercadorizadora capitalista, agora irrestrita, estaria a destruir as bases não mercantis de que o próprio capitalismo historicamente dependeu para assegurar uma certa estabilidade socioeconómica e política.

16 comentários:

estevesayres disse...

https://www.recenseamento.mai.gov.pt/

Anónimo disse...

"O calcanhar de Aquiles do neoliberalismo chama-se «democracia»"
Parece-me que o termo "democracia" tem aqui o sentido de "aceitação, pelo voto democrático maioritário, de propostas populistas" como esta https://www.dinheirovivo.pt/economia/cgtp-defende-aumento-do-salario-minimo-para-850-euros/
E nesse sentido, não é um calcanhar de Aquiles do neoliberalismo: é o calcanhar de Aquiles de qualquer economia de mercado.

Jaime Santos disse...

Concordo em absoluto com esta frase: 'o triunfo político na Guerra Fria foi de tal ordem, enfraquecendo de tal forma os seus freios e contrapesos socialistas, que a pulsão mercadorizadora capitalista, agora irrestrita, estaria a destruir as bases não mercantis de que o próprio capitalismo historicamente dependeu para assegurar uma certa estabilidade socioeconómica e política.'

O problema é que a responsabilidade pela vitória esmagadora na Guerra Fria não foi tanto do capitalismo, antes de um demérito absoluto do seu adversário, a URSS, cujo sistema político e económico pensadores como Emmanuel Todd já davam como em avançado estado de decomposição nos anos 70, muito antes da chegada de Gorbatchov ao poder, que foi ingénuo e se preocupou pouco com, justamente, o controle das contas.

E é esse sistema económico que, em versão requentada, o PCP-PEV e o BE ainda nos oferecem, mesmo se em versão democrática. A estatização da Economia provou ser um falhanço e infelizmente estes Partidos não saem disto. Um socialismo diferente, porventura de natureza cooperativa não lhes corre nas veias: https://www.socialeurope.eu/the-free-market-is-not-the-answer.

Uma verdadeira TINA por falta de comparência de uma Esquerda presa a paradigmas mortos nos anos 70. Não será com ela que resolveremos a crise climática e económica...

Anónimo disse...

considerem o seguinte:
"não há mercado livre. há uma ditadura do mercado".
para mim fica tudo mais claro. o problema é convencer os outros!

espero que o livro me dê argumentos!


José Peixoto disse...

Os "jaimes santos" continuam na sua cruzada intelectualmente incapaz. Ou então como justificaria agora os resultados obtidos até à alteração das "regras económicas" introduzidas por um senhor chamado Krutchov (Kruschev) e que levaram à inexorável deterioração da economia soviética, acentuada posteriormente por direcções políticas incapazes e cada vez mais afastadas do povo? Quanto a Gorbatchov e aos seus aliados, eles já nada tinham a ver com o ideal Comunista, eram sociais democratas, alguns mesmo anti-comunistas!
Quanto aos problemas, fácil é acentuá-los, foi o que fizeram direcções soviéticas, na minha humilde opinião, cada vez mais "vendidas" aos ideiais capitalistas. Porque era vital nunca quebrar a ligação entre direcção politica e povo, bem pelo contrário, urgia cada vez mais acentuar essa ligação, atacando privilégios indevidos (ou não!), combatendo corrupção que se ia instalando, levando o debate de todas as questões para o meio das massas populares, a começar pelos trabalhadores. Foi precisamente o que não aconteceu, foi o abandono da planificação central, foi o impedimento da utilização dos poderosos computadores da planificação central que existiam para resolver problemas administrativos que à mão eram já inultrapassáveis, foi a destruição do sistema de produção agricola com os recursos a equipamentos partilhados, levando à falência de inúmeras unidades de produção, foi a visão puramente administrativa e burocrática de uma direcção incapaz a todos os níveis, com a marginalização de todos os que lutavam para elevar os níveis de competência e de aperfeiçoamento do sistema soviético. Compreendo que se queira criticar, é salutar, mas não se falseie a realidade, seja porque dá jeito ou por pura ignorância! E eu não sou dos que afirma que tudo era bom, que tudo era como se se vivesse no paraíso, não, não se vivia, mas em que local do Mundo os trabalhadores e a população em geral tiveram os direitos que os trabalhadores e a população em geral tinham na União Soviética, mesmo depois da destruição total de todo o País a oeste de Moscovo durante a 2ª. grande guerra?
Quanto à "estatização" da economia, os "jaimes santos" ignoram os imensos avanços obtidos em Portugal após as nacionalizações de Março de 1975 em TODOS os domínios. Veja-se simplesmente o caso do sistema "multibanco", o melhor que existia e ainda existe e só possível porque a banca era nacionalizada! Ou o imenso trabalho de uma EDP, com a fusão de inúmeras empresas, unificação de métodos de gestão, de stocks, a levarem a electrificação do País em frente, ou a Rodoviária Nacional, na qual tive o orgulho de trabalhar, a cobrir o país de uma rede de transportes públicos, rapidamente desarticulada por um governo PS, mais interessado em favorecer o Grupo Barraqueiro do que em servir populações isoladas do interior, isto entre inúmeros outros exemplos que poderiam ser postos em cima da mesa.
Não, a economia estatizada, ou melhor dito, a colectivização dos principais meios de produção provou em todo o lado que era uma enorma vantagem em todos os domínios, menos num, o dos pagamentos chorudos a administradores, accionistas e corja de corruptos e parasitas das respetivas "entourages"! Como se vê ainda hoje! Será que é a estes "benefícios" que os "jaimes santos" cantam loas?

Jose disse...

Sempre fica por dizer o que de mais substantivo merecia ser explanado:
- «desde a década de 1980, de divórcio entre o sistema socioeconómico e a democracia»; como nunca vi qualquer diminuição da intervenção socioeconómica dos estados, com governos eleitos democraticamente, fico sem saber do que se fala.
- «a promoção de um individualismo possessivo»; digam-me qual a corrente política que vem desencorajando o consumo para todos e cada um – com nuance de que os verdes também sempre querem algo mais para animais e plantas.
- «o poder do capital, com um grau de concentração e de centralização crescentes»; uma vez mais são os estados que concentram esse poder, quer orçamentalmente quer pela regulação do sistema financeiro e de tudo mais.
- «em regimes cada vez mais oligarquizados»; é ainda à volta dos estados que se constroem essas oligarquias e pela mão de quem se diz servidor do público.
- «o triunfo político na Guerra Fria foi de tal ordem, enfraquecendo de tal forma os seus freios e contrapesos socialistas, que a pulsão mercadorizadora capitalista…»; o triunfo político foi o de tornar os estados capitalistas mercadorizadores da cretinice socialista, deixando as sociedades desprovidas dos valores que construíram sociedades livres pela promoção da livre e responsável acção individual. É só ver o caso português em que todo o palhaço no poder diz que ‘nós criamos dezenas de milhares de postos de trabalho’!

Geringonço disse...

Por falar em economia estatizada...

Porque é que o Jaime Santos não fala sobre o peso que o Pentágono tem na economia e sociedade dos EUA (e não só...)?

Porque é que o Jaime Santos não fala sobre os triliões gastos com guerras?

Não é isto também estatização da economia?

E já agora sobre os famosos "bailouts" da banca privada falida Jaime Santos?

Sabem porque Jaime Santos não fala sobre esta estatização da economia?
Porque Jaime Santos é um demagogo e hipócrita!
Mas isto dificilmente é novidade para quem frequenta o Ladrões...

Pedro disse...

O calcanhar de aquiles do neoliberalismo é a democracia ?

Sério mesmo ?

Está falar da democracia em que os povos elegem frenéticameente políticos ultra-neoliberais como Tatcher, Reagan, Bush, Merkel, Macron e Passos ?

O neoliberalismo deve ter cá um medo da democracia...

Pedro disse...

Caro Peixoto.

Está a dizer que os trabalhadores e a população em geral eram os mais livres do mundo quando estavam sujeitos à ditadura homicida estalinista ?

O Estaline que até assassinou a maior parte dos seus próprios camaradas da direção do partido comunista e do exército vermelho ?

Espantoso !

Pedro disse...

O José a fazer de conta que não sabe que são os amigos dele quem manda nesses estados que diz tão maus.

Mas se o que resta do modelo social europeu o incomoda tanto, se a miséria lhe faz tanta falta, porque não se muda para esse paraiso do liberalismo que é o terceiro mundo ?

Pedro disse...

Eu concordo que a UE é uma caricatura do que seria suposto ser e que isso é razão suficiente para que deva acabar. Eu acho que devia acabar.

O que não dá para perceber é a falta de consistência da argumentação da esquerda antieuropeísta primária.

- A UE não é neoliberal contra o "socialismo" dos estados nacionais. É neoliberal porque praticamente todos os estados nacionaIs que a compõem são neoliberais e já o eram antes da formação da UE. Se a UE acabar vão continuar a ser e esta esquerda está a ENGANAR as pessoas quando pretende o contrário.

- Não há déficit democrático nenhum na UE. Os seus órgãos dirigentes são compostos por políticos eleitos ou no âmbito da UE ou no dos seus países de origem.

- O neoliberalismo não tem problema nenhum com a democracia, a soma dos políticos neoliberais perfaz regra geral entre 60% a 90% dos votos em todas as eleições quer sejam para a UE quer nas eleições nacionais. Mas esta esquerda fala como se houvesse mais eleições directas na UE, por milagre as correntes de pensamento do PC e do bloco, normalmente derrotadas em todas as eleições, se tornariam maioritárias.

Como é óbvio iam continuar a ser derrotadas á mesma e quem seria eleito seriam os mesmos que são sempre eleitos. Mas esta esquerda faz de conta que não percebe e continua a brincar ás casinhas.

Assim não dá par falar a sério. O que se devia estar a discutir, por exemplo, é o que faz os povos votarem constantemente nos neoliberais e não fingir que é algum ficticio exército invasor da UE que impõem o neoliberalismo de forma não democrática.

Jose disse...

É no que se traduz a discussão política, um jogo de palavras de acolhimento de tudo que se quer subtrair de uma análise racional.

Se juntarmos o 'neoliberal' à 'desfuncionalidade do euro' praticamente dá-se por construída uma teoria económica!

José Peixoto disse...

Os "pedros" deeste mundo têm uma característica tramada, fingindo-se do que não são! Esclarecendo: o meu comentário referia-se EXPLICITAMENTE sobre a economia soviética, não havendo uma única palavra minha sobre o TERROR VERMELHO, as suas causas, etc., etc., etc. Isto é, os "pedros" gostam de baralhar os alvos, demonstrando uma desonestidade intelectual grosseira!
Quando for a circunstância de se debater a REVOLUÇÃO DE OUTUBRO E O TERROR VERMELHO, seja o inicial contra o Exército Branco e os exércitos invasores franceses, ingleses, japoneses, etc., etc, a que se somou a guerra contra os kulaks e o açambarcamento de cereais, seja a posterior contra a sabotagem, os sistemáticos atentados perpetrados pela oposição interna e a violenta luta de classes que opôs partidários da industrialização contra o campesinato medio e rico, sem esquecer um aparelho de estado que esteve sempre dominado por representantes de classes sociais que se opunham à revolução socialista - sim, o campo comunista não tinha quadros que pudessem colocar o aparelho de estado ao serviço inequívoco da revolução socialista, então falaremos e os "pedros" deste mundo poderão dizer isto e aquilo sobre o que pretensamente acham que eu penso, já não com base em especulação pura e dura mas tão sómente naquilo que afirme!Até lá, deixem de ser desonestos e cinjam-se ao que é afirmado!

NS disse...

Consta que no Tibet, País aonde a religião é o primado social, no arco de entrada de um Mosteiro budista estava gravada a seguinte inscrição: "Mil monges, mil budismos".
Porque os homens são todos seres diferentes, também o são no que respeita o pensar.

Assim haverá, presentemente, no PS "1.106.328 socialismos" e por aí fora, segundo recente escrutínio.
"Capitalismos" também os haverá, certamente, aos milhares....

Como abaixo se reproduz, a versão do capitalismo "financeirizado" tem andado à compita com a versão do capitalismo "de Estado", sendo que esta última versão tem muitos adeptos e convive em perfeita simbiose com a versão "financeirizada" tipo "individualismo possessivo".
"Mil adeptos de esta União Europeia, mil Uniões Europeias".

Afinal esta, a presente, União Europeia é, de facto, dizem e agem como tal os adeptos, um Estado supra-nacional.
Afinal o Euro, o esteio, é valor fiat. Lá vai o tempo em que capitalismo, capitalista, era o dono de uma fábrica de pregos.

"...A hegemonia do capitalismo neoliberal teria sido temporariamente assegurada, o tempo teria sido comprado pela financeirização, envolvendo, entre outros aspetos, a promoção de um individualismo possessivo alimentado pelo recurso ao crédito...."

Pedro disse...

Caro Peixoto.

Você afirmou que os "trabalhadores sovieticos e a população em geral" eram os mais livres do mundo durante o estalinismo.

Nesse período existia uma ditadura de partido único e milhões de trabalhadores e populares em geral foram presos, torturados e assassinados.

Agora desvie o prego para a "economia" que, por acaso, era em grande parte baseada em trabalho escravo dos trabalhadores e população em geral presos em campos de concentração.

pvnam disse...

A elite financeira, e seus mercenários, são a NOVA PIDE.
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--» Os Partidos do Sistema (e os Media do Sistema) são financiados por pessoal que..... possui investimentos ávidos de mão-de-obra servil ao desbarato.
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--» Em consequência disso os Partidos do Sistema (e os Media do Sistema) destilam ódio/intolerância para com Intenções Identitárias:
- eles não se limitam a ser globalistas, eles não suportam a existência de povos autóctones a sobreviver pacatamente no planeta; isto é: eles não respeitam NEM a diversidade, NEM a justiça social, NEM os povos de menor pegada ecológica.
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--» Ora, de facto, o pessoal dos partidos do sistema em conluio com a alta finança, e em conluio com migrantes que se consideram seres superiores no caos... não falam na introdução da Taxa-Tobin como forma de ajudar os mais pobres... querem é que a ajuda aos mais pobres seja feita através da degradação das condições de trabalho da mão-de-obra servil.
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--» Mais: migrantes naturalizados são contra o separatismo-50-50... com o efeito, o seu problema não é a integração... com a sua demografia imparável em relação aos nativos, o seu problema é serem Donos Disto Tudo.
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A luta pela Sobrevivência duma Identidade não é uma coisa de 'acção partidária'... tem de ser sim... um Movimento Suprapartidário.
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MOVIMENTO-50-50
-» respeito pela Diversidade;
-» respeito pela Justiça Social;
-» respeito pelos Povos de Menor Pegada-Ecológica
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-»»» blog http://separatismo--50--50.blogspot.com/.