quinta-feira, 30 de maio de 2019

Do «facilitismo» em educação


«O medo dos arautos do facilitismo é simples de entender. Baseia-se na ideia de que a alternativa a reprovar é passar. (...) Parte do princípio de que promover o sucesso é espoletar passagens administrativas independentemente do que os alunos aprendem. A ser assim, estaríamos perante uma fraude em que todos nos enganávamos uns aos outros. Os alunos eram defraudados porque não estariam a aprender. Os professores defraudados por se estar perante uma legitimação de uma perversão do seu trabalho. Costumo dizer que, se Portugal um dia acordar com 0% de insucesso, mas os alunos não tiverem aprendido nada, falhamos duplamente. Porque a sua avaliação foi adulterada e porque não aprenderam. Então qual é a alternativa a reprovar? Aprender.
(...) Sabemos que o insucesso escolar em Portugal – tal como em muitos outros países – está fortemente associado à condição socioeconómica dos alunos. Os ricos passam, os pobres enfrentam muito mais dificuldades. Isto significa que o problema do insucesso é, em primeiro lugar, um problema de justiça social. Não é justo que a escola, que é a única esperança de mobilidade social para muitos, em vez de eliminar as assimetrias sociais à entrada, as reproduza ou, por vezes, as acentue. (...) A escola verdadeiramente facilitista não é a que promove sucesso. É aquela que se limita a esperar pelo fim do percurso, a examinar e a verificar quem passou e enviar para outro percurso aquele que não conseguiu. Isso é fácil. Difícil é garantir que também aprendem os que chegam à escola sem motivação, sem relação com o conhecimento, por vezes com fome e a experimentar situações familiares terríveis.»

João Costa, Apontamentos sobre o facilitismo

11 comentários:

Anónimo disse...

"Difícil é garantir que também aprendem os que chegam à escola sem motivação, sem relação com o conhecimento, por vezes com fome e a experimentar situações familiares terríveis."

Belo discurso para uma Miss Universo, ou para um burocrata sentado no seu gabinete do Ministério da Educação.
Agora experimente ir a uma escola pública (não vale seleccionar). Difícil ou impossível? Por vezes o ótimo é inimigo do bom.

Unknown disse...

"Sabemos que o insucesso escolar em Portugal – tal como em muitos outros países – está fortemente associado à condição socioeconómica dos alunos."
Causal ou meramente correlacionada? Se substituirmos "à condição socioeconómica dos alunos" por "ao tempo dedicado ao estudo" a afirmação não permanece válida?

Erre Bê disse...

Felizmente no caso do Secretário de Estado, com mais de 20 anos de experiência no convívio e na educação não formal de jovens de todas as classes sociais, para falar só do percurso extra-académico, isso nem será necessário.

Já os teóricos do "exame é que é" seria bom que fizessem esse exercício.

Anónimo disse...


... Ou o aprofundamento do fosso social .

Caro secretário o problema não é ser reprovado ou não . Não há milagres com 28 alunos numa sala mais do que exígua, professores exaustos e tendo por único material um PC idoso e um quadro interactivo. Como vai ser com todo o material informático tão obsoleto?!

Alguém tem ideia da papelada produzida e que se auto-justifica? E as cruzinhas? Muda-se um aluno de lugar? Há que não esquecer de plantar a cruzinha.

Posso nem gostar de exames , mais ainda é a forma mais "equitativa" de aceder à universidade. No dia em que as universidades escolherem os seus estudantes , para onde irão os mais desfavorecidos? Já conhecemos bem as dinastias que imperam dentro de portas .

Jose disse...

«Os ricos passam, os pobres enfrentam muito mais dificuldades»

Confundir pobres com grunhos é a mentira cómoda do progressismo idiota.
A sua doutrina dos coitadinhos, que promove grunhos, assim se autojustifica.

Dizer aos pobres que isso justifica que sejam grunhos, é mensagem permanente!

Anónimo disse...

Pessoalmente não considero o sucesso escolar como uma vantagem decisiva para uma criança. Primeiro pelas razões que esse cavalheiro aponta: as contas já estão feitas à entrada na escola. O sucesso futuro depende em boa parte dos recursos dos pais. O que não é o meu caso. Segundo porque o sucesso escolar e profissional ou financeiro não é forçosamente uma condição para a felicidade. Terceiro porque tenho muitas restrições ao que é e como é ensinado na escola. Tenho um filho de 12 anos que não tem educação artística nenhuma na escola, e o ensino da história, por exemplo, continua a alardear as mesmas patacoadas nancional-salazaristas sobre o D. Afonso Henriques etc, e não percebo por que motivo as escolas não abrem os campos de jogos e salas de trabalhos manuais aos fins de semana, geridos pelos pais. Sempre que passo diante da escola fechada nos finais de semana dá-me raiva. Eles contam com a Tv e os jogos eletrónicos para "acalmar" as crianças nos finais de semana.

Manuel Galvão disse...

Como em muitos outros aspetos da governação o Estado português vai paulatinamente copiando o que se passa nos EUA.
Lá, em muitas escolas públicas, não há diplomas, há declarações de frequência.
E que os alunos não se queixem de falta de oportunidades. Se não aprenderam porque não estudaram que tivessem estudado... A escola e os professores estavam lá, à disposição.
Nas sociedades liberais não se ajudam velhinhos a atravessar a rua quando estes não querem, se não mostrarem que estão empenhados em ir para o outro lado.

Daniel Ferreira disse...

Foi para combater essas assimetrias que se terminaram contratos de associação, fazendo com que alunos com menores capacidades ficassem sem escola perto de casa e tivessem que se deslocar, às vezes dezenas de quilómetros, para estudar na "Escola Pública", aquela que não permite aos pais escolher percursos, discutir programas, ou se quer participar em actividades?!

José Guinote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Guinote disse...

Essa ideia de que a escola é a única esperança de mobilidade social para muitos, mostra bem como o SE tem convicções cujos fundamentos remontam a tempos muito antigos. Antes do 25 de Abril isso era verdade. Numa democracia isso não pode ser verdade. A menos que seja uma pobre e triste democracia como aquelas em que o serviço Público de Educação tende a ser progressivamente privatizado e a diabolização dos professores é usada como instrumento ao serviço dessa estratégia. Essas democracias tendem a consolidar os factores de desigualdade tornando-os estruturais. Sobra depois a ladaínha de que o texto do SE é um exemplo.
Quanto ao "facilitismo" o que se anda a fazer na Escola Pública é uma tristeza. Tenho um filho no 9º ano, na escola pública, e acho que aquilo que se passa é exactamente o contrário do que o SE escreve. Parece até que ele não sabe daquilo que fala. Deveria ter escrito o seguinte: "As mudanças promovidas transformam a passagem de ano num mero exercício estatístico, em que se confunde o resultado com o que deve gerar esse resultado". O objectivo da política educativa é apenas a estatística a pura e dura promoção de resultados pré-estabelecidos. Os alunos as suas necessidades, as suas diferenças, os seus direitos, são irrelevantes.

Jose disse...

«Essa ideia de que a escola é a única esperança de mobilidade social para muitos…. Antes do 24 de Abril era verdade,»

Tem o Guinote toda a razão; na sociedade abrilesca da treta, todo o grunho tem enormes possibilidades de qscensão: há carreiras automáticas, há nepotismo e partidarismo, há corrupção, há tolerância democrática, há balda progressista, há dívida...tudo enormes conquistas.