quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Gaspar no casino (II)

Recapitulemos:

1. O corte dos subsídios de férias e Natal a pensionistas e funcionários públicos (que renderia cerca de 2 mil milhões de euros), foi inicialmente justificado - pelo governo - com a necessidade de compensar um «desvio colossal» (nunca demonstrado) nas contas públicas do primeiro trimestre de 2011.

2. Quando Vítor Gaspar redimensionou esse fantasioso «buraco» para metade, a justificação para os cortes passou a ser a necessidade de «ganhar margem de manobra», tendo em vista o cumprimento da meta do défice (4,5%) acordada com a troika para 2012. Tratava-se afinal, portanto, de uma «colossal medida preventiva».

3. Com o veto do Tribunal Constitucional (TC) ao corte de subsídios a pensionistas e funcionários públicos em 2013 (por «violação do princípio da igualdade»), o governo decidiu lançar-se na aberrante aventura da TSU. Globalmente, entre cortes generalizados de subsídios e alterações à TSU, a «margem de manobra» seria ampliada para 2,3 mil milhões de euros, a que acresceriam as medidas necessárias para acomodar o desvio do défice para 2012.

4. Com o 15 de Setembro e o Conselho de Estado, o governo viu-se forçado a recuar e a encontrar outras medidas de austeridade que - supostamente - teriam em vista compensar o veto à TSU. É então que se chega ao «enorme aumento de impostos» anunciado por Vítor Gaspar, necessário a cumprir as novas metas do défice acordadas com a troika (5% em 2012 e 4,5% em 2013). Tudo somado, passou a tratar-se de uma receita que ronda, no mínimo, os 5 mil milhões de euros.

5. Para salvar o parceiro de coligação, o «partido do contribuinte» - e assim evitar passar a certidão de óbito a um governo morto - Gaspar pretende agora «mitigar» o aumento de impostos com novos cortes na despesa, feitos à custa da função pública (despedimentos, idade de reforma e cortes na protecção social). Uma opção que recoloca em cima da mesa a questão da violação do princípio da igualdade suscitada pelo TC, e que - já não seria surpresa para ninguém - poderá servir para ganhar ainda «mais margem de manobra».

6. Gaspar e o seu governo incorreram num «enorme» falhanço em 2012 e falharão de forma «colossal» em 2013. Todas as «margens de manobra» - obtidas à custa de sacrifícios inúteis, violentos e contraproducentes - serão esturradas como até aqui.

Os médicos têm um nome para a doença de que sofrem pessoas viciadas em casinos: «jogo patológico». No caso de Gaspar, trata-se de brincar a uma estúpida folha de excel, da qual não desvia os olhos por um segundo. Com a agravante de, ao contrário de uma roleta, esse jogo não ser de sorte nem de azar: os trágicos resultados que alcança são demonstradamente previsíveis (aqui como na Grécia, de quem estamos cada vez mais perto). E somos nós, como pais a quem o filho mimado não se cansa de exigir dinheiro, a pagar - na pele - a conta de tão teimosa e insane brincadeira.

8 comentários:

Dias disse...

(Todas as “margens de manobra” serão esturradas como até aqui)

Para nos continuar a avivar a Memória, a síntese apresentada é muito oportuna e bem-vinda.
Já se percebeu que a austeridade não pára nunca mais, enquanto Gaspar & Cª vão inventando mais uma habilidade, mais uma mentira.
Será que estes incompetentes, mas pretensiosos, ainda continuam agarrados a folhas de Excel ou a “modelos matemáticos para tratar de questões sociais”?
A solução é só uma!

Blondewithaphd disse...

Ignoro onde vamos parar por este caminho. Que será um lugar trágico, será.

vmsda disse...

Se bem me lembro, a desculpa do "desvio colossal" foi usada para lançar o imposto extraordinário equivalente a cerca de 50% do subsídio de Natal. Ou estou enganado?

Anónimo disse...

A comparação que faz entre um filho mimado e o governo parece-me demasiado benevolente, assistimos a acções graves de um governo que não se importa de passar por cima de ninguém para atingir um determinado fim, esta obstinação é criminosa, é importante não suavizar os termos pois corre o risco de ser mal interpretado.

henriquedoria disse...

A sociologia tem um termo oara estes gajos tipo Gaspar:: ignorantes treinados.
Têm o Pantagruel na cabeça e não sabem estrelar um ovo.
Mas sabem que têm conselhos de administração no Pingo Doce,na Sonae, nos bancos e similares à espera.São a sua luz no fundo do túnel.

simon disse...

E o melhor é não se apresentar a gaspar nova reequação de contas ou ainda o homem aproveita para ir além, lembra o F. Fernandes, que nem já os pobrezinhos escapem, e cortar-nos mais aos bolsos .

Diogo disse...

Imaginar que Gaspar é um jogador patológico ou um incompetente, é ingénuo.

Gaspar é um funcionário bancário que recebe ordens superiores.


Paulo Morais, professor universitário - Correio da Manhã – 19/6/2012

[...] "Estas situações de favorecimento ao sector financeiro só são possíveis porque os banqueiros dominam a vida política em Portugal. É da banca privada que saem muitos dos destacados políticos, ministros e deputados. E é também nos bancos que se asilam muitos ex-políticos." [...]

[...] "Com estas artimanhas, os banqueiros dominam a vida política, garantem cumplicidade de governos, neutralizam a regulação. Têm o caminho livre para sugar os parcos recursos que restam. Já não são banqueiros, parecem gangsters, ou seja, banksters."

Luís Lavoura disse...

Uma opção que recoloca em cima da mesa a questão da violação do princípio da igualdade suscitada pelo TC

Não entendo. Então quando o governo pretende colocar a idade da reforma da função pública igual à dos trabalhadores do privado, isso é uma violação do princípio da igualdade? Eu diria que esse princípio é violado pelas condições atuais, em que os trabalhadores da função pública gozam de regalias (aliás diferentes de setor para setor) diferentes das do privado!