sexta-feira, 13 de julho de 2012

Um declínio cumulativo e terminal

Regresso ao poste que o Nuno Teles publicou aqui há dias para sublinhar a relevância dos factos a que ele se refere para a discussão em torno da saída do euro como opção política. Recordo que um dos argumentos (entre outros, claro) que têm sido apresentados, inclusivamente à esquerda, para rejeitar essa opção consiste na putativa rigidez das exportações portuguesas face às flutuações cambiais: supostamente, Portugal não contaria com um tecido produtivo susceptível de responder significativamente ao estímulo da desvalorização que se seguiria à reassunção da autonomia monetária e cambial. Ora, parece-me que a resposta das exportações portuguesas à depreciação do euro nos últimos meses constitui uma 'experiência natural' que refuta eloquentemente essa objecção - da mesma forma que a diferença entre a evolução das exportações para dentro e para fora do espaço comunitário, tal como o Nuno assinala, refuta qualquer tentativa de interpretar o comportamento agregado das exportações como um início de resposta positiva da economia portuguesa à pretensa "terapia" imposta pelo governo.

É óbvio que este debate não perdeu a actualidade e, por isso mesmo, iremos voltando a ele. Infelizmente, esta crise ainda mal começou - e se isso é verdade para o "Ocidente" como um todo, é-o ainda mais para a economia portuguesa, que se encontra no centro de uma tempestade perfeita em que se conjugam: i) uma recessão global causada pela deflação de níveis insustentáveis de endividamento (principalmente privado), a qual, em virtude da própria dimensão desse mesmo endividamento, arrastar-se-á com certeza durante muitos anos; ii) a pertença a uma zona monetária disfuncional, desenhada para servir os interesses do capital independentemente da miséria e desemprego que origine; e iii) a imposição em Portugal de um programa de compressão da procura interna na esfera fiscal e orçamental. Seria preciso bastante imaginação para conseguir conceber uma conjugação de factores mais destrutiva para a economia e sociedade portuguesas. Como é evidente, o problema não é cíclico, mas imanente e estrutural - algo que, estou em crer, a vasta maioria dos portugueses ainda não percebeu ou quis perceber. E se pouco podemos fazer em relação ao primeiro dos factores atrás apontados, não teremos outro remédio, mais cedo ou mais tarde, senão libertarmo-nos das correntes dos outros dois - sob pena de tornarmos cada vez mais reais as palavras proféticas de Wynne Godley, escritas aquando da assinatura do tratado de Maastricht:

"Se um país, ou região, não tiver a possibilidade de desvalorizar a sua moeda, e se não beneficiar de um sistema de equalização orçamental, então não há nada que impeça que entre num processo de declínio cumulativo e terminal, conduzindo, em última instância, à emigração como única alternativa à pobreza e à fome."

1 comentário:

João Carlos Graça disse...

Muito bem visto, caro Alex.
Aliás, mesmo num país como os EUA - onde a despesa federal é evidentemente muitíssimo mais do que os míseros 1 por cento do saco do Tio Barroso relativamente ao PIB da UE - é sabido que aquela malta toda, de vez em quando, emigra do Dakota do Norte para o Dakota do Sul, e uns anos depois pega na trouxa e inverte a marcha, tudo dependendo dos ciclos económicos, da transferência das fábricas de um estado para o outro, etc.
Assim sendo, e a fortiori com 1 por cento para o Ti'Barroso, é evidente que o principal "God-given right" resultante da nossa pertença à UEM é mesmo o inalienável e imprescritível direito a emigrar.
Não percamos, pois, mais tempo a dizer mal do tipo que nos recomendava que "nos fôssemos embora".
Não fazia mais do que tirar as conclusões devidas, e "quem diz a verdade não merece castigo"...