O principal objectivo da economia política da austeridade está a ser alcançado – os salários estão em queda. É claro que a “quebra histórica dos salários pagos corta a fundo receitas do Estado”. É mesmo assim: os salários são um custo, mas também são uma das principais fontes de procura, uma das principais fontes de receitas públicas e privadas. Uma contradição que só pode ser superada através de uma adequada política económica e de arranjos institucionais que equilibrem as relações entre trabalho e capital, que introduzam mecanismos de coordenação. Uma contradição que se está a aprofundar porque o Estado está apostado em não ser mais do que uma empresa obcecada com a redução de custos laborais, apenas para ser traído por resultados macroeconómicos contraproducentes, dado que este seu comportamento se generalizou como que por uma mão (in)visível.
Poder-se-ia então dizer que a actual política de austeridade só gera efeitos perversos, mas acho que todos sabemos que a redução do défice é um horizonte, um pretexto permanente para consolidar uma economia sem qualquer pressão salarial ou social. A promoção pública do lucrativo negócio da subcontratação de profissionais, como é o caso de enfermeiros que auferem 3,96 euros à hora, é apenas um exemplo de um processo deliberado mais vasto que trata cada vez mais trabalhadores como se fossem desvalorizadas mercadorias descartáveis, ajudado pelo desemprego de massas, com 54,2% dos trabalhadores desempregados sem acesso a subsídio de desemprego, e pela desregulamentação sem fim das relações laborais.
Esta política faz-nos cair numa armadilha: salários cada vez mais baixos, horários cada vez mais longos e cada vez menos postos de trabalho. O medo, claro, é um dos ingredientes fundamentais desta economia medíocre, que não foi feita para cuidar das motivações e aspirações de quem trabalha. Entretanto, soubemos hoje que o número de insolvências cresceu 83% entre Janeiro e Junho e que os “particulares”, aquela parte das classes trabalhadoras que se endividou na maior parte dos casos para ter acesso a habitação, já representam 65% do total. Mais medo, sempre a economia do medo. Esta economia é uma oportunidade para quem e para o quê?
terça-feira, 3 de julho de 2012
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4 comentários:
É o que mais se vai notando: o medo, medo de perder o emprego, a casa; medo de perder o trabalho precário, em tempo parcial, com recibo verde; medo de perder a reforma,o subsidio de "sobrevivência"; medo da miséria.
Mas também vai crescendo um forte sentimento de revolta, de desprezo pelos responsáveis por estas políticas, pelas injustiças, pelos escândalos, por "essa gente".
E quando a revolta for superior ao medo e já nada mais houver a perder ...
Volto a fazer uma pergunta simples:
-O que são realmente os Mercados?...Fala-se tanto na actualidade dessa figura incontornável quando se fala de Economia e de regulação dos Estados, nunca vi em algum lado uma descrição simples e objectiva desse Mundo tão esquivo, incorpóreo, escorregadio e inefável...O que são efectivamente os Mercados, quem os constitui e como funcionam, quem os controla e como podem ser controlados, o que deseja, quais são os seus verdadeiros objectivos?...É uma pergunta simples, se alguém me puder responder a ela com objectividade e rigor merece o meu mais profundo respeito e reconhecimento.
Meirelesportuense, fizeste a pergunta de um trilião de dólares. Faço das tuas palavras, as minhas...
"Toda" a gente fala em mercados mas o que sabem do assunto, realmente? Uma coisa é certa: há agentes que conseguem influenciar os mercados mais que outros. ;)
Neste blogue e fora dele temos escrito sobre a natureza dos mercados (por exemplo, no livro onde pára o estado? de 2009). Aconselho a leitura da série de posts “Mercado e Estado” do José Maria (Julho de 2008).
http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/search?q=mercado+e+estado
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