terça-feira, 17 de abril de 2012

Decapitar a excelência?


«A maternidade Alfredo da Costa é a que maior número de partos realiza e a de maior diferenciação técnica e tecnológica nas complexas áreas da gravidez de alto risco e dos cuidados neonatais. Não se percebe que se destrua uma unidade tão valiosa e permaneçam em funcionamento maternidades com menos partos, recursos e diferenciação. (...) Desmembrá-la, destruí-la, será sempre um prejuízo de enormes dimensões para o SNS, por mais poupanças que as contas mesquinhas e medíocres destes governantes possam fazer e anunciar.»

João Semedo (Esquerda.net)

«No reino da austeridade nunca há cortes cegos. Os seus ideólogos têm sempre uma retórica de justificação preparada que serve acima de tudo para dar uma aparência técnica a decisões que não são senão escolhas políticas. (…) A decisão de encerrar a Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa é um caso paradigmático. (…) O desempenho daquela unidade do Serviço Nacional de Saúde é conhecido de todos. (…) Ao que é quantificável acresce o muito que não se pode quantificar: uma cultura de interdisciplinaridade que permite potenciar o bom tratamento e o sucesso no acompanhamento das suas utentes.»

José Manuel Pureza (Diário de Notícias)

Não é preciso ter tido alguma vez contacto directo com os serviços da Maternidade Alfredo da Costa para perceber que se está perante uma unidade pública de saúde de excelência. Numa passagem pela MAC (e sobretudo se esta permitir observar a qualidade de funcionamento dos diferentes serviços e a amadurecida articulação que existe entre eles), a constatação torna-se plena: à capacidade técnica e profissional irrepreensíveis alia-se um cuidado humano inexcedível. E de ambos beneficiam, sem qualquer espécie de diferenciação social ou económica, todas as mulheres e crianças que a maternidade acolhe. A MAC é, a todos os títulos, um modelo de como deve funcionar uma unidade que presta cuidados de saúde.

Mas tendo o privilégio de passar pela MAC, constata-se ainda outra evidência: esta maternidade recebe e resolve com sucesso a maior parte dos casos de complicações (que muitas vezes colocam em risco a vida das mães e dos bebés) provenientes de maternidades do sector privado. Como em tantos outros domínios, quando algo começa a correr mal no privado (ou quando este não tem, manifestamente, capacidade para resolver situações mais complexas), é ao sistema público que se recorre. Em diversos serviços da Maternidade Alfredo da Costa existem placards onde são afixadas fotografias e cartas de agradecimento. Escritas por pais e crianças cujas vidas foram salvas, muitas vezes in extremis, pela MAC, depois de intervenções mal sucedidas no privado.

Não existe, de facto, nenhuma razão válida para encerrar a Maternidade Alfredo da Costa. Como demonstra, aliás, a sucessão incongruente de justificações que o ministro Paulo Macedo procurou adiantar: do supostamente escasso número de partos (entretanto desmentido pela própria realidade), a uma discutível orientação científica que recomendaria a integração das maternidades em hospitais, passando pela desculpa intencionalmente distorcida de que a decisão de encerrar a MAC remonta ao anterior governo (ou mesmo a tentativa de criar, literalmente, uma cortina de fumo, com o anúncio da intenção de proibir fumar em automóveis com crianças, que não passa de uma ficção assente num «não-problema», mas suficientemente polémica para tentar desviar as atenções).

Todas as suspeitas sobre os verdadeiros motivos que estão por detrás da decisão de encerramento da MAC têm, por isso, fundamento: da intenção de venda do edifício, localizado numa apetitosa zona do centro de Lisboa, à pretensão de extinguir as unidades de excelência do SNS, de modo a facilitar a concorrência aos privados e alimentar o mito (cada vez mais evidentemente falso) da falta de qualidade dos serviços públicos.

Adenda: Quando Henrique Raposo refere que tudo é bom na MAC excepto o edifício (sem cuidar de deduzir o que pensam os profissionais da maternidade a esse respeito), não só invoca um argumento que o ministro não adiantou como esquece certamente todas as obras de requalificação entretanto realizadas (nas quais o Estado, e muito bem, investiu) e todas as melhorias que ainda podem ser feitas. E esquece ainda (e sobretudo) o mais importante: que é preferível ter excelentes cuidados de saúde em instalações modestas, do que cuidados de saúde modestos em instalações de luxo.

2 comentários:

Banda in barbar disse...

A MDAC é a Maria Antonieta da Esquerda?

António Nunes disse...

Devo a vida da minha mulher aos médicos, enfermeiros e equipamentos da MAC.

Passei longos meses na MAC, sentado nas diferentes salas de espera

Vi pobres e ricos, brancos, ciganos e negros. Mães de 14 e 15 anos. Vi velhas com doenças graves ao lado de jovens à espera dos filhos.

Vi e sou testemunha do crime que contra todos nós vai ser cometido, em nome de clínicas privadas, em nome de especuladores imobiliários.

Como tal, esta questão tem de ser transversal à sociedade. Não é da esquerda, nem da direita.

Gostaria de ver as elegantes senhoras da direita conservadora (que defendem a vida...) a defenderem a MAC, na televisão, nas vigílias. Não as vi.

Mas já as vi na MAC, ao lado dos feios, a suspirarem de alívio e a agradecerem às equipas médicas, os cuidados que as suas filhas e noras receberam. Esse agradecimento, tomo-o também para mim, que com orgulho ajudo a financiar todos os meses a excelência do SNS.