sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Política Industrial - o exemplo da energia eólica


Para terminar as minhas notas sobre política industrial, forneço um exemplo do que é a actual tímida política industrial portuguesa e algumas pistas de como ela podia e devia ser. O governo de Sócrates fez uma forte aposta na área das energias renováveis, sobretudo na energia eólica. Ao ler o plano nacional de acção para as energias renováveis, constatamos as linhas gerais desta política: liberalização do mercado energético, subsidiação das tarifas pagas aos fornecedores, apoios financeiros através de subsídios e vantagens fiscais a aquisição de equipamento. O resultado foi uma explosão de produção de energia eólica, como qualquer pessoa pode testemunhar se andar pelo país. Os resultados são positivos: menor dependência energética externa e produção de electricidade pouco poluente.

Porreiro, pá? Não tanto. Face à liberalização de um mercado recentemente criado (sim, os mercados são construídos…), a sua estrutura é bastante atomizada, com muitas empresas. Ao procurar os accionistas das empresas da “associação de energias renováveis” encontramos todas as grandes empresas energéticas europeias, sozinhas ou em parcerias (E.on, EDF, GDF-SUEZ, Endesa) com algumas empresas nacionais (caso da EDP e da Martifer). Não é difícil perceber que ganhamos mais com a Martifer do que com a EDF, com os seus centros de investigação e produção localizados em França, pois não? No entanto, como a The Economist referia há umas semanas, este mercado prepara-se para ser tomado por uma vaga de aquisições e fusões devido aos cortes nos apoios públicos a este sector. Martifer vs EDF e imaginem quem compra quem. Mais, uma breve pesquisa nos sites destes produtores mostra-nos como a parte mais sensível da tecnologia das turbinas é, nos casos em que consegui chegar à informação (Gerneg, Martifer e EDP Renováveis), alemã e dinamarquesa. Não consegui encontrar nos sites destas empresas quaisquer esforços para desenvolver esta tecnologia. Provavelmente, não é rentável.

Agora imaginemos uma política industrial a sério, onde o Estado, evitando problemas de assimetria de informação, direccionasse o seu investimento científico para o desenvolvimento tecnológico no sector, mobilizasse a participação democrática das populações e trabalhadores neste projecto, optimizando os canais de informação, e privilegiasse o investimento com efeitos de arrastamento no resto da economia nacional em detrimento da pressão de rentabilidade de curto prazo. Beneficiaríamos do recém criado mercado nacional para construirmos capacidades e produtos que, mais cedo ou mais tarde, estarão por todo o mundo.

Enfim, não estou a descobrir a pólvora, nem no modelo de política industrial a seguir, nem na energia eólica em particular. Um dos casos de estudo mais citados neste sector é o de como um pequeno país, a Dinamarca, venceu a concorrência californiana nos anos oitenta. Enquanto os americanos se decidiram por uma abordagem “amiga do mercado” à portuguesa, com as empresas obcecadas com a rentabilidade de curto prazo e muito vulneráveis às mudanças de política de subsidiação de energia, os dinamarqueses apostaram no longo prazo, envolveram a sua investigação académica (antes direccionada para a energia nuclear) e contaram com a participação das populações (através de cooperativas de produtores). Hoje, o modelo eólico mais comum é conhecido como “modelo dinamarquês”…

Finalmente, podem sempre utilizar o contra-argumento que já temos um “campeão nacional”, a EDP Renováveis. Certo, mas sendo uma das maiores produtoras mundiais de energia eólica, a sua estratégia foi baseada no crescimento horizontal, via endividamento e compra de outras empresas e, pelo que vi pelo seu site, não há qualquer esforço em desenvolver a tecnologia mais avançada presente neste mercado, a das turbinas. Essa é fornecida pelos dinamarqueses… Ou seja, embora seja melhor ter a EDP do que a EDF, os ganhos são pequenos (em emprego, capacidade produtiva, investigação e desenvolvimento), quando comparados com uma estratégia alternativa ao serviço da economia e não da rentabilidade míope.

A propriedade é importante neste campo. A política industrial é o melhor argumento para existência de empresas públicas em determinados sectores. Com empresas públicas todo este esforço de promoção e articulação tornar-se-ia mais fácil, evidente e susceptível de avaliação. Esta tem sido claramente uma falha dos partidos mais à esquerda, cuja defesa das nacionalizações assenta unicamente na socialização de lucros monopolistas. As nacionalizações não são um fim, mas sim um meio…

5 comentários:

Anónimo disse...

"Agora imaginemos uma política industrial a sério, onde o Estado, evitando problemas de assimetria de informação, direccionasse o seu investimento científico para o desenvolvimento tecnológico no sector, mobilizasse a participação democrática das populações e trabalhadores neste projecto, optimizando os canais de informação, e privilegiasse o investimento com efeitos de arrastamento no resto da economia nacional em detrimento da pressão de rentabilidade de curto prazo."

Imaginemos todo o seu post à escala europeia, mas sobretudo esta parte.

nuno teles disse...

Melhor ainda!

Ricardo disse...

Nuno Teles, discordo da parte final do seu texto. Se ler o documento da Conferência Nacional do PCP para as questões económicas e sociais em Novembro de 2007, bem como os textos sobre a Campanha Nacional:Portugal a produzir, verá que a importância da propriedade pública na política industrial ou, numa perspectiva mais geral, na económica, resulta da importância que um conjunto de sectores básicos e estratégicos para o desenvolvimento económico de uma país, para a promoção da produção e a elevação das condições de vida. Mais, numa perspectiva marxista, se não fosse esse o entendimento, a defesa da intervenção pública, num quadro de correlação de forças completamente desfavorável para os trabalhadores, implicaria o reforço da posição capitalista, o reforço da exploração e dos esforços capitalistas para, através da coordenação do planeamento de cada grupo monopolista, ganhar eficiência e contrariar a baixa tendencial da taxa de lucro, resultante da lei da composição orgância do capital.
Se estiver interessado, penso que o PCP estará muito interessado em aprofundar esta, como outras matérias, independentemente de diferenças que naturalmente poderão existir.

Banda in barbar disse...

Hoje, o modelo conhecido como “modelo dinamarquês”…
em que as turbinas têm uma vida útil de 20 a 25 anos dependendo do teor de sal e partículas corrosivas
e tudo o vento levou

Anónimo disse...

«pelo que vi pelo seu site, não há qualquer esforço em desenvolver a tecnologia mais avançada presente neste mercado»

Nem nesse mercado nem em nenhum outro. A EDP "fora do site" não tem nenhum centro de reserch e o trabalho das suas várias fundações limita-se a pequenos prémios e apoios à tradução de livros estrangeiros. Toda a escola que a antiga EDP constituía desapareceu com a privatização. Tudo em nome da porcaria do dinheiro e do acumular da dívida.