quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O défice prejudica a futura recuperação?

O agravamento do défice [em resultado das políticas de combate à crise] acabará por afastar (“crowd out”) o investimento privado, programado para o futuro, como muitos clamam?

Isso é absolutamente improvável. Pelo contrário, um programa de despesa pública bem sucedido criará oportunidades lucrativas que encorajarão negócios privados a manter-se abertos ou mesmo a expandir-se, em vez de encerrarem por ausência de uma política de despesa pública anti-crise.
Uma melhoria generalizada da situação económica só pode baixar, e não aumentar, os actuais e proibitivos ‘prémios de risco’ incorporados nas taxas de juro a que estão sujeitos todos os que hoje recorrem ao crédito!
Em nenhuma circunstância a despesa pública presente ou futura, mesmo em grande volume, poderia nas actuais condições, conduzir à subida generalizada das taxas de juro de longo prazo por tal forma que anulasse os efeitos positivos da reanimação da actividade económica e da redução do risco. Bem pelo contrário! A despesa pública acabará por atrair, e não afastar, o investimento privado.”

(Excerto de uma entrevista a James Galbraith; tradução minha).

Duas notas:

1) Um europeísta de esquerda só pode defender esta política económica.
2) Ainda será preciso lembrar que, no que toca à política económica, praticamente já não há instrumentos nacionais?

7 comentários:

João Dias disse...

Não concordo com os últimos dois pontos por duas razões:

-Efectivamente existem ainda mecanismos nacionais importantíssimos apesar do PEC e outras restrições supranacionais (a AR tem dado (tímidas) provas disso)

-Cingir um europeísta de esquerda a uma política económica...é muito redutor e pouco plural.

Causam-me alguma estranheza estas duas notas, confesso.

Carlos Albuquerque disse...

O que é válido para a economia americana é também válido para a portuguesa?

Ou trata-se apenas de uma proposta para defesa de uma posição europeia conjunta?

Jorge Bateira disse...

Caro João Dias,
1) A política monetária está entregue a uma entidade federal (BCE) sem a imperativa obrigação de colaborar com a política orçamental.
2) A UE não tem política orçamental e, mesmo numa situação de excepconal gravidade como a que vivemos, a única orientação comum a que se chegou foi "salve-se quem puder".
3) A taxa de câmbio do euro, um instrumento de grande impacto na competitividade das nossas exportações, flutua ao sabor dos movimentos de capitais especulativos.
4) A política comercial segue as orientações neoliberais da Organização Mundial do Comércio, pelo que muito do que perdemos em emprego industrial foi a contrapartida para os ganhos que a Alemanha obteve na China e noutros mercados.

Francamente, no curto prazo não vejo instrumentos macro disponíveis.

Agora, se houvesse ousadia nos que apenas são socialistas de nome, não tenho grandes dúvidas que uma coligação entre Grécia, Espanha e Portugal, a que se juntaria a França, faria mudar a orientação monetarista que hoje prevalece na UE e se prepara para nos levar de volta à recessão.
É que o não cumprimento do PEC é hoje generalizado! Todos ao mesmo tempo vão reduzir a despesa pública: investimento e salários reais.

Finalmente, eu não disse que um europeísta de esquerda se define apenas em relação a esta opção de política económica. Mas, reafirmo, para ser de esquerda tem de incluir na lista das suas opções também esta. Afinal de contas, trata-se de colocar o emprego como a primeira prioridade da política económica. Só os monetaristas, e os neoliberais em geral, defendem a prioridade do equilíbrio das contas públicas, a qualquer preço, no actual contexto.

Caro Carlos Albuquerque,

O texto aplica-se à UE, e em particular à Zona Euro. Os seus membros já há muito abdicaram da soberania na condução da política económica. Em Portugal, sem referendos.
Espero que a foto que acompanha o texto também sugira a desorientação em que a UE actualmente se encontra.

Agradeço os vossos comentários.

João Dias disse...

Caro Jorge Bateira:

Eu não discordo dos pontos que apresentou e também concordo com a o combate a nível europeu.

BCE a responder perante o poder político. A necessidade de controlo de fluxo de capitais e o combate à excessiva financeirização da economia europeia (e não só). E uma política orientada para o pleno emprego de qualidade em detrimento da competitividade neoliberal baseada nos baixos salários.

Mas há instrumentos nacionais importantíssimos e que, se usados, poriam o próprio modelo neoliberal levado a cabe pela europa até então.

-> Combate à corrupção (em geral)
-> Quebra sigilo bancário
-> Desprivatização dos sectores essenciais da economia portuguesa
-> Fim do offshore da Madeira...perdão, "zona franca"
-> Taxação das grandes fortunas
-> Escalão tributários mais progressivo (João Rodrigues sugere um novo escalão de IRS de 45%)
-> Reverter mais valias da valorização de terrenos para o sector público
...

Portugal sofre de uma desigualdade económica grosseira, o atraso passa, não só mas também, por aqui. Se só em Portugal se tomassem algumas de coragem não tenho dúvidas dos efeitos positivos. A distribuição mais racional da riqueza estimula o consumo e gera a estabilidade essencial para o desenvolvimento intelectual, social, ambiental e produtivo do país. Nesse sentido e apesar de concordar com as restrições supranacionais, discordo que "praticamente já não" haja instrumentos nacionais.

Em relação ao europeísta de esquerda, confesso que gostei muito mais da forma como expôs os termos no seu comentário do que no post em si.

Alberto Silva disse...

Partindo do principio que têm razão, e que as especificidades da situação portuguesa não condicionam esta lógica, deixo duas questões (focadas não no âmbito teórico mas sim prático pois é o emergente):

1) Tendo presente a noção de "Custo de Oportunidade", qual a sua opinião da via do "betão" tomada por o actual governo ou a via do "betão+jardinagem" sujerida pelo bloco de esquerda (falo da requalificação das cidades).

2) Não pondo em causa a importância do investimento público, nem o papel ou o âmbito de envolvimento do estado na economia, desvaloriza a voz que se tem levantado contra os gastos públicos absolutamente supérfluos, decorrentes do crescimento burocrático, que indiscutivelmente existem Portugal? Pensa que nesta fase seja melhor mantê-los do que cortá-los, mesmo que sejam um peso morto?

Alberto Silva disse...

Aguardo respostas.. ou não existem?

Jorge Bateira disse...

Caro Alberto Silva,
Estou fora do pais e nao tenho neste momento teclado portugues.

Sou mais favoravel a logica dos investimentos identificados localmente como socialmente uteis.
Por isso propus um grande programa que torna o Estado empregador de ultimo recurso, tal como ja e emprestador de ultimo recurso.
Para entender melhor a ideia veja a posta de 6 de Janeiro ("Ate quando?") e o texto de um academico americano que la indico.

Quanto aos gastos superfluos, nas actuais circunstancias, apenas mantinha os associados a uma elevada propensao ao consumo, ou seja, os que beneficiam as classes mais pobres. Boa reflexao.