quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Diário do Orçamento I - A revelação


Foi ontem entregue o Orçamento para 2010. A primeira notícia é sobre 2009. O défice foi de 9,3%. Agora que já votámos, ficámos a saber que os números das contas públicas são bem diferentes daqueles que o Governo andou a repetir durante a campanha. E claro que essa revelação serve agora para justificar o defraudar de muitas outras das promessas da campanha. Como de costume, as más notícias ficaram para depois da contagem dos votos. Mas mesmo sob o signo do défice, continua a haver muito por onde escolher. Como sempre. É dessas escolhas que irei falar durante o próximo mês.

16 comentários:

Bruno Silva disse...

Más notícias? agora fiquei confuso... então não são vocês que estão sempre a defender a via do défice elevado para se sair da crise? Para vocês isto deveriam ser boas notícias, onde está a coerência?

Paulo disse...

Pois, Bruno Silva, eu ia comentar isso mesmo. Importam-se de explicar?

José Guilherme Gusmão disse...

Vou partir do princípio que a pergunta é séria. Nunca ouviu aqui ninguém defender défices elevados. Terá ouvido dizer três coisas:

1. A escolha estratégica da política orçamental deve ser o crescimento e o emprego antes do défice.

2. A única solução estrutural e sustentável para o défice é uma política que combata o desemprego, aumentando o crescimento, aumentando a receita fiscal, reduzindo as prestações sociais, estimulando o consumo, etc.

3. Mesmo no quadro mais estrito das medidas de ajustamento orçamental, há escolhas a fazer: Justiça fiscal ou contenção salarial?

Se não se importam, desenvolverei alguns destes temas com mais detalhe em futuras entradas. Combinado?

Bruno Silva disse...

Ou seja, mais endividamento num país já irresponsavelmente endividado e estruturalmente pouco competitivo, certo?

Ou então vamos subir a taxa de IRS dos "ricos" de 42 para 60%, e o IRC das empresas dos 25% para os 35%. Era ficarmos sentadinhos a ver o capital a fugir a sete pés... mas ao menos havia a chamada "justiça fiscal"!

Onde está a "justiça" de quem produz mais, que já pagaria proporcionalmente mais impostos (no caso de uma flat rate), ser ainda altamente penalizado em termos de taxa efectiva à medida que produz ainda mais?

Chamem-lhe "Solidariedade Fiscal" e eu ainda posso engolir, mas chamar-lhe "justiça" é a maior treta do século. Longe vão os tempos do proletariado iletrado. Com o estado social que temos, com a educação que temos, quem ganha pouco já não é só por falta de oportunidades, também os há claro não é isso que está em causa, mas muitos é por falta de mérito, esforço e dedicação. Quantos jovens estouram o dinheiro na noite, telemóveis, carros, playstations, etc… mas para uma pós-graduação, uma formação em inglês, espanhol, contabilidade, informática, etc... Ah e tal que já não há dinheiro... peço desculpa por fugir para a "conversa de café", mas é a realidade, e ainda me vêm com a história da "justiça fiscal"? Haja decência..

Pergunto, é mais justo penalizar mais quem faz alguma coisa, prioritariamente a exigirmos mais de quem não faz nenhum?

José M. Castro Caldas disse...

Bruno! (boa tarde, outra vez):
“Mais endividamento num país já irresponsavelmente endividado e estruturalmente pouco competitivo, certo?”. Não. Errado. Oposição a uma retirada precoce dos estímulos fiscais em toda a Europa e em cada país em particular (incluindo Portugal) que teria como resultado certo e seguro uma depressão mais longa e profunda; defesa da inteligência dos ditos estímulos (não é fazer buracos e tapa-los outra vez, como se diz que o Keynes disse mas eu ainda não descobri onde); redução do défice na fase ascendente do ciclo; justiça fiscal (impostos progressivos sobre todos os rendimentos); serviços públicos de acesso não condicionado pelo dinheiro.
“É mais justo penalizar mais quem faz alguma coisa, prioritariamente a exigirmos mais de quem não faz nenhum?”. Claro que não: temos de “exigir mais a quem não faz nenhum”. Ainda não descobri o que faz um tipo que nasceu em berço de ouro e se limita a entregar o cacau a um banco de investimento.
Há outros que fazem alguma ou muita coisa - são trabalhadores ou empresários – dentre eles, alguns (poucos) têm elevadíssimos rendimentos 10, 100, 1000 vezes a média. Tenho dificuldade em aceitar (e nisso estou bem acompanhado por liberais sensatos) que tenham um mérito, ou um esforço, ou uma dedicação 10, 100, 1000 vezes maior que a média.
E já agora o tal “se-não-fazemos-os-que-eles-querem-eles-querem-eles-zangam-se-e-vão-se-embora”. Isso tem um nome, chama-se chantagem. Se o problema de taxar os escalões mais elevados de rendimento com uma taxa de 60% (que já existiu) é prático (não se pode porque eles fogem), isso significaria que deixaria de haver problema se fossem instituídos critérios fiscais (mínimos) no G20 (imaginemos) e se fossem penalizados os estados párias que não os cumprissem. Certo? Improvável, mas não impossível. Temos visto acontecer cada coisa nos últimos tempos…
Mas não, eu sei, “é um problema de incentivos”, e parece que há quem precise de rendimentos 10, 100, 1000 vezes superiores à média para se sentir com vontade de fazer alguma coisa de útil. Isto para mim é um mistério. Mérito, mérito é trabalhar seriamente e responsavelmente apesar da miséria do salário e da vida de cão de quem não tem nem espera ter jatinhos e férias em paraísos escondidos dos pobres.

Tiago Tavares disse...

Caro Jose'

Nao tera' sido bem assim, e nem sequer foi totalmente defendida, mas a frase de abrir buracos para estimular a economia - ou, especificamente nessa citacao, o emprego - foi escrita por Keynes na Teoria do Emgrgo, Juros, e Moeda. Como tao acerrimo defensor das ideias de Keynes julgava que tinha ja lido o livro. Certamente que as suas leituras de Keynes nao terao ficado apenas pelos manuais de macroeconomia dos anos 50.

José M. Castro Caldas disse...

Tiago,
Diga-me onde… diga-me onde… Em que página?
Pronto vá lá eu digo-lhe o que o Keynes realmente escreveu na Teoria Geral (Capítulo 16):
"To dig holes in the ground," paid for out of savings, will increase, not only employment, but the real national dividend of useful goods and services. It is not reasonable, however, that a sensible community should be content to remain dependent on such fortuitous and often wasteful mitigations when once we understand the influences upon which effective demand depends.”

É bem diferente da historieta que se conta em muitos cursos de economia, não é?

Além disso por uma razão misteriosa que eu desconheço fez de mim um “acérrimo defensor das ideias de Keynes”. Porquê? E o Tiago é acérrimo defensor das ideias de algum economista morto ou gosta de pensar pela sua cabeça?

Bruno Silva disse...

Olha o Tiago,

Então rapaz? Já desde o Marés Vivas de 2008 que não te vejo! Como andam as aventuras em NYC?

Grande abraço

João Dias disse...

As desigualdades sociais têm a ver muito, mas muito mais com mecanismos artificiais e, diga-se, injustos do que pela fé inabalável da meritocracia. A meritocracia é termo bonito para promover a disputa entre os que trocam trabalho por salário (o gajo do lado faz sempre muito menos do que nós) mas muito pouco razoável para quem quer perceber as verdadeiras razões das disparidades económicas.

É bonito dizer que o Sr. Doutor recebe mais que o "gajo das obras", contudo, não explica nada em relação às disparidades sociais. Aliás, toda gente sabe que quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro (diria um astuto e rico indivíduo com a 4ª classe).

A questão está no poder, na propriedade, na riqueza que vem antes do 25 de Abril (link), no trabalho que paga impostos e na especulação que não paga, na cumplicidade dos estados nação e entidades supranacionais com a opacidade do sistema financeiro e crime organizado, na desresponsabilização dos detentores detentores dos meios de produção, na desresponsabilização dos proprietários, no facto de serem os trabalhadores a pagarem com desemprego e baixos salários uma economia deficiente e baseada em ciclos especulativos de oferta procura...

A tese da meritocracia não resiste à realidade nem à teoria...mas a fé também não se costuma autoquestionar muito, mas devia.

Miguel Rocha disse...

Bruno Silva,

Essa conversa das pessoas que são pobres ou são mal pagas porque querem ou não merecem mais já cansa...e é anacrónica....

Você quer-me convencer de que o facto do filho do Belmiro de Azevedo ser filho de quem é não tem influência na posição que ele ocupa neste momento? Eu não lhe estou a tirar o mérito...longe disso...Acho que fez bem em aproveitar a oportunidade que teve...e teve mérito nisso...

Aliás, aposto que em certas ocasiões o filho acompanhava o pai ao escritório e via-o a trabalhar em casa com uns papéis, e via-o a ler, etc...

Os filhos tendem a imitar os pais...o que acontece é que o filho de Belmiro (epah, não me lembro do nome dele) foi crescendo habituando-se a reforços positivos em relação à qualificação e à familiarização com coisas como empresas (funcionamento interno, ambiente) ou seja, ele foi-se habituando a aprender o que se fazia numa empresa..e interiorizou formas de agir e reagir....

Transpondo para a realidade portuguesa: a maior parte das pessoas têm baixa qualificação e poucos hábitos de leitura....os respectivos filhos não têm um contexto social nem cultural para serem incentivados a ler ou a levar o seu processo de aprendizagem até muito longe...porque não notam no que isso lhes poderá ajudar...

Neste contexto compreende-se muito bem o que o Plano Nacional de Leitura queria atingir....

Pessoalmente falando, os meus pais têm a 4ª classe antiga...e o único estímulo que eu tive para ler foi quando uma tia minha me ofereceu um livro, nos meus 10 anos, no caso, "Uma aventura no Verão" para ser concreto...ou seja, foi-me dada uma oportunidade e eu aproveitei-a...e li o livro...foi assim que ganhei o gosto pela leitura...na escola as notas eram bastante boas até por não dar erros de português (lá está: a influência da leitura), e posso dizer que me licenciei por causa desse livro. Foi decisiva essa oportunidade. E hoje em dia leio bastante e tenho uma mente bastante curiosa...o que me faz ainda ter mais vontade de estudar.

Acontece que não consegui até agora arranjar trabalho de acordo com as minhas qualificações e o que vejo é que pessoal que têm pais que têm empresas conseguem mais facilmente emprego qualificado...claro, eles sentem-se mais confortáveis porque têm experiência prática que deve ser um elemento sinalizador bastante importante para as empresas reduzirem a informação assimétrica na sua fase de recrutamento....os meus pais são trabalhadores dependentes...

Claro que nem tudo se explicará por aqui mas é decisivamente um factor...

Aliás, mais preocupante do que isto, é ter constado à alguns anos através de um inquérito, que a maior parte dos alunos da minha Universidade tinham pais que tinham qualificações superiores à dos meus....

Posso admitir que foi um choque para mim porque não fazia a menor ideia....o que isto significa em última instância é que a mobilidade social é baixíssima e a estratificação social mantém-se não porque as pessoas necessariamente o queiram mas porque todos os factores levem a isso...

Mas lá está, as oportunidades têm de existir para que uma pessoa as possa aproveitar....acontece que em Portugal são poucas e vão baixando à medida que vamos descendo nas classes sociais....

Só existe uma variável actualmente capaz de baralhar este meu raciocínio (ou não)...chama-se: Cunha...

Cumprimentos

Zé Miranda disse...

Fiz um post sobre a meritocracia há algum tempo atrás em
http://profundaignorancia.blogspot.com/2009/12/isto-tem-que-ser-economia.html

"As desigualdades sociais de partida são reproduzidas e aumentadas pelo mercado.

O Estado Social ao estabelecer como um direito, independente da capacidade económica de cada um, o acesso de todos à Saúde e à Educação, surge como um instrumento para diminuir as desigualdades e igualizar ligeiramente as oportunidades para todos de uma vida decente.

Os defensores da meritocracia pretendem uma sociedade que premeie o mérito. Mas esse mérito não tem em conta de onde partem as pessoas. Por exemplo: alguém que faça uma investigação importante, ou que chegue ao topo de uma empresa e que nunca tenha tido dificuldades económicas na sua família, tenha a sorte de ter pais com niveis de escolaridade altos, tenha a sorte de ter em casa uma boa biblioteca, tenha a sorte de poder ter tido todos os livros e documentários e filmes e tudo o mais que lhe tenha ajudado a exercicitar o pensamento,
essa pessoa terá tanto mérito como alguém que cresceu numa familia de reduzido capital económico e cultural mas que chegou a concretizar a mesma investigação ou chegou ao topo da mesma empresa?
Claro que não.

Portanto, a desigualdade sociais de partida reproduzem-se no mercado de trabalho tanto mais quanto mais elitista for o ensino.

O Estado Social, de forma a igualizar em parte o sistema capitalista selvagem e explorador que temos, atribui como direito a saúde e a educação, impõe impostos progressivos para que quem tenha mais contribua com mais para esses direitos, abrindo espaço ao exercicio da democracia.
Porque uma sociedade capitalista, meritocrática, burguesa e profundamente desigual e sem um Estado que preencha minimamente todas essas lacunas é uma sociedade não democrática - porque na verdade, não temos todos o mesmo acesso aos melhores empregos, n temos todos o mesmo acesso aos bens e serviços, n temos todos a mesma voz, n temos todos o mesmo poder.

E sim: isto também é Economia."


ps: Olha o Tavares! :) tás bom pá? Tá descançado que acho que não há ninguém que queira abrir buracos!!! O que é preciso é tapar buracos, off-shores, tapar a pobreza, desemprego! ;) O teu blogue? Não anda?

Bruno Silva disse...

Caros,

Eu não critiquei o estado social, só critico os seus limites! E quando já se chega a um escalão de 42% de tributação da riqueza produzida por um determinado indivíduo, um aumento disso soa-me a tudo menos a "justiça".

Não queria de todo começar o já gasto debate da tributação progressiva.

Caro Miguel Rocha, para existirem mais oportunidades tem de haver mais investimento privado, o qual tem vindo a descer dia após dia, os motivos disso, dava uma longa conversa...

Outro ponto: Não posso nem devo eu ter o direito de construir algo que possa deixar aos meus filhos? A crítica a isso mostra bem que a esquerda só se preocupa cegamente com a "desigualdade" e não com o estado efectivo de quem está na base. Mas isto dava outra longa conversa.. Recordo apenas Milton Friedman, citando Thomas Jefferson: "A society that puts equality ahead of freedom will end up with neither equality nor freedom"

Anónimo disse...

Esta do "Recordo apenas Milton Friedman, citando Thomas Jefferson: "A society that puts equality ahead of freedom will end up with neither equality nor freedom", é mesmo conversa da treta.
Veja-se, mas com olhos de ver, o que se passa nos EUA, o país "paladino" da liberdade e depois fale-se.

Bruno Silva disse...

Os mecanismos de um mercado livre que promovem a igualdade no longo prazo não têm efeitos expontaneos. Quantos milhões de pessoas, que vivem na pobreza, emigram todos os anos nos EUA? É inegável que a economia americana tem trazido ganhos fantásticos a muita dessa gente bem como o contrário. Só não se pode esperar que o equilibrio ocorra "overnight".

Para além disso, os EUA não são o paraíso do liberalismo que você quer fazer passar.

Helena Romão disse...

Bruno,

não esqueça que o indivíduo que paga 42% e pagaria mais se a taxa fosse aumentada, ficaria ainda assim com mais de 50% do que ganhou num ano e que esta quantia seria sempre de várias dezenas ou centenas de milhares de euros; muito mais (pós-impostos) num só indivíduo e num só ano do que famílias inteiras ganham em alguns anos (pré-impostos).

Bruno Silva disse...

Sim, mas o dinheiro é dele, foi ganho por ele. Até onde o ideal, que é seu e não tem de ser de toda a gente, de "igualdade económica" como uma utopia a ser perseguida, com mais ou menos intensidade (não é isso que estou a por em causa), tem de ser o ideal de todos os outros? Não há limite da intervenção coerciva do estado na vida do indivíduo?

Eu fico chocado de uma pessoa a quem lhe seja tirada 60% da sua riqueza produzida, seja chamado de chantagista se ameaçar ir fazer a sua vidinha para outro lado (como diz o José M C Caldas).

Há muita gente a passar miséria no Sudão, aos olhos de quem você ganha balúrdios e tem uma vida faustosa, vamos passar a enviar 75% do seu rendimento para lá? É pacífico? Ou a solidariedade tem fronteiras? Ou a solidariedade só pode ser exercida pelo estado? Ou a solidariedade só pode existir se “os outros também pagarem”?

Aliás, se você é assim tão solidária, porque raio precisa tanto que seja o estado a retirar-lhe o dinheiro para a solidariedade? porque não corta você com todos os seus caprichos normais a qualquer pessoa da classe média ocidental, e dá tudo de mão beijada à solidariedade? Ou só é solidária mas com o dinheiro dos outros? Os seus caprichos são mais legítimos que os caprichos de alguém mais rico?

Eu acho muita piada a este discurso pseudo-humanista de se ser muito solidário mas com o dinheiro dos outros… enfim…