sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Quem tudo quer tudo perde

Acabo de ler no Canhoto um texto de Luís Capucha que, num contra-ataque aos críticos do actual Governo, diz o seguinte:

"Neste momento a controvérsia e a contestação anda à volta da avaliação dos professores. Mero pretexto para fazer regredir todo o processo de modernização que está em curso. Neste quadro, as alegadas questões técnicas do “modelo de avaliação do Ministério da Educação”, não passam de “fumaça”. A maioria delas, aliás, foi deliberada e artificialmente fabricada para lançar a suspeição sobre a medida, incendiar o país e criar o pânico. Qualquer especialista em recursos humanos subscreveria esse modelo e os muitos exemplos de uma correcta aplicação do modelo provam-no."

Tenho a maior consideração por Luís Capucha, mas não posso deixar de lamentar que, no actual contexto, tenha perdido um mínimo de sentido crítico sobre o que está em causa.
1) Como é possível pensar que a esmagadora maioria dos professores foi manipulada por sindicatos com o objectivo político (oculto) de fazer regredir a acção "modernizadora" do Ministério da Educação? Como é possível pensar que a questão do modelo de avaliação é apenas "um mero pretexto" quando o autor sabe que os sindicatos foram a reboque da contestação e, agora, fazem o que podem para tirar partido da paralização do processo de avaliação decidida nas muitas escolas onde nem há sequer um delegado sindical?
2) Infelizmente, não aponta nenhum especialista em recursos humanos que dê a cara por este processo, nem menciona qualquer país onde este modelo esteja a ser aplicado. Pela minha parte, não partilho a ideia de que as pessoas são "recursos humanos". Em todo o caso, um especialista nessa área da gestão, escreveu há uns anos o seguinte:
"Alguma vez alguém viu uma reflexão séria sobre a aplicação de instrumentos específicos de gestão das pessoas na administração [pública], tivesse ela origem nos sindicatos, nos dirigentes ou na intervenção dos governantes? ... Ninguém gere sem ideias. Nem mesmo quando a actividade dominante é a política. ... Se não for pensada, a gestão das pessoas na administração não passará de um latifúndio de problemas emparedado entre minifúndios de interesses: o que na prática significa que tudo ficará na mesma, ainda que a vontade de fazer tenha a marca contrária." (Estêvão de Moura, Público/Economia, 06.05.2002)
Esta afirmação continua válida. O Governo não propôs uma visão mobilizadora do que deve ser a escola pública e do papel central que os professores teriam no processo de mudança. Antes, invocando o interesse público, inventou uma "corporação de preguiçosos" que era preciso enfrentar com determinação. Ou seja, conseguiu o impensável: uma unidade dos professores como nunca se viu.
3) O Governo não propôs uma visão mobilizadora do que deve ser a escola pública porque trabalha com pressupostos problemáticos sobre as motivações dos professores, sobre a natureza e o papel do Estado, e sobre as políticas públicas. Inspira-se em teorias simplistas como a da "captura do Estado" por grupos de interesses. A minha crítica a esses pressupostos está feita (ver aqui a referência).
4) A equipa do ministério da Educação ignora o que de mais básico se diz nos manuais de gestão sobre gestão da mudança (ver este que conheço em edição de 1993). Como dizia numa entrevista ao Expresso (14.04.1995) um especialista em gestão de mudança em organizações da administração pública, e em particular na educação, ouvir a realidade implica "passar da tal democracia de acesso [onde os sindicatos têm o monopólio da representação] a uma democracia de deliberação." Acontece que este não é o paradigma do actual Governo.
Termino com uma frase que fui buscar ao mesmo sítio de onde veio a figura: "podemos criar mudança mesmo quando o apoio é escasso se começarmos em pequena escala."
É bem verdade, quem tudo quer tudo perde.

10 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Comecei a trabalhar para uma empresa americana, líder mundial no seu ramo, no ano de 1970. Já nessa época, há 38 anos portanto, a referida empresa praticava um sistema de avaliação anual dos seus empregados em todo o mundo, que a certo ponto eram mais de trezentos mil.

Enquanto empregado avaliado, e enquanto membro da Comissão de Trabalhadores muitas vezes chamado a aconselhar e a defender outros trabalhadores, convivi durante muitos anos com o complexo sistema de avaliação cujas vantagens e defeitos conhecia profundamente.

Perante toda a agitação actual à volta da “avaliação dos professores” fico perplexo com vários aspectos:

1. Alguém acredita que é possível implantar um sistema de avaliação condicionado à “autorização” de quem vai ser avaliado ?

2. Alguém acredita que é possível desenhar um sistema de avaliação que contemple as opiniões de vários milhares de sujeitos passivos da avaliação ?

3. Alguém acredita que funcione uma avaliação em que o avaliador não seja, simultâneamente, quem supervisiona o trabalho e quem propõe os aumentos da remuneração ?

4. Alguém acredita que é possível obter resultados de um sistema de avaliação em que as pessoas não saibam à partida, claramente, quais são os prémios e os castigos ?

5. Alguém acredita que é possível implantar um sistema de avaliação sem um grande esforço administrativo e de formação ?

6. Alguém acredita que um sistema de avaliação pode ser imune à subjectividade de quem avalia ?

7. Alguém acredita que um sistema deste tipo é menos exigente para quem avalia do que para quem é avaliado ?



Aquilo a que estamos a assistir é um gravíssimo atentado ao regime democrático.

Um governo legítimo embora pusilânime, fazendo uso das suas competências, estabelece regras que são espezinhadas impunemente por parte de uma classe profissional que usa a escola pública como refém.

Depois dos camionistas, dos médicos e da tropa temos aqui mais um exemplo do poder das corporações.

Dias disse...

F.P. Redondo, desculpe dizer-lhe, mas os seus pontos 1 e 2 são falaciosos. Em relação ao ponto 2, essa sua hipótese utópica é completamente descartável. O que será importante é perder o autoritarismo e pôr as pessoas a participar, o que não houve até hoje. Encontrar uma solução que não tenha necessariamente que agradar aos 180 000 ou aos 120 000…mas que não trate as pessoas de estúpidas.
Ou será só o economicismo?

Wyrm disse...

"Um governo legítimo embora pusilânime, fazendo uso das suas competências, estabelece regras que são espezinhadas impunemente por parte de uma classe profissional que usa a escola pública como refém."

Mas então agora já não há direito ao protesto?

Diogo disse...

Daily Show - McCain versus McCain na ajuda financeira de 700 mil milhões de dólares à banca:


McCain: Os fundamentos deste pacote são bons... são fortes...

McCain: Demonstra a incrível influência dos lobbies e grupos de interesses.

McCain: Acredito que este plano irá dar lucro.

McCain: É uma loucura e uma obscenidade, porque é um desperdício do dinheiro dos contribuintes.

McCain: Os contribuintes serão os primeiros a receber, isso é um ponto importante desta proposta.

McCain: Isto são jogos de poder da pior espécie.

McCain: Regressei a Washington, consegui sentar os republicanos à mesa.

McCain: Estes financiamentos obscuros, estas jogadas escandalosas.

McCain: Melhoraram o plano.

McCain: É péssimo. E é uma... É uma fonte de corrupção.

McCain: E estou em crer que será aprovado.


Vídeo legendado em português (2:43m):

F. Penim Redondo disse...

para d.,h.:

Eu sou forçado, contra a minha vontade, a usar o Estado para comprar, em meu nome, com o meu dinheiro, serviços de Educação, de Saúde, etc.
Quero que o faça pelo menor preço e que verifique a qualidade daquilo que é comprado.
Os prestadores do serviço, neste caso os professores, não têm que concordar ou deixar de concordar com o método.

Para o wyrm:

O direito ao protesto pertence aos cidadãos e não aos fornecedores enquanto tal.
Por outro lado uma coisa é protestar e outra é o incumprimento de obrigações contratuais.
Eu como cidadão gostaria de participar num protesto de desobediência colectiva ao pagamento dos impostos enquanto não acabasse o tratamento previlegiado de certas classes corporativas..

Anónimo disse...

Bem. Eu não conheço este Luis Carapucha, mas não há tenho dúvida que ele não tem razão.
É que deste Governo nem bom vento nem bom casamento, isto é, deste Srs do PS nada de bom há que esperar.Senão, vejam só o mal que eles(e os seus amigos do PSD e do CDS) têm feito aos trabalhadores deste país.
E esse tal sr Carapucha mais os outros como ele que aqui vêm escrevendo bem podem é ir vender chuchas para a porta da maternidade.
Mexeram na saúde e vejam só a porcaria.!!! Mexeram na administração pública e vejam a porcaria.!!! Mexeram na segurança social e vejam a porcaria.!!! Mexeram no código do trabalho e vejam a porcaria.!!! Mexeram nos códigos penal e de processo penal e vejam a grande porcaria.!!!.
É tanta a arrogancia e a porcaria feitas por estes srs que cheira mal que tresanda e desconfio que não vai haver empresa americana, lider mundial, que lhes valha (e eu que fico cá com uma penim(ha) deles).
A derrota na próximas eleições vai ser bem comemorada.
Cá por mim falo e posso dizer-lhes desde já, que próximos de mim, são vários votos que vão á vida.

João Dias disse...

"Os prestadores do serviço, neste caso os professores, não têm que concordar ou deixar de concordar com o método."

Não haja dúvida que com este tipo de comentários...quem sai a ganhar são os professores.
A propósito, aquilo que o incomoda chama-se democracia. Direito de manifestação, protesto, democracia participativa, negociação, concertação, coisas maçadoras para quem quer mais mercado e menos democracia.

"Depois dos camionistas, dos médicos e da tropa temos aqui mais um exemplo do poder das corporações."

Não deixo de ficar maravilhado com esta nova teoria das corporações, é que nelas nunca se encontra o patronato, a banca, o sector dos energético...
Eu gostaria de lhe chamar a teoria da pirâmide invertida, isto porque põe a base no topo. O problema da teoria é que é como uma pirâmide invertida...cai com extrema facilidade.

"Quero que o faça pelo menor preço e que verifique a qualidade daquilo que é comprado."

Não se preocupe, o Capitalismo está a chegar ao Estado. Gente com qualificações superiores ao preço da chuva. Modelo empresarial nas escolas públicas, apropriação do valor do trabalho por meia dúzia de patacas. Eu nesse aspecto "simpatizo" bastante com o modelo capitalista, comprar baixo e vender alto, desde que seja eu a vender...

Os professores são nestas teses "corporativos", mas quem quer serviços de qualidade ao preço da chuva é o quê? Defensor do interesse público? Os professores no topo da carreira ascendem perto dos 2000 euros, mas isso é o topo do topo, porque ao longo da carreira a média salarial é de 1500 euros. Agora tente fazer a todos de parvos e convença-nos que essas são as classes privilegiadas.

Anónimo disse...

"O direito ao protesto pertence aos cidadãos e não aos fornecedores enquanto tal.
Por outro lado uma coisa é protestar e outra é o incumprimento de obrigações contratuais."

Claro claro sr. redondo, o problema é que os fornecedores, mesmo "enquanto tal", são cidadãos, logo tem direito a protestar (para mal dos seus pecados acredito ...).

No "outro lado" do seu argumento. Desde que exista direito de protesto - e desde a ultima vez que verifiquei ainda viviamos numa democracia - esse mesmo direito ultrapassa o que chama de "incumprimento contratual".

Só para acabar. A questão da escola gerida tipo empresa só faz cabimento se o produto da mesma for uma boa formação dos alunos através de professores motivados e recursos suficientes. Se o produto pretendido - como acontece ou quer que aconteça - seja uma gestão economicista da coisa então andamos às voltas e esquecemos de qual deve ser o real objectivo da escola.

O que assitimos hoje em dia nas escolas é uma visão economicista na gestão das mesmas, o resultado, o produto, não são alunos bem formados mas sim euros poupados. Bravo ! Não é ? Sei que fica mais contente porque o contribuinte não gasta tanto dinheiro. Eu no entanto penso de forma contrária: Estamos a hipotecar o futuro do país ao criar uma geração de incapazes, ineptos e individualistas, graças a um sistema de educação mais preocupado no dinheiro que gasta e não com a qualidade que ganharia.

O sistema educativo é incomparável no que toca à sua importância a longo prazo pois dele depende o futuro de uma sociedade. Certamente é bem mais importante que a empresa anos 70 líder mundial. Falhar em compreender isto, é falhar em compreender a natureza humana, é falhar em perceber a importância histórica do próprio conhecimento.

F. Penim Redondo disse...

Mesmo que não pareça o sistema de ensino não existe para resolver os problemas de desemprego dos licenciados. Para isso o Estado tem a Segurança Social.

Os professores do ensino público não trabalham para um patrão ganancioso que pretende enriquecer explorando o seu trabalho.
Eles trabalham para o Estado, sob controle de um governo democráticamente eleito. Os seus salários são pagos com os impostos cobrados aos cidadão que, em muitos casos, são mais pobres do que os professores.

Se há economicismo neste processo ele parte daqueles que só pensam em melhorar a sua situação profissional, daqueles que nunca fazem greve pela qualidade de ensino e que, pelo contrário, recusam todas as medidas nesse sentido que lhes causem o mais pequeno incómodo.

Esta "justa luta" transformou-se em arma de arremesso na luta polito-partidária. Agora até a Dra. Manuela e o Dr. Portas defendem a suspensão das avaliações patrocinando a desautorização do Estado.
Se fosse numa empresa privada gritariam que se tratava de uma insurreição ilegal...

Anónimo disse...

"Mesmo que não pareça o sistema de ensino não existe para resolver os problemas de desemprego dos licenciados. Para isso o Estado tem a Segurança Social."

Subtil o sarcasmo, mas este tipo de raciocínio é medíocre e barato. O desemprego não é resolvido pela Segurança Social. Ela só resolve a falta de dinheiro criada pelo mesmo. O desemprego é resolvido por quem dá emprego: os contratantes. É claro que estes contratantes têm de ter capacidade e vontade de empregar.

Quanto à capacidade, ela existe. Olhe à sua volta, quantas vezes disse o governo ter capacidade de investimento ? TGV ? Aeroporto ? O sistema financeiro ? É claro que no final, tudo se resume a decisões políticas. Mas disso, já percebemos que, em termos de verbas, este governo pouco quer investir no sistema de ensino e resolver parte do problema do desemprego entre licenciados ao mesmo tempo.

Quanto à vontade. Como contratante, um aumento de factor trabalho significa, linearmente, também um aumento de produção. Quem não tem vontade de aumentar a produção ? Neste caso, quem não tem vontade de aumentar a quantidade de indivíduos bem formados e capazes ?

Uma democracia produtiva não o é só em termos económicos. Aliás, a maior preocupação em termos produtivos de uma democracia deveria ser uma sociedade mais justa e indivíduos mais capazes.

É claro que não vou ao extremo de querer resolver todo o problema de desemprego entre licenciados através do sistema de ensino, mas a verdade é que o estado tem a capacidade de o minorar, tendo ao mesmo tempo a oportunidade de renovar a classe dos professores. Isto visto que os mais velhos estão a "fugir" devido às condições de reforma, à imposição de leis de trabalho redutoras na sua carreira e devido à carga de trabalho completamente desajustada.

"Os professores do ensino público não trabalham para um patrão ganancioso que pretende enriquecer explorando o seu trabalho.
Eles trabalham para o Estado, sob controle de um governo democráticamente eleito."

Sim claro. Agora o Sr. Redondo justifica qualquer tipo de despotismo através da ditadura da maioria. A democracia é justificada de várias formas, menos esta Sr. Redondo... Olhe, ad Populum para si !

"Os seus salários são pagos com os impostos cobrados aos cidadão que, em muitos casos, são mais pobres do que os professores."

E alguns mais ricos. Talvez menos que os mais pobres, mas mais do que eram há uns anos atrás... de qualquer forma ad Misericordiam também.

"Se há economicismo neste processo ele parte daqueles que só pensam em melhorar a sua situação profissional, daqueles que nunca fazem greve pela qualidade de ensino e que, pelo contrário, recusam todas as medidas nesse sentido que lhes causem o mais pequeno incómodo."

Lol, mas é claro que qualquer classe social tenta melhorar a sua situação profissional. Isso faz parte da evolução de qualquer interveniente na sociedade, seja individualmente ou em conjunto como uma classe, como os professores. É algo completamente legítimo.

Agora se é por motivos economicistas ou por ... sei lá, aquilo que disse. Isso é a sua opinião, não é um facto. Portanto não justifica qualquer argumento. A minha opinião é diferente, mas de qualquer forma ela não altera o facto que a procura da evolução de uma classe social é legítima.