terça-feira, 2 de setembro de 2008

Onde está o novo príncipe?

«O entusiasmo da esquerda europeia [com Obama] explica-se então facilmente. Há muito tempo que ela vê os buracos na narrativa liberal-financeira dominante; mas não tem nada para propor em troca» (Rui Tavares). Não me parece que os problemas da esquerda estejam relacionados com a ausência de alternativas robustas à narrativa neoliberal. Nem que Obama proponha algo de novo nesta área. Dos dois lado do Atlântico, já há muito tempo que se multiplicam as propostas socioeconómicas de mudança: das crises financeira e ecológica aos problemas do desemprego e das desigualdades, não faltam ideias de reforma institucional e de política económica tanto à escala nacional como à escala internacional. O problema fundamental é de ordem política, de poder, de capacidade para conquistar a hegemonia. Construir coligações sociais vencedoras, difundir e popularizar ideias, mover maiorias e tentar mudar as coisas no governo. Essa arte tem faltado à esquerda fora da América Latina. Aqui Obama pode dar um grande contributo: ganhar as eleições e, uma vez no poder, estar à altura do seu magnifico discurso na convenção democrata. Não é pouco.

Na Europa, a esquerda tem um problema particular: os mecanismos de governo económico europeu em que a social-democracia se deixou enredar e esgotar e que corroem as bases de qualquer alternativa. Na realidade, isto faz parte de um problema bem mais grave: à esquerda há quem não veja «os buracos na narrativa liberal-financeira» e quem aceite que esta continue a definir as opções de governo e os termos do possível. A esquerda que vê o total fracasso da actual trajectória só tem que ter confiança nas suas ideias. Joseph Stiglitz afirma que «a esquerda tem uma agenda coerente que conjuga crescimento e justiça social». Acho que sim. O problema é mesmo de poder. Nas diferentes escalas.

7 comentários:

Diogo disse...

Que ingenuidade, meus amigos!

Obama é pago com o mesmo dinheiro que McCain, Bush ou Clinton. Quem pensam que controla e subsidia o sistema político americano?

Anónimo disse...

"A esquerda ... conjuga crescimento e justiça social". Mas não há algum trade-off entre eficiência e equidade?

Wyrm disse...

xiu, diogo, isso não é para dizer...
assim como não se pode falar das reuniões em que o pinto balsemão levou o sócrates...

Anónimo disse...

O diogo não podia estar mais correcto. Em relação aos EUA, não são mais do que uma corporação regida por uma oligarquia transcendente ao próprio sistema político.

Naquele país, um novo presidente sofre da analogia: "O que vem à rede é peixe". Portanto, Obama ou McCain vai dar ao mesmo. O que muda é parte da clientela ...

GWB disse...

"Obama pode dar um grande contributo: ganhar as eleições e, uma vez no poder, estar à altura do seu magnifico discurso na convenção democrata. Não é pouco."
Não sei se vai chegar nem ao pouco.
Receio que os seus discursos de Berlin ("contra os muros" - o que ele vai fazer com o muro no México?), bem como o da convenção, fiquem na gaveta, como cavalos de troia que permitiram tomar a América.
Mas quero que ele ganhe pela carga simbólica, pela pequena esperança de melhorias e porque sempre será melhor que McCain. Sinceramente (mas mesmo muito sinceramente), gostaria de acreditar. Meu cepticismo tem um nome gravado - Lula. Que melhorou várias coisas, mas fez coisas muito erradas no caminho e fez desmoronar o sonho de muitos. Muitos que muito para além de um sonhador jovem como eu, sonhavam presos nas prisões políticas e eram vítimas de tortura por sonharem.

Pedro Fontela disse...

João Rodrigues,

Passando um pouco ao lado da questão económica e indo mais aos valores sociais tenho que dizer que esperar grandes mudanças de Obama é capaz de ser esperança vã... alguém tem seguido um pouco todos os piscares de olhos que ele tem feito às iniciativas "faith based"? Pois...

João Dias disse...

Sinceramente não conto com mudanças significativas na política norte americana, conto com um apaziguamento das relações transatlânticas, o que já é bastante, mas digamos que a assimetria de um mercado voraz, a irracionalidade nacionalista que une os americanos à volta do inaceitável, uma nação fechada sobre sua a lógica imperialista...isso são valores que transcendem os sucessivos governos e que se perpetuam.

Em relação à esquerda europeia que nada tem para propor em troca, eu percebo a observação de Rui Tavares, o problema é que me parece que ele tem uma visão restrita de esquerda europeia, ou seja estará a pensar na "esquerda" de Sócrates, de Romano-Prodi, Schroeder...acontece que há muito mais esquerda para além dessa. De certa forma resumo a posição de Rui Tavares a isso, uma visão estreita de "esquerda europeia", caso contrário, caso Rui Tavares tenha uma visão lata de esquerda então comete um erro crasso.