terça-feira, 9 de setembro de 2008

A Tragédia dos Comuns II

Uma mesma história – a Tragédia dos Comuns – duas «lições» opostas: privatização (Demsetz) ou administração pelo Estado (Hardin). Não há alternativa.

Mas, não haverá mesmo?

Vinte e anos depois a história de Demsetz e Hardin resurgiu no trabalho de Robert Wade só que agora sem tragédia («The management of common property resources: collective action as an alternative to privatisation or state regulation», Cambridge Journal of Economics, nº11, pp. 95-106, 1987). Wade estudou comunidades do Sul da Índia em que recursos como a água eram propriedade comum e descobriu que, em muitos casos, o recurso era utilizado de forma sustentável sem que existisse intervenção coerciva de qualquer agente externo, nem privatização. Concluía Wade:

«Uma longa linha de teóricos dos direitos de propriedade defendeu que os recursos em regime de propriedade comum acabaram necessariamente por ser sobre-explorados à medida que a procura aumenta. Para alguns autores, a única solução é a delimitação da propriedade, para outros a regulação estatal. (…) Os resultados da minha investigação são difíceis de reconciliar com estes argumentos.»

O que Wade efectivamente encontrara é que em muitos casos as comunidades geriam o recurso com sucesso em regime de propriedade comum. Em comunidade, agindo em colectivo, os indivíduos eram capazes de estabelecer uma regra de acesso individual ao recurso comum que tendiam habitualmente a respeitar e empenhavam-se na monitorização do seu cumprimento por parte dos outros.

Para Wade os estudos de caso mostravam que além da privatização e da regulação estatal existiam outras formas de conjurar a tragédia. No entanto, Wade também verificara que, a par dos casos de sucesso, existiam outros em que a tragédia dos comuns se manifestava efectivamente.

Daqui emergiam novas perguntas: Em que circunstâncias as pessoas que enfrentam uma potencial tragédia dos comuns são capazes de organizar um sistema de regras que permite evitar a tragédia? Quais são essas circunstancias? Quais são essas regras?

As descobertas de Wade têm sido confirmadas e as suas perguntas retomadas por muitos outros.
Parece-me que vale a pena olhar com mais atenção para os resultados de toda essa investigação de que Elinor Ostrom é outro nome de referência.

3 comentários:

Pedro Viana disse...

Sempre assumi que resposta de Hardin à "tragédia dos comuns" era genericamente a regulação colectiva, em particular pelo Estado. O Estado é tanto uma forma de organização colectiva como um conselho aldeão, apenas a abrangência territorial difere. A coerção existe sempre, pode ser mais explicita no caso do Estado via leis escritas e uma polícia e tribunais que as impõe, ou mais implícita no caso duma comunidade rural onde as regras a respeitar são parte implícita do pacto social, sendo a corção exercida de modo mais subtil, por exemplo através do ostracismo. A coerção aplicada pelo Estado é tanto interna como é a aplicada por um conselho aldeão, desde que este participe na definição da política de Estado.

A Direita é que usa e abusa do conceito de que o Estado é algo exterior, imposto, à sociedade. Um dos maiores erros da Esquerda é cair nessa armadilha ideológico-linguística. A Esquerda deve lutar por um Estado cada vez mais democrático, tornado-o um genuíno instrumento da vontade colectiva. Pode ser mais ou menos descentralizado, exercer a sua autoridade de diferentes modos, mas isso não retira o papel central dos mecanismos de regulação colectiva, chama-se ou não Estado à entidade que os aplica, na ideologia de Esquerda.

Porfirio Silva disse...

Permito-me publicitar-vos/te:
a tragédia dos comuns e os ladrões de bicletas .

Anónimo disse...

Num contexto de desenvolvimento isto pode nao ser verdade. Uma comunidade em desenvolvimento acelerado pode nao ter tempo de se organizar colectivamente e o resultado pode ser muito diferente do exemplo referido na referencia citada, onde a comunidade foi estudada nos anos 80 na india, zona que nesta altura nao vivia a aceleracao economica de hoje (falo de memoria, sem consultar dados empiricos).

Veja-se o caso do sudeste asiatico, china ou a india actual, onde zonas sob forte pressao demografica nao resistiram 'a tentacao de esgotar recursos naturais, como a agua potavel, quer por via de consumo, quer por via de poluicao.

Os deltas dos grandes rios asiaticos sao disso um exemplo: zonas altamente ferteis, destino de fortes movimentos migratorios, onde elevados consumos esgotaram e poluiram os lencois subterraneos disponiveis. Nao houve accao colectiva ate a agua do poco sair castanha. Ha muita investigacao nessa area (development research, participatory approach) que, envolvendo todos os interessados, esta' a encontrar estrategias sustentaveis para mitigar os efeitos da exploracao excessiva. Este tipo de projectos e' normalmente orientado 'a comunidades escolhidas (as razoes dessa escolha sao tambem alvo de grandes discussoes na comunidade cientifica) e tem chegado a conclusoes semelhantes 'a apresentado mas *so depois de concluido todo o processo de capacity building*. O processo exclui a maioria das vezes os governos dos paises em causa, dado que estes estao mais preocupados com um suposto crescimento economico baseado em estruturas de poder bastante fora do contexto de desenvolvimento em que a generalidade do pais vive.

Concluindo, esta e' uma materia muito rica, que na pratica tem mais a ver com teorias de desenvolvimento que muitos cientistas querem ver separada de teoria politica, supostamente em beneficio das populacoes em desenvolvimento: louvemos a accao directa. Ja ouvi tambem dizer o contrario.