terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O debate é possível e desejável II

Algumas notas em resposta a este artigo (que confirma Vital Moreira como o mais eficaz defensor das actuais orientações governativas): (1) algumas das medidas que Vital Moreira elenca para demonstrar as credenciais do governo na defesa do Estado social são de facto positivas (embora uma parte delas ainda seja do domínio das intenções) e tiveram o apoio da esquerda socialista; (2) se existem «regalias» em algumas áreas do sector público que podem não se justificar, também é verdade que a convergência se deu sempre para baixo; (3) não me parece que seja muito útil agitar as ameaças de destruição do Estado social vindas da direita para justificar medidas que, embora preservando os seus princípios fundamentais, representaram uma amputação efectiva e universal de direitos (caso da segurança social), ainda para mais quando existem boas propostas à esquerda (baseadas na diversificação das fontes de financiamento); (4) não se pode desligar a questão do Estado social das orientações de uma política macroeconómica que aceita o desemprego como fatalidade de mercado (o Estado social e o pleno emprego deveriam ser parte da agenda incontornável da esquerda e estão aliás profundamente imbricados); (5) para quem defende a virtude da evidência, Vital Moreira falha na questão da eficiência dos serviços públicos uma vez que não avança com dados nesta área (a força das convicções não chega); (6) algumas medidas (caso dos empréstimos para os estudantes do ensino superior) não podem ser isoladas do projecto mais vasto, e em curso, de fazer repercutir sobre os estudantes uma parte crescente dos custos de um ensino superior cada vez mais mercadorizado (se a experiência inglesa, que o governo copia, serve para alguma coisa, então os dados deste estudo deveriam fazer pensar); (7) e, finalmente, temos a questão central, que Vital Moreira ignora, da promoção de mecanismos de «mimetismo mercantil» e da gestão e provisão privadas na esfera do Estado social e das consequências nefastas que teremos de suportar no futuro devido à força política e económica crescente dos grupos privados que aqui operam (o caso inglês parece mostrar, como argumenta John Gray, que esta orientação do «novo trabalhismo» tem sabotado a legitimidade do Estado social).

10 comentários:

Pedro Sá disse...

Este post é um hino à irresponsabilidade e ao preconceito.

Tiago disse...

Primeiro que tudo, ao Pedro Sá... além de uma opinião cheia de bilis, tem algum argumento interessante a oferecer? É que, sabe, ao mundo as suas descargas matinais interessam pouco. Por outro lado, até seria merecedor de respeito e atenção se às suas opiniões menos construtivas juntasse, sei lá, argumentos, referências e factos. Coisas que pessoas com cabeça possam estar vagamente interessadas.

João, para mim não é claro, que o governo esteja a copiar o sistema britânico de propinas (sou estudante numa universidade inglesa...), mas sim o americano que é muito mais danoso.

O sistema de empréstimos aqui tem duas partes. Existe de facto essa privada, mas existem também empréstimos públicos. E o sistema público parece-me ser algo justo (entre o benificio social de ter mais formação e o indiscutível benificio privado que trás para os alunos): O empréstimo público cobre pelo menos as propinas (talvez um pouco mais, não sei ao certo). Este empréstimo é para ser pago de volta em 10 anos após o curso MAS APENAS SE O ESTUDANTE TIVER RENDIMENTOS QUE O JUSTIFIQUEM.

Nota que não estou a defender o sistema por inteiro que parece ter defeitos de equidade apontados em vários artigos. Mas a ideia do empréstimo pago apenas se houver capacidade económica para o fazer parece-me um bom balanço entre benifício público e privado.

Pedro Viana disse...

Acho que é pedra fundamental do ideário de esquerda a ambição de criar estruturas que induzam um paradigma distinto nas relações pessoais do prevalencente em sociedades capitalistas. Entre estas aquela que tradicionalmente merece mais atenção da esquerda é a exploração num contexto laboral. Mas desde os anos 60 que a esquerda rambém se preocupa com todas as relações de subordinação (ex. exploração da mulher, descriminação de minorias).

Mas Vital Moreira, e a esquerda "pragamática", está tomada pela miragem do "eficientismo". O que interessa é criar um Estado "social" eficiente, nem que para isso seja preciso emular e promover relações de subordinação na sociedade, nomeadamente a nível laboral e admnistrativo (eliminando a gestão colegial e a participação democrática). É por aqui que passa a clivagem essencial, entre os gestionários e aqueles que não desistiram de pensar de criar mecanismos de indução de transformações societais.

Tiago disse...

Há uma linha de argumento irritante no Vital Moreira e na esquerda portuguesa em geral:

Que qualquer medida "socialmente justa" só pode ser de esquerda.

Segue por corolário que a mínima opção "socialmente justa" é prova que o governo está à esquerda.

Isto é uma falácia completa.

Se bem me lembro, por exemplo, as reformas de regimes não contributivos foram criadas pelo PSD.

A direita não é sempre um papão. É certo que a direita portuguesa dá mostras de ser muito egoista e classista, mas nem sempre é assim. Por outro lado, olhando para os democratas cristãos alemães ou holandeses, muitas das medidas por estes propostas estão muito à esquerda do nosso PS.

Lembro-me de ler o Paulo Pedroso há algum tempo em que ele dizia que antigamente (provavelmente isto aplica-se mais ao norte da Europa) o contrato entre esquerda e direita era que ambos eram contra a pobreza (a esquerda seria também contra a desigualdade). Neste contexto o actual PS cheira a direita à antiga (na melhor das hipóteses).

É preciso recentrar a política à esquerda. Agora é uma boa altura, a maré pode estar a voltar...

L. Rodrigues disse...

Tiago,
creio que aquilo a que se refere é consequência da hegemonia do ideário neo-liberal.

De repente o que quer que seja, mesmo vagamente, "social" (socialmente responsável) passa a ser "Socialista", logo de esquerda.

O que chateia é os Socialistas ficarem incomodados com isso, e quererem mostrar que também são tão neo-liberais como os outros.

João Rodrigues disse...

Não acho que haja grande diferença Tiago. É a mesma concepção individualista e instrumental do ensino, com uma separação artificial entre beneficio social e privado. O sistema mais justo e que promove melhor a elevação do nível geral de instrução é o sistema em que o financiamento é integralmente público e em que não existem propinas. Na inglaterra, como irá acontecer em Portugal, estes dispositivos (com diferenças pontuais, mas com o mesmo principio porque que não tem rendimentos por definição não paga...) só têm contribuído para aumentar as diferenças sociais.

Pedro Viana, concordo que a questão das relações sociais no espaço da produção continua a ser fundamental e que as formas de gestão dos recursos públicos que fazem bom uso da participação democrática (caso das escolas) são de manter e até de promover. Os problemas do ensino não se devem a elas. Pelo contrário. Agora a preocupação com a boa gestão dos recursos é um valor de esquerda. Até por isso devemos argumentar pela democracia no espaço da provisão.

Um certo consenso que existiu em torno do estado social quebrou-se em Portugal. Consequências do neoliberalismo...

Pedro Viana disse...

"Agora a preocupação com a boa gestão dos recursos é um valor de esquerda"

Não me parece que a "boa gestão de recursos" seja um "valor" de Esquerda, ou de Direita, Nunca vi qualquer partido político ou ideologia a argumentar a favor do desperdício de recursos. Mas acho que a Esquerda não deve cair na armadilha de conceder à Direita que o essencial é minimizar o gasto, que o objectivo da gestão de recursos é perfeitamente quantificável, que tudo se reduz a um balanço contabilístico.

Pedro Sá disse...

Não me faltava mais nada do que ver alguém cheio de manias (e que não deve ter mais nada para fazer às 10.47 do que fazer comentários relativamente longos) a querer pateticamente desqualificar a opinião de terceiros.

Em qualquer caso, não é uma surpresa. Todo o parágrafo é uma demonstração cabal da habitual arrogância da extrema-esquerda caviar.

Tiago disse...

Oh Pedro, eu nao o queria desqualificar, eu queria precisamente QUALIFICAR. E' que sem oferecer qualquer tipo de argumentos, a coisa tem cheiro a autoritario e autocentrado: A unica coisa que fundamenta o argumento e' vir do grande Pedro. Era como se eu dissesse: Eu acho que o ceu e' amarelo, com sou o Tiago, nem sequer preciso de me fundamentar.

Curiosamente, a unica vez que emite um facto ou especulacao factual, esta completamente errado: Nao sou de extrema-esquerda, sou socialista (eleitor PS) com simpatias pela democracia crista germanica (A Angela Merkel e o Balkenende na Holanda estao bem mais a esquerda que o lider do meu partido). E nao sou esquerda caviar: Sou filho de trabalhadores, educado por um porteiro e uma empregada de limpeza e sou um trabalhador (investigador) com um salario medio e sem seguranca laboral. Comeco a notar que a fundamentacao para as suas opinioes parece vir de preconceitos nao verificados... Devia tentar escrever para um jornal, uma coluna de opiniao, iria de certeza ser bem vindo na maioria dos nossos jornais.

Escrevo isto em teclado sem acentos, como se pode notar.

Tiago disse...

Queria aqui corrigir um erro meu relativamente ao sistema de propinas Inglês: De facto o sistema de loans públicos e bolsas é só para quem tem rendimentos baixos. Donde de facto já não me parece tão equilibrado assim.

Notar que é diferente noutras partes do UK (tipo tendencialmente gratuito na Escócia).