Dois problemas se colocam de imediato.
Em primeiro lugar, ninguém, nem Montenegro e a direita neoliberal, nem a extrema-direita, acredita que seja possível combinar, de um lado, políticas liberais de redução de impostos e aumentos enormes dos gastos na defesa com, do outro lado, o evitamento de cortes no Estado social. A mesma cantiga soou quando a Troika e os seus representantes nacionais tentaram convencer os cidadãos das virtudes da disciplina e dos sacrifícios da primeira austeridade. São estratégias bem rodadas de fabricação de um consenso austeritário destinado a adormecer protestos sociais em face de uma brutal acumulação de riqueza: no topo da sociedade e no centro europeu. Mas não são verdade, muito menos para a maioria.
Em segundo lugar, qualquer horizonte de «manutenção» dos níveis atuais de despesa e investimento públicos no Estado social significa que simplesmente se desistiu de resolver as terríveis falhas, insuficiências e vetores de degradação com que estes se confrontam há muito. Aliás, os cidadãos que usam os serviços públicos sabem como eles se degradaram no último ano. Portugal não precisa que tudo fique «igual» quando a habitação é indigna ou inacessível para os salários e pensões. Nem pode contentar-se com hospitais e escolas onde todos os dias faltam médicos, enfermeiros, professores, muito menos num momento em que, pasme-se, passaram a ser possíveis grandes investimentos públicos.
(...)
Se refletirmos sobre este círculo vicioso da dependência, agora na perspetiva da imposição dos gastos com a defesa, veremos que o traço comum, ano após ano, é nunca se investir no que intuitivamente sabemos ser prioritário para o bem-estar de todos.
Sandra Monteiro, A construção do medo, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Abril de 2025.
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