Para justificar as opções do governo, cuja recusa em aumentar salários e pensões em linha com a inflação se traduz numa quebra acentuada do poder de compra, a maioria dos economistas aponta dois objetivos que se têm sobreposto: conter o défice orçamental e travar "espirais inflacionistas". Só que ambos fazem pouco sentido no contexto atual.
Por um lado, não há razão para insistir numa redução acentuada do défice quando nos encontramos à beira de uma recessão. A economia portuguesa já dá alguns sinais iniciais de abrandamento (o consumo privado e o investimento caíram no segundo trimestre do ano) e a quebra dos salários reais tenderá a acentuá-lo. Como, para o conjunto da economia, os gastos de uns são o rendimento de outros, a quebra do poder de compra e da procura tem impactos negativos na atividade económica e no emprego, afetando o rendimento disponível. O risco de uma recessão é o que devia preocupar o governo.
Por outro, os receios acerca de uma espiral inflacionista - isto é, uma dinâmica de aumentos salariais que agravaria a subida dos preços - são simplesmente infundados. Não só não há evidência empírica que suporte essa relação, como não há motivos para pensar que a compressão dos salários em Portugal contribua para estancar a subida dos preços da energia, que não resulta de um excesso de procura mas sim de constrangimentos da oferta.
Nenhum destes objetivos justifica o corte real nos salários e nas pensões. Na verdade, ambos refletem a verdadeira estratégia do governo: comprimir os rendimentos da maioria das pessoas e esperar que a inflação passe, enquanto se deixam intocados os lucros extraordinários das grandes empresas e as rendas dos proprietários. Uma década depois do programa de austeridade da direita, tudo isto é familiar.
2 comentários:
Creio que foi por recomendação deste blogue que pedi ao meu livreiro o livro de Paul Krugman, "Discutir com Zombies". Hoje, na minha hora de almoço li mais um pouco e na página 130 (artgo de novembro de 2008) leio, "Quando a economia da depressão domina, as regras habituais da política económica já não se aplicam: a virtude torna-se vício, a precaução é arriscada e a prudência é tolice". Será que repetir continuadamente é burrice dos "ddt" ou é por sadismo?
Diria que é sobretudo por interesses de classe.
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